Dos problemas enfrentados no Ministério da Saúde durante a pandemia do novo coronavírus, o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta aponta o que, na sua opinião, foi o principal: a postura negacionista do presidente Jair Bolsonaro. Segundo Mandetta, se o presidente adotasse protocolos estabelecidos pela pasta para preparar o sistema público de Saúde, o Brasil não estaria entre os países com o maior número de vítimas da doença.
"Poderia ter sido diferente, para melhor", disse Mandetta, que lança nesta sexta-feira (25), o livro Um paciente chamado Brasil, no qual relata os últimos 87 dias de sua gestão. No período, passou a ser a principal voz na defesa do isolamento social como forma de atenuar efeitos da pandemia, ao contrário do que pregava o presidente.
O livro, segundo ele, foi escrito na quarentena de seis meses imposta a ministros que deixam o governo. Ao analisar as decisões políticas, faz mea-culpa e critica a Organização Mundial de Saúde (OMS) por relutar em classificar a Covid-19 como emergência sanitária mundial.
O foco principal das críticas, no entanto, é Bolsonaro, descrito como alguém em negação diante do agravamento da doença. "Primeiro ele negou a gravidade da Covid-19, falando que era só uma "gripezinha". Depois ficou com raiva do médico, ou seja, de mim. Depois partiu para o milagre, que é acreditar na cloroquina", escreve.
Mandetta relata que, antes mesmo do primeiro caso no país, tentou por diversas vezes apresentar dados, projeções e medidas de prevenção a serem tomadas. Mas, segundo ele, o presidente "sempre arranjava um jeito de não participar". Nas reuniões ministeriais, afirma, não tinha espaço para falar.
Segundo o ex-ministro, Bolsonaro só viu os dados em uma ocasião, em 28 de março - o país registrava 92 óbitos por Covid-19. Mandetta diz que apresentou três projeções, de 30 mil a 180 mil mortes por Covid-19 no país.
"Depois de eu ter ficado por uma hora e meia oferecendo todos os elementos que provavam a gravidade do problema, ele mostrou que não estava nem um pouco convencido". Naquele dia, Bolsonaro disse: "Infelizmente, algumas mortes terão. Paciência". No dia seguinte, o presidente foi a Taguatinga e provocou aglomeração ao circular pelo comércio local.
Mandetta diz que, naquela reunião, os demais ministros já estavam convencidos de que o presidente não deveria seguir pelo caminho da negação. Mas, como exemplo de que o governo negligenciou medidas de prevenção, relata que o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, participou da reunião 10 dias após ser diagnosticado com Covid-19 - ignorando o protocolo de 14 dias de quarentena.
O Brasil registrou ontem mais de 139 mil óbitos por Covid - o que aproxima o país da estimativa mais pessimista feita pela pasta da Saúde em março.
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