SÃO PAULO - Deputados federais protocolaram na Câmara um pedido de impeachment contra o presidente Lula (PT) por comparar as mortes na Faixa de Gaza ao Holocausto. Entre os parlamentares há integrantes de partidos da base do governo federal.
Para os deputados, a declaração polêmica foi crime de responsabilidade. A fala foi, segundo eles, "ato de hostilidade contra nação estrangeira, expondo a República ao perigo da guerra, ou comprometendo-lhe a neutralidade".
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é a figura a quem cabe fazer uma primeira análise dos pedidos de impeachment contra o presidente da República, podendo aceitar ou rejeitar esses pedidos.
No entanto, Lira, que é o principal líder do chamado bloco do centrão, pode ainda optar por nenhuma das duas opções, mas por uma terceira: os pedidos seguem indefinidamente em análise, ou seja, na gaveta.
Pedidos engavetados servem como poder de barganha. A partir do momento em que um pedido é rejeitado, o poder deixa de ser exclusivo do presidente da Câmara. No caso de indeferimento, abre-se a possibilidade de recurso ao plenário, que pode derrubar a decisão.
Um pedido de impeachment contra Lula por comparar as mortes na Faixa de Gaza ao Holocausto tem apoio de 91 deputados. Desses, 20 são de partidos da base do governo.
O rito do impeachment, os requisitos para apresentação de um pedido e a definição dos crimes de responsabilidade dependem de uma leitura conjunta de diferentes itens. A existência em si da possibilidade legal de retirada do presidente da República do cargo, por crime de responsabilidade, está prevista na Constituição.
Já a definição dos crimes, assim como as normas de processo e julgamento, constam em uma lei específica, conhecida como Lei do Impeachment (1.079/1950).
Também importantes são os regimentos da Câmara e do Senado, que trazem outras regras sobre o processo, além de decisões do STF sobre o tema.
A Lei do Impeachment define que qualquer cidadão pode denunciar o presidente da República por crime de responsabilidade perante a Câmara.
A mesma lei também determina uma série de requisitos: a peça deve estar assinada com firma reconhecida; deve ser acompanhada de documentos que comprovem a acusação, ou de declaração de impossibilidade de apresentá-los, com a indicação do local onde possam ser encontrados, além de apresentação de uma lista de testemunhas, nos crimes em que houver prova testemunhal.
A Constituição se reserva a determinar que é competência privativa da Câmara autorizar — por dois terços de seus membros — a instauração de processo contra o presidente.
É na Lei do Impeachment que aparece o recebimento da denúncia, que determina: "Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial". Ela não cita, contudo, o presidente da Câmara.
A figura do presidente da Câmara aparece no Regimento da Câmara, que diz: "Recebida a denúncia pelo presidente, verificada a existência dos requisitos de que trata o parágrafo anterior [assinatura com firma reconhecida, apresentação de documentos e rol de testemunhas], será lida no expediente da sessão seguinte e despachada à Comissão Especial eleita".
Com isso, o regimento criou uma etapa a mais, cabendo ao presidente da Câmara avaliar se os requisitos foram atendidos, para só então o pedido ter seguimento. É nesta fase que os mais de cem pedidos contra Bolsonaro se encontram.
A partir do momento em que o pedido é recebido pelo presidente da Câmara, dá-se início ao rito do impeachment com a criação de uma comissão especial, que deve contar com representantes de todos os partidos.
Esse colegiado é responsável por elaborar um parecer, que pode ser favorável ao prosseguimento do processo ou ao arquivamento. Aprovado o parecer, ele é então votado no plenário, sendo preciso o voto de dois terços da Câmara (342 deputados) para que o impeachment seja autorizado.
A instauração e julgamento ocorrem no Senado, onde é preciso o voto de 54 dos 81 senadores para que o presidente perca o mandato. Ou seja, mesmo depois de o presidente da Câmara receber o pedido, em tese o impeachment pode ser barrado tanto pela Câmara quanto pelo Senado.
No caso de o presidente da Câmara decidir pelo indeferimento, o pedido é arquivado. Porém, nesta hipótese, cabe recurso ao plenário, que pode reverter a decisão. Tal norma consta no Regimento da Câmara.
Segundo a jurisprudência do STF, a análise feita pelo presidente da Câmara não se restringe a aspectos formais, podendo ele também rejeitar acusação que considere "patentemente inepta ou despida de justa causa".
Lira assumiu a presidência da Câmara em fevereiro de 2021 com o apoio do então governo de Jair Bolsonaro, e foi reeleito em 2023 com apoio agora do governo Lula. Sob Bolsonaro, ele não deu andamento a nenhum dos pedidos de impeachment contra o então presidente.
O que acontece se o presidente da Câmara não arquiva nem aceita a denúncia? Há prazo para análise? É nesta espécie de limbo que os pedidos de impeachment contra Bolsonaro permaneceram. Ao criar essa etapa de verificação pelo presidente da Câmara, o regimento não estabeleceu um prazo para que ela ocorresse.
Apesar disso, diferentes especialistas entendem que a inexistência de um prazo determinado tampouco dá a Lira o poder de indefinidamente nada fazer. Neste caso, um caminho seria o STF determinar que Lira analise os pedidos. Lira deixará a presidência da Câmara em fevereiro de 2024.
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