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Enchente em São Leopoldo (RS) não foi causada por rompimento de barragem

Enchente em São Leopoldo (RS) não foi causada por rompimento de barragem

A inundação foi provocada por precipitações intensas, que levaram ao desligamento de casas de bombas e resultaram na erosão parcial de um dique de drenagem de água

Publicado em 21 de junho de 2024 às 09:07

Ícone - Tempo de Leitura 8min de leitura
Enchente em São Leopoldo (RS) não foi causada por rompimento de barragem. (Arte A Gazeta/Reprodução TikTok)

Conteúdo investigado: Vídeo de entrevista do podcaster Diego Santana Correa Oliveira em que ele afirma que a enchente em São Leopoldo (RS) foi provocada pelo rompimento de uma barragem que estaria há 13 anos sem manutenção. Ele também acusa o estado e o município de processar pessoas que teriam alertado sobre a enchente, e alega ainda que não viu a presença do governo em abrigos.

Onde foi publicado: Tiktok, Instagram e YouTube.

Conclusão do Comprova: O desastre das chuvas em São Leopoldo (RS) não foi causado pelo rompimento de uma barragem, diferentemente do que afirma um post viral. O município foi um dos mais afetados pelas enchentes no estado e emitiu o primeiro alerta para chuvas fortes em 27 de abril. Na data, a prefeitura informou que houve acúmulo de 63 mm de chuva em uma hora.

São Leopoldo fica na região do Rio dos Sinos e já havia sofrido com enchentes em 2023 e em outros anos. Por estar em uma região ameaçada por alagamentos, o município tem um sistema de drenagem composto por diques e casas de bombas espalhadas pelo território.

No mapa interativo do Sistema de Segurança de Barragem (SNISB), da Agência Nacional de Águas (ANA), é possível ver que não há barragens que retêm o fluxo de rios em São Leopoldo. O painel interativo da SNISB lista quatro barragens na cidade, duas de aquicultura, uma industrial e outra para recreação. Nenhuma delas está classificada com dano potencial alto (quanto estrago a barragem poderia provocar se se rompesse).

O que existe na cidade são diques, que chegam a 20,4 km de extensão. Ao Comprova, a Prefeitura de São Leopoldo disse que essas estruturas não se romperam e que “foram vitais para evitar uma catástrofe maior”. Afirmou ainda que os alagamentos foram provocados pelo grande volume de chuvas na região: 966 mm entre 24 de abril a 27 de maio. Apenas entre 30 de abril e 2 de maio foram 304 mm na cabeceira do Rio dos Sinos, na cidade de Caraá, e no Rio Paranhana, em São Francisco de Paula, e seus afluentes. Somente em São Leopoldo foram registrados 700,4 mm de chuva entre 27 de abril a 28 de maio.

Em Novo Hamburgo, a chuva intensa fez o Rio dos Sinos passar por cima do dique, pela primeira vez na história. A estrutura protegia a cidade até o nível de 9,50 metros do rio, mas o nível chegou a quase 10 metros. Foi decidido então que a casa de bombas do bairro Santo Afonso, que joga a água do Arroio Gauchinho para o Rio dos Sinos, seria desligada, pois, na avaliação da gestão municipal de Novo Hamburgo, não faria sentido jogar a água para o rio que estava transbordando.

A alegação do podcaster de que os governos não estão presentes em abrigos e que as vítimas das enchentes são amparadas apenas por voluntários também não procede. Em São Leopoldo, onde vivem mais de 217 mil habitantes, 100 mil pessoas ficaram desalojadas e cerca de 20 mil receberam auxílio em 132 abrigos da prefeitura e entidades parceiras, conforme informado pelo município.

Um balanço divulgado pelo Estadão em 15 de maio, um mês antes de o vídeo enganoso viralizar nas redes sociais, mostrou que o Rio Grande do Sul contava com 830 abrigos em atividade em 103 municípios, criados tanto pelo poder público quanto pela sociedade civil, em escolas, centros desportivos, universidades, clubes e outros espaços.

É possível constatar a presença governamental nos abrigos, por exemplo, na força-tarefa montada pela prefeitura de São Leopoldo para prestar atendimento de saúde nos albergues montados na cidade, nos serviços de Justiça disponibilizados em um mutirão e no reforço na segurança feito por policiais militares da reserva nos locais de acolhimento.

Também não há evidências de que a Prefeitura de São Leopoldo tenha processado pessoas que teriam alertado sobre os alagamentos. Em buscas na plataforma JusBrasil, o Comprova não encontrou ações judiciais movidas pelo município (123 e 4). A administração municipal negou que tenha movido ações judiciais sobre o tema. “Os alertas foram emitidos pela Defesa Civil do município para prevenir e dar segurança às pessoas em bairros limítrofes ao Rio dos Sinos”, disse.

A reportagem tentou contato com o autor da peça de desinformação, Diego Santana Correa Oliveira, e com a assessoria do Alfa 11 Cast, podcast apresentado por ele, mas não houve retorno.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 18 de junho, o vídeo contabilizava mais de 4,6 milhões de visualizações no TikTok, 237 mil no Instagram e mais de 13 mil vezes no YouTube.

