BUENOS AIRES - Na esteira das mais recentes rusgas entre Javier Milei e Lula (PT), o embaixador do Brasil na Argentina, Julio Bitelli, foi chamado a Brasília para se reunir com o presidente, com o chanceler Mauro Vieira e com outras autoridades e debater os rumos da relação com o vizinho.
Não se trata de uma chamada para consultas, uma clássica reprimenda diplomática que expressa a fragmentação de relações bilaterais — como ocorreu recentemente, por exemplo, com os embaixadores de Espanha e Bolívia na Argentina ou com o embaixador do Brasil em Israel. Bitelli retorna ao posto na semana que vem.
Nos termos da diplomacia brasileira, o embaixador, que há um ano ocupou o cargo em Buenos Aires, conversará com o alto escalão do governo brasileiro para estabelecer os novos objetivos daqui para a frente em áreas centrais como a de energia e comércio.
A relação atual com a Argentina, um dos mais importantes parceiros globais do Brasil, é descrita como em um momento complexo, que difere muito do que se está acostumado. As rusgas entre Milei e Lula são vistas como ruídos que respingam na diplomacia e que devem ser desdramatizados, nos termos ditos à reportagem.
O conflito entre o Palácio do Planalto e a Casa Rosada esquentou após Lula afirmar que Milei deveria lhe pedir desculpas pelos insultos que o fez, e o argentino afirmando que não o faria e chamando o brasileiro de "esquerdinha" e de "ego inflado".
Antes de eleito, o economista ultraliberal disse que Lula era comunista e corrupto e que, por isso, não conversaria com ele.
O ápice ocorreu há uma semana, quando coincidiram a ida de Milei a Santa Catarina para uma conferência conservadora e a cúpula de chefes de Estado do Mercosul em Assunção, no Paraguai, da qual o argentino estava ausente justamente pela escolha de ir ao Brasil.
Após os temores de que o líder argentino destratasse Lula em território brasileiro e uma série de pedidos feitos a ele para que não o fizesse, a temperatura baixou quando Milei optou por exportar seu clássico discurso sobre o que descreve como "o socialismo do século 21", mas sem mencionar o nome de Lula em nenhum momento.
Enquanto isso, em Assunção, sua equipe encabeçada pela chanceler Diana Mondino pleiteava uma agenda ultraconservadora no órgão multilateral com a qual o Brasil discorda. Por essa defesa argentina, que se opõe a debates de gênero e agenda sustentável, não houve declaração final do bloco com seus Estados associados, algo de praxe nas cúpulas, uma vez que não havia consenso.
De Brasília a mensagem é de que essa agenda não necessariamente contamina a relação bilateral. O presidente Lula, porém, mencionou em seu discurso a seus pares críticas ao que a Argentina tentava fazer nos bastidores, ainda que sem mencionar o país ou o governo Milei.
Em Buenos Aires, a leitura é a de que a chanceler Diana Mondino, que tem uma boa relação com o Brasil e com seus representantes, como o embaixador Julio Bitelli e o ministro Mauro Vieira, vem perdendo espaço no ministério que chefia.
A razão é uma presença cada vez maior da agenda que defende a irmã do presidente e secretária-geral da Presidência, Karina Milei, cuja linha de atuação adentra o Ministério das Relações Exteriores da Argentina.
O embaixador Bitelli está no Brasil para buscar maneiras de fazer com que a relação siga adiante sem maiores percalços. Por isso, também não representará o país em um evento que na tarde desta quarta-feira (17) marca em Buenos Aires os 30 anos do atentado terrorista contra a Amia, associação judaica alvo de um carro-bomba que deixou 85 mortos e centenas de feridos em 1994.
No evento estarão presentes os presidentes de dois países do Mercosul, Santiago Peña (Paraguai) e Luis Lacalle Pou (Uruguai), além de Milei, que foram convidados pelo Estado argentino. O presidente Lula não foi convidado.
Além de relações fragmentadas com Milei, a postura do petista em relação à guerra em Gaza não é benquista por organizações judaicas. Ele reiteradas vezes afirmou que Israel comete crime de genocídio contra os palestinos na faixa ocupada.
Bitelli representaria o país. Em sua ausência, já que ainda estará em Brasília, a representação ficará a cargo do encarregado de negócios da embaixada em Buenos Aires, Mauricio Favero.
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