Apesar dos tuitaços, panelaços e carreatas, congressistas da oposição admitem nos bastidores que interessa mais a manutenção de "clima de impeachment" e sangria de Jair Bolsonaro (sem partido) até as portas de 2022 do que a efetivação real de um processo para a saída do presidente do cargo. O cálculo se baseia na avaliação principal de que o presidente tem hoje amparo do bloco do centrão para derrotar qualquer pedido. Ou seja, na hipótese de ser deflagrado na Câmara, o impeachment seria derrotado por Bolsonaro, que sairia fortalecido politicamente.
Mesmo em um improvável cenário de sucesso, assumiria o governo o general Hamilton Mourão (PRTB), que, embora seja visto como mais sensato e eficiente em relação a Bolsonaro, está longe de ser do agrado da esquerda. O vice teria um tempo relativamente longo para arregimentar apoio e estrutura, podendo vir a se tornar, inclusive, um real adversário da oposição em 2022.
O descrédito com o impeachment ganhou mais força com a folgada eleição de Arthur Lira (PP-AL) para presidência da Câmara, amparado por um guarda-chuva de emendas e cargos oferecidos pelo governo Bolsonaro. Se sob o comando de Rodrigo Maia (DEM-RJ) já havia dificuldade — ele deixou o cargo com mais 60 pedidos de abertura de processo de impeachment sem análise, com o líder do centrão no comando as chances rareariam mais ainda.
"O Maia tinha motivos suficientes para iniciar o processo, mas não havia interesse de integrantes do centrão de dar esse passo", afirma a deputada Talíria Petrone (RJ), líder do PSOL na Câmara. "Agora, a correlação de forças é muito pior do que antes da eleição do Lira. Não vemos com otimismo os 68 pedidos [de impeachment] irem para frente."
Lira recebeu 302 votos e foi eleito em primeiro turno na disputa para o comando da Casa. Ele teve apoio da direita, do centro e até da oposição. Seu principal, adversário, Baleia Rossi (MDB-SP), teve 145.
Pela legislação, cabe ao presidente da Câmara decidir, de forma monocrática, se há elementos jurídicos para dar sequência à tramitação do pedido. Nesse caso, o impeachment só é autorizado a ser aberto com aval de pelo menos dois terços dos deputados (342 de 513), depois de votação em comissão especial. Formalmente, a esquerda conta com apenas 130 votos na Câmara.
Nesse contexto, uma ala da esquerda avalia que apresentar pedidos de impeachment com a certeza de que eles não serão aceitos tem um saldo positivo para os opositores de Bolsonaro: a cada nova controvérsia em que o mandatário se envolve, haveria uma nova chance de capitalizar em cima do episódio e "sangrar" o capital político do presidente.
O jogo de cena ajudaria ainda a manter os erros da gestão Bolsonaro em evidência até que a vacinação contra Covid-19 ganhe ritmo no país e possibilite o retorno de manifestações de rua, fundamental para qualquer processo de destituição. Esse é apontado como um dos motivos que resguardam o governo atualmente. Quando a economia está ruim ou há uma situação em que o presidente perde apoio político, o reflexo mais visível da perda de popularidade são os protestos.
Na avaliação de alguns membros da esquerda, uma parcela de insatisfeitos já estaria disposta a sair às ruas. Porém o risco da pandemia impediria uma adesão maior aos atos. Em janeiro, pesquisa Datafolha mostrou que 53% dos entrevistados avaliavam que a Câmara não deveria abrir um processo de impeachment contra Bolsonaro — 42% achavam que deveria.
Essa leitura "pragmática" de desgastar Bolsonaro, embora forte nos bastidores, não é consenso na oposição. Muitos defendem a tentativa constante e imediata de destituir Bolsonaro como uma forma de viabilizar um combate mais efetivo à crise sanitária e uma chance de impedir o avanço de pautas conservadoras defendidas pelos bolsonaristas. "Há aqueles que defendem o impeachment como meramente um discurso político, para esgarçar o presidente até as eleições. Esses estão preocupados exclusivamente com o processo eleitoral", afirma Júlio Delgado (PSB-MG).
"Mesmo não tendo clima nas ruas, acho que o impeachment é necessário porque o Brasil não suporta mais dois anos disso. Falo, em especial, dos aspectos sanitário, ambiental e diplomático", afirma o deputado.
Para Carlos Zarattini (PT-SP), a oposição também não pode arrefecer na defesa do impeachment por temer vitaminar Mourão. "O governo Mourão teria de fazer um acordo político para sobreviver. Ele não tem o mesmo respaldo das urnas que o Bolsonaro tem. Evidentemente que ele não vai levar à frente um programa radical como o Bolsonaro, ele vai ter de se moderar, e isso vai dar uma situação melhor para o Brasil. Cada dia a mais do Bolsonaro no governo é um dia a mais de desgraça para o povo brasileiro", diz.
Talíria tem opinião similar. "É óbvio que a gente entende que não é um cenário satisfatório para a vida do povo brasileiro ter Mourão presidente. Mas quem hoje, por incrível que pareça, tem posições que resguardam a democracia brasileira é o Mourão. Tem uma questão do que cabe em uma democracia e o que não cabe", afirma.
"A divergência cabe numa democracia. Estimular atos autoritários, negacionismo insano, não. Mourão, em alguma medida, tem sido um ponto de equilíbrio nesta chapa", afirma a líder do PSOL.
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