Fontes que consultamos: Uma busca reversa de imagem nos permitiu identificar o homem no vídeo. A partir das redes sociais de Diego Santana Correa Oliveira, encontramos o vídeo original da fala, feita durante entrevista dele ao No Limite Podcast, em 4 de junho.

Também consultamos o mapa do Sistema de Segurança de Barragem (SNISB) e o Google Maps para encontrar barragens na região de São Leopoldo e entramos em contato com a prefeitura local, que informou sobre a situação dos diques. O governo municipal levantou ainda a possibilidade de a barragem mencionada ser a da Usina 14 de Julho, erroneamente atribuída a São Leopoldo. Com base nisso, buscamos manifestação e relatórios de vistoria da empresa que administra o reservatório.

Barragem comprometida fica em Cotiporã

Houve, de fato, o comprometimento da estrutura de uma barragem no estado. No entanto, isso aconteceu na região entre Cotiporã e Bento Gonçalves, a cerca de 150 km de São Leopoldo. E o rompimento parcial da barragem da Usina 14 de Julho não foi a causa da situação de calamidade nos municípios.

O reservatório teve a estrutura comprometida em 2 de maio por conta das fortes chuvas que atingiram o estado e do aumento da vazão do Rio das Antas. No dia 1º de maio, a Defesa Civil e a Companhia Energética Rio das Antas (Ceran) iniciaram um Plano de Ação de Emergência para retirar a população dos locais de risco.

Ao Comprova, a Ceran afirmou que realiza manutenções periódicas e que mantém contato com os agentes públicos, Defesas Civis e com a população, principalmente em épocas de grandes vazões. A companhia também diz que não moveu qualquer processo contra pessoas que supostamente alertaram sobre os riscos.

A Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) do Rio Grande do Sul criou um Grupo de Trabalho em 2019 para monitorar a segurança das barragens. Os relatórios das vistorias podem ser conferidos no site da pasta. Os documentos não citam a Usina 14 de Julho.

Procurada pelo Comprova, a CSC energia, responsável pela barragem da Usina 14 de Julho, afirmou que as manutenções na estrutura são feitas de forma periódica, com equipe de operação e manutenção somente para o local.

Grande volume de chuva levou a colapso em casas de bombas

Em 27 de abril, dia da primeira chuva severa na região de São Leopoldo, o diretor-geral do Serviço Municipal de Água e Esgotos (Semae), Maurício Miorim, esteve em uma das casas de bombas e disse que o equipamento de macrodrenagem funcionava perfeitamente ali e em outros pontos da cidade.

A prefeitura afirmou que a inundação na cidade não foi provocada pelo rompimento do dique, e sim pelo grande volume de chuva que afetou a casa de bombas do bairro Santo Afonso, no limite com a cidade vizinha de Novo Hamburgo, em 3 de maio. Isso ocasionou o desligamento das bombas e o consequente transbordo do dique do Arroio Gauchinho, erodindo parte da estrutura e inundando o bairro Santos Dumont/Vila Brás, em São Leopoldo.

Segundo a prefeitura, o mesmo ocorreu no dique do bairro Vicentina, junto à casa de bombas do Arroio da João Corrêa. Após o transbordo da água, o dique erodiu e os equipamentos precisaram ser desligados devido à grande quantidade de água, atingindo os bairros Vicentina, São Miguel e Vila Paim.

No Arroio Cerquinha, no bairro Campina, houve o transbordo do dique, que acabou ocasionando os alagamentos no bairro Campina e Scharlau. Por medida de segurança, foi necessário o desligamento da casa de bombas do Arroio Cerquinha, devido ao alto nível da água que atingiria a parte elétrica.

O grande volume de água na região fez com que o Rio dos Sinos começasse a refutar o fluxo de seus afluentes, outro fator que contribuiu para os alagamentos.

Sistema Contra as Cheias do Rio dos Sinos está inacabado

O Sistema de Proteção contra Cheias de São Leopoldo foi construído utilizando parâmetros da histórica cheia de 1941 e, segundo a prefeitura, foi importante para que a situação de calamidade não fosse ainda mais severa devido às fortes chuvas. Nas regiões não ocupadas da cidade, no entanto, os diques foram projetados com capacidade menor, como na Avenida João Correa.

Embora a construção dos sistemas de drenagem tenha sido iniciada na década de 1960, as obras nunca foram totalmente concluídas.

Em 2015, a Defesa Civil de São Leopoldo alertou para o que seria uma “tragédia anunciada”. Na época, o coordenador do órgão afirmou que mudanças nos Planos Diretores para urbanização de áreas de preservação na região da bacia do Rio dos Sinos dificultaria o escoamento da água, deixando a área suscetível a alagamentos.

O Ministério Público Federal (MPF), em 2019, se manifestou a favor de uma ação movida pelo município contra a União para o pagamento da última parcela para finalização do Sistema Contra as Cheias do Rio dos Sinos. O processo tramita no TRF4 desde 2017.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já checou diversos conteúdos sobre a atuação das autoridades na calamidade que atinge o Rio Grande do Sul e já mostrou ser enganoso que casa de bombas de Porto Alegre tenha sido sabotada e que estrada foi bloqueada em Canoas para passagem de carretas vazias. Também mostrou que post usa vídeos antigos para minimizar a atuação do Exército nas enchentes.

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