Conteúdo analisado: Pedido de verificação extraordinária do segundo turno das eleições presidenciais 2022 impetrado pela coligação Pelo Bem do Brasil (formada pelos partidos Liberal, Republicanos e Progressistas), no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para invalidação de 59,18% das urnas usadas no segundo turno. A ação foi impetrada depois de rumores que circularam, inclusive entre filiados ao PL, de que a legenda pediria a anulação do pleito, a exemplo de vídeo publicado no Instagram por Alex Brasil, que havia sido candidato a deputado estadual por Santa Catarina. Na prática, o PL pedia que fossem desconsiderados os votos de cinco modelos de urnas eletrônicas anteriores ao ano de 2020, sob alegação de mau funcionamento. Se considerados apenas os resultados dos equipamentos de 2020, o vencedor da corrida ao Planalto, de acordo com a petição, seria Bolsonaro.
Comprova Explica: Depois de rumores de um suposto pedido de anulação das eleições circularem pelas redes sociais e serem até mesmo confirmados em matérias jornalísticas, como o fez O Antagonista, o presidente do Partido Liberal (PL), Valdemar Costa Neto, veio a público afirmar que um relatório estava sendo elaborado, com o apontamento de supostas fragilidades nas urnas anteriores ao modelo 2020 – as UEs 2009, 2010, 2011, 2013 e 2015 – e que o documento seria apresentado ao TSE. No dia 22 de novembro, a coligação fez o pedido de revisão dos votos das referidas urnas, sob alegação de mau funcionamento.
No mesmo dia, o ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE e designado relator nessa ação, determinou que a coligação apresentasse, num prazo de 24 horas, pedido para a verificação abranger também a votação em primeiro turno, uma vez que as urnas eletrônicas alvo do questionamento da coligação foram usadas nos dois turnos da eleição.
No entanto, em 23 de novembro, a coligação manteve o posicionamento, requisitando a revisão dos votos de parte das urnas, mas sem incluir dados do primeiro turno. Como o pedido de verificação não atendeu ao que foi solicitado pela Justiça Eleitoral, e considerando não haver as irregularidades sugeridas na petição, nem provas do mau funcionamento dos equipamentos, Alexandre de Moraes indeferiu o pedido da coligação e ainda aplicou uma multa de R$ 22,9 milhões aos partidos que a compõem por litigância de má-fé, isto é, quando a Justiça é acionada sem razão para tal. Depois, Progressistas e Republicanos foram excluídos da ação para pagamento da multa. Na sua manifestação, o ministro também rebateu as hipóteses de fragilidade levantadas na ação, com documentação técnica detalhando que todas as urnas são passíveis de identificação individual.
Como verificamos: Diante das primeiras alegações de que o PL iria pedir a anulação da eleição presidencial, hipótese levantada em vídeo por Alex Brasil, líder do Movimento Vem pra Direita de Florianópolis e candidato do partido derrotado na disputa a uma vaga na Assembleia Legislativa de Santa Catarina, o Comprova buscou informações sobre a veracidade da ação. A princípio, a assessoria da legenda não confirmou a medida, apesar de matérias jornalísticas também indicarem a intenção do PL de solicitar a anulação da votação em segundo turno, que deu vitória a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contra Jair Bolsonaro (PL) na corrida ao Palácio do Planalto.
O primeiro passo foi buscar reportagens que contextualizam o possível pedido de anulação do pleito eleitoral pelo PL. Em seguida, a equipe contatou a assessoria de imprensa do partido. Também buscamos com a assessoria do TSE, em diversos momentos, informações sobre a existência do pedido do PL, bem como os eventuais encaminhamentos a serem adotados pelo tribunal após o recebimento da ação.
Após confirmação do pedido, tivemos acesso à íntegra do documento protocolado pelo partido. Para entender as alegações contidas no documento, consultamos na imprensa reportagens que tratavam do indeferimento do pedido por parte do presidente do TSE, bem como as sanções impostas por ele às siglas que compõem a coligação Pelo Bem do Brasil.
Por fim, ainda recordamos um conteúdo feito recentemente pelo Comprova, que trata do funcionamento das urnas de modelo anterior a UE 2020 – cujo equipamento vem sendo alvo de conteúdos de desinformação.
A coligação Pelo Bem do Brasil entrou no TSE com um pedido de verificação extraordinária do segundo turno das eleições presidenciais deste ano. A ação foi impetrada depois de rumores que circularam inclusive entre filiados do PL, de que a legenda pediria a anulação do pleito. Na prática, ela solicitava que fossem invalidados os votos de 59,18% das urnas usadas no segundo turno, todas de modelos anteriores ao ano de 2020, sob alegação de mau funcionamento. Se considerados apenas os resultados dos equipamentos de 2020, o vencedor da corrida ao Planalto, de acordo com a petição, seria Bolsonaro, que disputou a reeleição e perdeu para Lula.
