"Eu agora sou mais um nessa galeria de ex-ministros", afirmou Luiz Henrique Mandetta a servidores, momentos antes de deixar o prédio do Ministério da Saúde.
A fala se deu em uma cerimônia informal para colocar a foto dele na galeria, no hall do prédio da pasta, depois de ele ter sido exonerado na tarde de quinta-feira (16) pelo presidente Jair Bolsonaro.
O ex-ministro discursou por dez minutos após ouvir aplausos, cantoria e falas emocionadas de aliados que estiveram com ele durante 1 ano, 3 meses e 16 dias na pasta. A reportagem acompanhou o encontro.
Foi com uma menção à santa Irmã Dulce dos Pobres, canonizada em 2019, que Mandetta começou a se despedir.
Antes, ele pediu que colocassem a imagem da santa baiana atrás da moldura da sua foto que ficará na galeria. Emocionado, quase derrubou o quadro para checar se a imagem estava no lugar.
"Quando fui a Salvador ver o hospital da obra de Irmã Dulce, estava com o prefeito ACM Neto e ele se ajoelhou. Eu decidi ajoelhar também e rezar para que ela iluminasse o país. E disse: 'Irmã Dulce, se a senhora for santa, vou no Vaticano'. Achei que ia demorar 30 anos e pagar a promessa lá na frente, mas fui. Chegando lá, o que pedi foi: protege o SUS, porque, ao proteger o SUS, a senhora protege muita gente."
Mandetta usou do exemplo da santa para se referir ao coronavírus e o desafio em implementar medidas de isolamento social alvo de críticas de Bolsonaro.
"A obra dela era para gente pobre, gente da rua. Tudo o que fizemos aqui foi pensando nos mais humildes. No dia que gente desse ministério me falou como era o ônibus que vinha para cá, o grau de proximidade das pessoas, vamos falar em isolamento social como? O SUS vai pagar a conta de séculos de negligência com o povo mais humilde que é a grande massa trabalhadora desse país", disse.
"O que é falar para eles: 'vão trabalhar, porque temos que passar por isso rápido'? Se passar por isso rápido significa estressar muito além do razoável o sistema de saúde."
Em seguida, Mandetta disse que, caso sejam afrouxadas as recomendações atuais da pasta, o sistema de saúde brasileiro poderá ter reflexos como o da Europa, em que há funcionários que já atendem "com saco de lixo na cabeça".
"Porque não tem equipamento de proteção individual em quantidade e qualidade que todo mundo quer."
Em recado indireto a Bolsonaro, que já chegou a comparar a Covid-19 a uma "gripezinha", Mandetta disse que idosos "não são e nunca serão descartáveis, sob o argumento da economia que for".
"Não existe ninguém que a gente esteja autorizado a largar para trás. A gente tem que pensar na cracolândia, na favela", afirmou o ex-ministro.
Ele expressou preocupação com o relaxamento de medidas de isolamento social e pediu a técnicos da pasta que "não tenham medo de andar ao lado da verdade".
Horas após a demissão, Bolsonaro anunciou que Mandetta seria substituído pelo médico oncologista Nelson Teich, que se declarou alinhado às demandas do presidente.
Embora com aparência firme, o ex-ministro deixou transparecer que sai da pasta com um pouco de ingratidão. "O Padre Antônio Vieira falava: 'se tudo que fizeres pela pátria, e ela ainda assim lhe for ingrata, não tereis feito mais do que sua obrigação'."
Em nome dos servidores, o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos, Denizar Vianna, afimou que foi um privilégio trabalhar com Mandetta e que o corpo técnico da pasta poucas vezes teve um ministro tão humanista e que pautava "suas decisões na ciência".
Vianna, que é próximo de Teich, fez questão de ressaltar os panelaços ocorridos durante o anúncio da demissão de Mandetta feito por Bolsonaro.
"O panelaço comeu solto na sua demissão. Mostrando que a população te apoia".
O secretário afirmou que, sem as ações de Mandetta, o quadro de mortalidade no país poderia ser maior e que suas entrevistas viraram "a novela do brasileiro". "Todo mundo queria ouvir o ministro."
Em outro momento, uma servidora começou a puxar o coro da canção "Timoneiro", de Paulinho da Viola.
Depois de se despedir, Mandetta saiu pela garagem, nos fundos do prédio. Na portaria, ao menos quatro servidores se despediam de colegas com caixas com objetos pessoais nas mãos. Alguns choravam.
Na despedida, houve uma pequena aglomeração de servidores. Parte deles usava máscara e evitou abraçar o ex-ministro.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta