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Entenda como funciona e o que pode motivar impeachment de ministros do STF

Entenda como funciona e o que pode motivar impeachment de ministros do STF

No caso de impeachment de ministro do Supremo, o presidente do Senado não é obrigado a dar seguimento a um pedido recebido

Publicado em 14 de abril de 2021 às 19:06- Atualizado há 4 anos

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Fachada do edifício sede do Supremo Tribunal Federal (STF)
Supremo Tribunal Federal (STF) é formado por 11 ministros. (Marcello Casal JrAgência Brasil)

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) reagiu à decisão do ministro Luís Roberto Barroso (STF) de determinar a instalação da CPI da Covid pelo Senado na última quinta-feira (8), ao cobrar que o mesmo argumento seja usado em pedidos de impeachment contra ministros do Supremo e incitar aliados a pautarem o tema.

Depois dessa decisão de Barroso, o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) ingressou com um mandado de segurança no Supremo sustentando que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), estaria sendo omisso ao não dar seguimento ao pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes -solicitado por ele no início de março.

Para Kajuru, a exemplo da decisão no caso da CPI, o STF deveria fazer tal determinação.

Nesta terça-feira (13), ao saber que o ministro Kassio Nunes Marques será o relator desse pedido de Kajuru, Bolsonaro riu e voltou a insinuar que Barroso agiu com finalidade política no caso da CPI, crítica já rebatida tanto pelo ministro quanto oficialmente pelo Supremo.

"Eu não interfiro em lugar nenhum. Foi clara a decisão de um ministro do Supremo para apurar denúncia contra o presidente Jair Bolsonaro", disse.

Especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que as situações não são semelhantes.

No caso de impeachment de ministro do Supremo, o presidente do Senado não é obrigado a dar seguimento a um pedido recebido. Já em relação à CPI, a jurisprudência do Supremo entende que se trata de um direito da minoria e que, segundo a Constituição, preenchidos os requisitos para a sua criação, ela deve ser aberta.

Há hoje no Senado pedidos de impeachment contra diferentes ministros do STF, mas, a exemplo do que ocorre com diversos pedidos contra o presidente Jair Bolsonaro na Câmara, eles estão na gaveta --não tiveram seguimento, tampouco foram arquivados.

Das três principais casas da Praça dos Três Poderes, em Brasília (Presidência, Congresso e STF), o Supremo é a única que nunca perdeu um integrante a partir de uma denúncia de crime comum ou de responsabilidade.

Como funciona a tramitação do impeachment contra ministros do STF? Há diferenças em relação ao processo contra o presidente da República?

Pesquisadora do Supremo em Pauta da FGV e doutoranda em Direito do Estado pela USP, Ana Laura Barbosa explica que qualquer cidadão pode apresentar a denúncia nos dois casos, mas a diferença entre os processos está no juízo sobre a admissibilidade da denúncia, que pode ser feita por qualquer cidadão.

No caso do presidente da República, pautar o processo de impeachment é uma prerrogativa do presidente da Câmara e precisa do voto de 342 de um total de 513 deputados federais para ser autorizado e seguir para o Senado.

Em seguida, nesta Casa Legislativa, é preciso que a admissibilidade do processo seja aprovada por maioria simples, numa sessão com no mínimo 41 dos 81 senadores. Ao final do processo, para que o presidente perca o mandato é preciso o voto de 54 senadores.

No caso de ministros do STF, apenas o Senado atua no processo. O pedido é encaminhado para a Comissão Diretora, e é uma prerrogativa do presidente da Casa, atualmente o senador Rodrigo Pacheco, decidir se os senadores analisarão o mérito ou se o pedido será arquivado. Para que um ministro seja destituído do Supremo também é preciso o aval de 54 senadores.

Que condutas correspondem a crimes de responsabilidade no caso de ministros do STF?

São cinco condutas, previstas na lei 1.079 de 1950. A primeira delas prevê crime de responsabilidade que integrante do Supremo altere, por qualquer forma, exceto por meio de recurso, a decisão ou voto já proferido em sessão da corte já encerrada.

Segundo avalia Ana Laura (FGV), este não seria o caso de mudanças de voto no decorrer de um julgamento ainda não encerrado, como feito pela ministra Cármen Lúcia no caso sobre a suspeição do juiz Sergio Moro em processo contra Lula.

Outro crime é realizar julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa. O exercício de atividade político-partidária também pode gerar responsabilização, assim como ter conduta negligente no cumprimento dos deveres do cargo e agir de modo incompatível com a honra dignidade e decoro das funções.

A lei ainda prevê a possibilidade de responsabilização por crimes contra a lei orçamentária em caso de condutas ordenadas ou praticadas pelo presidente do Supremo ou seu substituto quando eventualmente precisarem exercer a Presidência da República.

"Nenhum desses dispositivos abre qualquer abertura para responsabilizar um ministro por suas próprias opiniões, por seus votos ou pelo juízo que ele faz do direito. Isso está fora de questão e é uma violação à separação dos Poderes", afirma Ana Laura.

A pesquisadora cita casos anteriores, como pedidos de impeachment protocolados contra o então ministro Celso de Mello após seu voto no julgamento sobre a criminalização da homofobia.

"A responsabilização por crime de responsabilidade não envolve o que o ministro pensa. Isso é uma base da democracia que não pode ser abandonada", diz.

O presidente do Senado tem obrigação de criar comissão para analisar um pedido de impeachment de ministros do STF?

Não há obrigatoriedade para que o presidente do Senado admita um processo de impeachment contra ministro da corte, da mesma forma como não existe tal determinação no caso de pedidos contra o presidente da República.

Na ação em que alega que o presidente estaria sendo omisso ao não dar seguimento ao processo de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, o senador Kajuru argumenta que, de acordo com a lei dos crimes de responsabilidade, "recebida a denúncia pela Mesa do Senado, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial, eleita para opinar sobre a mesma."

Na sequência, ele afirma que o fato de a denúncia não ter sido lida na sessão seguinte nem ter sido encaminhada para comissão especial comprovaria o ato de omissão.

"Ora, até a presente data a denúncia SF 03/2021 [pedido de impeachment] não foi lida na sessão seguinte seguinte ao seu recebimento pela Mesa do Senado, e tampouco despachada, pela autoridade coatora, a uma comissão especialmente criada a opinar, comprovando o ato omissivo da autoridade impetrada", consta no processo que foi distribuído ao ministro Nunes Marques.

De acordo com a professora Carolina Cyrillo, professora de direito constitucional e administrativo da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), o pedido faz uma leitura imprópria do que seria o recebimento da denúncia.

"Receber a denúncia não é só o fato de protocolar e ela automaticamente é recebida, a palavra receber a denúncia é uma palavra técnica em direito penal, que significa uma decisão motivada, ou uma decisão que instaura o processo penal. E, como o crime de responsabilidade é processo penal, a palavra recebida tem que ser lida no sentido técnico", afirma.

Ana Laura (FGV) reforça que a fala de Bolsonaro é uma tentativa de equiparar coisas que são muito diferentes entre si. A decisão de Barroso, reforça, está amparada pelo artigo 58 da Constituição, que determina a instauração da CPI uma vez que os requisitos estejam preenchidos.

"Nisso tem uma jurisprudência muito consolidada no STF de que a instauração de CPI é um direito de minoria e por isso tem que ser garantido. É muito diferente do pedido de impeachment, em que tem esse juízo de admissibilidade", diz.

Não foi a primeira vez que o STF determinou a instalação de CPIs a pedido da oposição. Em 2005, no governo Lula, o Supremo mandou instaurar a dos Bingos e, em 2007, a do Apagão Aéreo -em 2014, sob Dilma Rousseff, a da Petrobras.

O presidente do Senado poderia ser considerado omisso por não criar comissão para analisar o pedido? Neste aspecto, há alguma diferença entre pedidos de impeachment apresentados contra o presidente da República e ministros do STF?

Não. A pesquisadora do Supremo em Pauta afirma que a situação lembra o questionamento que é feito por especialistas sobre a Câmara, onde dezenas de pedidos de impeachment se acumularam ao longo do mandato do presidente Bolsonaro, sem que fossem pautados pelo ex-presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) e pelo atual, deputado Arthur Lira (PP-AL).

"No caso do Senado, o juízo é se há requisitos mínimos. No do presidente da República há um juízo político, além do jurídico, mas é possível essa equiparação. Não dá para o presidente do STF determinar que o presidente da Câmara dê início ao processo de admissibilidade do impeachment da República", afirma Ana Laura.

O professor de direito constitucional da USP Elival da Silva Ramos argumenta ainda que, diferentemente do pedido de CPI, como o pedido de impeachment pode ser feito por qualquer cidadão, é razoável esperar que muitos pedidos de impeachment possam ser descabidos. "Daí a importância que tem a apreciação desses pedidos pelo presidente da Casa."

Ele critica, entretanto, a demora na avaliação. Na visão dele, se um pedido não tem fundamento, deveria ser arquivado de pronto, mas, no caso de haver requisitos mínimos, deveria ser encaminhado ou pautado, e não ficar engavetado, servindo como ferramenta de pressão política.

No caso do pedido feito contra o ministro Alexandre de Moraes pela prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), é possível dizer que houve crime de responsabilidade?

Especialistas ouvidos pela reportagem avaliam que não. Para Ana Laura, discutir a interpretação jurídica feita pelo ministro ao determinar a prisão é muito diferente de classificar a conduta dele como crime de responsabilidade.

"No caso, o argumento do mandado de segurança que foi sorteado para o ministro Kassio Nunes fala em violação à liberdade de expressão e à liberdade parlamentar. Eu tenho as minhas dúvidas se a decisão viola esses elementos, mas, se fosse, seria um argumento jurídico. Isso não é crime de responsabilidade", diz.

A professora Carolina Cyrillo (UFRJ) concorda que o teor do pedido não se enquadra nas previsões de crime de responsabilidade para ministros do STF. Ela faz uma ressalva, no entanto, de que a lei poderia especificar melhor tais crimes.

"Em países civilizados, existem crimes de responsabilidade mais bem definidos que dizem respeito a abuso, a gente não tem uma coisa tão clara na nossa normativa quanto poderia ter."

Ela argumenta que ter uma lei mais precisa em relação a este ponto seria importante para que os próprios magistrados pudessem se defender de eventuais acusações. "Como é que o ministro Alexandre de Moraes se defende de uma acusação de que ele fez abuso se não tem um tipo penal, não tem uma lei, que descreva quais são os abusos de forma precisa?", questiona.

OS CAMINHOS PARA UM MINISTRO DO STF SER PROCESSADO

Em caso de crime de responsabilidade

Petição é protocolada no Senado

Advocacia do Senado dá o parecer

Presidente do Senado pode arquivar o pedido ou instituir uma comissão para analisar a denúncia

Se instituída, comissão passaria a colher subsídios para relatório

Relatório é apresentado ao plenário do Senado

Se o plenário entender que há indícios suficientes, abre o processo de impeachment e ministro é afastado até o final da investigação

Quais são os crimes de responsabilidade de um ministro do STF? 

Alterar, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido em sessão do tribunal

Proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa

Exercer atividade político-partidária

Ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo

Proceder de modo incompatível com a honra dignidade e decoro de suas funções

Legislação omissa

​Como nunca houve um caso do gênero, a legislação não é clara sobre os detalhes de como um processo por crime comum deveria ser iniciado. Mas tanto o STF, a PGR (Procuradoria-Geral da República) e especialistas entendem que a investigação e eventual denúncia deveria ficar a cargo da PGR, encarregada de pedir diligências e coletar provas na fase de inquérito.

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