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'É um vírus bandido', diz cirurgiã após passar 50 dias na UTI

'É um vírus bandido', diz cirurgiã após passar 50 dias na UTI

A cirurgiã Angelita Gama disse que ficou muito feliz ao acordar sem sequelas do período em que passou intubada na UTI

Publicado em 12 de maio de 2020 às 07:59

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Coronavírus - Covid19
Coronavírus - Covid19 . (Tumisu/Pixabay)

Após deixar o Hospital Alemão Oswaldo Cruz (SP) no domingo (10), onde ficou 54 dias internada, 50 deles na UTI, para tratamento da Covid-19, a cirurgiã Angelita Habr-Gama diz que sua meta é voltar ao local em breve, mas para fazer o que mais gosta: operar.

"Seguramente, voltarei a trabalhar, a fazer as minhas cirurgias. O susto já passou. Agora é um período de recuperação, de fisioterapia. Daqui para frente é outro dia", diz ela, que faz parte do corpo clínico do Oswaldo Cruz há 60 anos.

A médica, que chama o coronavírus de "vírus bandido", diz que ficou muito feliz ao acordar sem sequelas do período em que passou intubada na UTI, em sedação profunda.

"Pés, mãos, cabeça, tudo está funcionando perfeitamente. Eu só fiquei com uma fraqueza muscular porque perdi um pouco de peso, massa magra. Mas isso seguramente recuperarei em pouco tempo."

Nascida na Ilha de Marajó (PA), Gama entrou na Faculdade de Medicina da USP em 1952, aos 19 anos. Já ganhou mais de 50 prêmios científicos e é uma referência mundial em coloproctologia, especialidade que cuida das doenças do intestino grosso, do reto e ânus.

A médica é a primeira mulher titular em cirurgia da USP, a primeira a ser aceita pela sociedade americana de cirurgia e a primeira premiada pela sociedade europeia de cirurgia.

Gama, que não gosta de revelar a idade, acredita que tenha se infectado durante o lançamento da sua biografia "Não, não é resposta", escrita por Ignácio de Loyola Brandão. A festa reuniu cerca de 400 pessoas no último dia 8 de março, período em que ainda não havia orientação de isolamento social.

O marido, o também cirurgião Joaquim Gama, foi infectado, mas não manifestou sintomas da doença.

Como foi o diagnóstico do coronavírus?

  • Angelita Habr-Gama - É um vírus bandido. Eu senti uma dor no corpo intensa, uma febrícula. Não tive tosse, secreção. Como eu nunca tive absolutamente nada parecido com isso, fui para o hospital.

O atendimento foi rápido. Quando fizeram a tomografia de pulmão, o vírus realmente tinha invadido, havia um comprometimento pulmonar. Já estava sentindo falta de ar e precisei ser intubada.

Foi a primeira vez que precisou ficar numa UTI?

  • AHG - Não, foi a segunda. A primeira vez foi num passado distante. Fui operada e precisei ser intubada.

Alguma recordação desse período de intubação?

  • AHG - Nenhuma, não me lembro de absolutamente nada. É angustiante para amigos e familiares, mas a pessoa não se recorda de absolutamente nada.

Qual foi a sua reação acordar 52 dias depois?

  • AHG - Eu acordei, constatei o que tinha ocorrido e fiquei feliz de estar viva. Como médica, eu sei que ter esse vírus, passar por uma sedação profunda e acordar sem sequelas é realmente para comemorar.

Pés, mãos, cabeça, tudo está funcionando perfeitamente. Eu só fiquei com uma fraqueza muscular porque perdi um pouco de peso, massa magra. Mas isso, seguramente, recuperarei em pouco tempo.

Dez dias antes da internação, a sra. tinha lançado sua biografia em que conta as lutas que já travou na vida. Essa é mais uma para constar?

  • AHG - Certamente vai merecer um capítulo à parte. Pouca gente no mundo que teve essa forma mais séria do vírus se recuperou.

Acho que essa experiência pode trazer esperança a quem tem a doença. Ela pode ser grave, mas pode acabar sem sequelas. Isso dá um conforto extraordinário para quem está contaminado ou que eventualmente será contaminado, já que estamos ainda numa linha ascendente.

Mas diante de tantos mortos no país, dá para inferir que parte do sucesso depende também do cuidado recebido. A sra. teve acesso a uma medicina de primeira qualidade. Isso faz diferença, não?

  • AHG - Sim, é fundamental. Ter uma equipe de médicos, de enfermagem, nutrólogos, de fisioterapia, tem que ser uma equipe multidisciplinar.

Aqui em São Paulo, o governo paulista, a sociedade, tem procurado contornar essa situação, mas, infelizmente, quem não tiver condições de acesso a um bom atendimento pode não terminar bem.

O que a sra. tira como aprendizado dessa experiência?

  • AHG - É como renascer. Eu gosto de viver, gosto da vida, dos meus amigos, da minha família. Depois de passar por uma experiência dessa, é valorizar cada minuto que passa, as coisas pequenas do dia a dia. A vida se movimenta, a gente nunca sai de mesmo ponto.

A sra. pretende rever alguma coisa na vida. Trabalhar menos?

  • AHG - Eu sempre trabalhei por gosto. Trabalhar em medicina e cirurgia sempre foi um prazer enorme. Eu sempre saí alegre de cirurgias de muitas horas, com o coração radiante.

Sempre fui muito chegada aos meus pacientes. Agora mesmo, recebi uma chuva de mensagens carinhosas deles. Seguramente, eu voltaria a trabalhar, a operar, já estou planejando isso. O susto já passou, agora é um período de recuperação, de fisioterapia. Daqui para frente é outro dia. Eu sou capaz de reagir a isso.

Alguma mensagem que gostaria de deixar para as pessoas?

  • AHG - Eu quero deixar uma mensagem de otimismo. Essa é uma doença curável. Os que se infectarem precisam de cuidados e paciência.

Nossa imprensa tem divulgado todos os dias os cuidados necessários para que as pessoas não se contaminem. Eu provavelmente me contaminei durante uma celebração em que tive contato com muita gente.

Foi no lançamento do seu livro, em 8 de março?

  • AHG - Sim, havia umas 400 pessoas. Eu beijei muita gente. Provavelmente foi lá que eu me contaminei. A população tem que seguir as recomendações de isolamento social feita pelas secretarias de saúde, pelo governo do estado. Tem que entender que é possível prevenir, evitar que as pessoas morram por falta de assistência, de leitos.

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