A petição foi assinada pelo advogado Marcelo Luiz Ávila de Bessa. A coligação Pelo Bem do Brasil foi representada na ação pelo presidente do PL, Valdemar Costa Neto, pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, e pelo seu candidato a vice na disputa deste ano, Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil.
O documento pedia a criação de Comissão Técnica Independente de Verificação Extraordinária, “formada por profissionais especializados, com notório saber técnico em auditoria de sistemas de informação, através de arquivos de LOG de sistemas, que não fossem filiados a qualquer partido político, nem servidores ou colaboradores da Justiça Eleitoral, a fim de garantir a total transparência dos trabalhos de verificação”. E ainda a invalidação dos votos contabilizados em cinco modelos de urnas, todas anteriores ao ano de 2020: UE2009, UE2010, UE2011, UE2013 e UE2015. Seriam validados apenas os votos das urnas modelo 2020 (segundo a legenda, elas não apresentaram problemas). E, se contabilizados somente esses, Bolsonaro seria reeleito com 51,05% dos votos, segundo o relatório.
O pedido foi feito com base no “Relatório técnico sobre o mau funcionamento das urnas eletrônicas”, um laudo de auditoria encomendado pelo PL ao Instituto Voto Legal (IVL). O texto da petição sugeria “inconsistências graves e insanáveis acerca do funcionamento de uma parte das urnas eletrônicas utilizadas no pleito eleitoral de 2022, que precisam ser devidamente analisadas e solucionadas”.
O ponto chave do relatório no qual a ação se baseia é uma suposta falha na individualização de cada arquivo Log de Urna e seu impacto nas etapas posteriores, tais como o Registro Digital do Voto (RDV) e a emissão do Boletim de Urna (BU). A consequência seria “ausência de certeza quanto à autenticidade do resultado da votação”. De acordo com a Justiça Eleitoral, em linguagem de programação, “log de aplicação é uma expressão utilizada para descrever o processo de registro de eventos relevantes em um sistema computacional”. Assim, a urna eletrônica registra todas as atividades de funcionamento e eventuais falhas em arquivos de log, que ficam disponíveis para avaliação.
A ação no TSE argumentava que cada uma das mais de 400 mil urnas eletrônicas das eleições em 2022 deveria apresentar um número válido para o código de identificação em cada linha de registro de atividade no arquivo Log de Urna, correspondente ao número de série do equipamento. O documento explica tratar-se de um código de identificação da urna eletrônica gravado em seu hardware, “pois, além de ser gravado de forma imutável em seu hardware, urna eletrônica física, compila o registro de todas as atividades realizadas naquele equipamento específico desde o início do processo eleitoral até o encerramento da votação”.
Esse código, segundo o relatório do IVL, seria o único elemento capaz de validar e certificar o que se passa numa urna durante o processo eleitoral. “Sem a correta individualização do arquivo Log com o número de identificação da urna, não é possível realizar, com a certeza e a higidez que o sistema eleitoral brasileiro exige, a vinculação entre a unidade física – urna eletrônica – e o documento gerado por ela”, diz a representação. O relatório mostra ainda que todas as urnas eletrônicas anteriores ao modelo UE2020 exibiram, após o término da votação, o número de LOG genérico 67305985, no lugar de um número único e diferente uns dos outros. Na ação no TSE, o advogado que representa a coligação Pelo bem do Brasil pôs em dúvida o total de votos por partido, por candidato, em branco, total de comparecimento em voto e total de nulos registrados nos Boletins de Urna e, logo, a fidelidade dos votos depositados pelos eleitores.
No despacho de 23 de novembro, o ministro Alexandre de Moraes acrescentou documentação técnica para demonstrar que as urnas eletrônicas, de todos os modelos, são passíveis de identificação individual. “Os argumentos da requerente, portanto, são absolutamente falsos, pois é totalmente possível a rastreabilidade das urnas eletrônicas de modelos antigos”, ressaltou, na decisão.
No documento, assinado por Júlio Valente da Costa Júnior, secretário de Tecnologia da Informação do TSE, somente sobre a possibilidade de identificação da urna eletrônica a explicação é apresentada em sete tópicos, descrevendo e mostrando em fotos, como é feito todo o processo.
Em um dos pontos, ele disse que as urnas eletrônicas podem ser identificadas fisicamente e logicamente. “Do ponto de vista físico, urnas eletrônicas possuem identificação com seus números patrimoniais, já que fazem parte dos conjuntos patrimoniais dos tribunais da Justiça Eleitoral”, descreveu.
Do ponto de vista lógico, continuou Júlio Valente, a identificação das urnas depende de terem sido preparadas para as eleições, pois nem todas são usadas. Aquelas que são utilizadas recebem uma carga de dados e programas, conforme previsto dos artigos 83 a 90, da Resolução do TSE 23.669/2021. Essa carga gera um código que identifica que a urna em questão foi preparada para uma determinada seção eleitoral naquela cerimônia específica.
“Esse código de carga é o que identifica não somente a urna eletrônica, como também o momento de sua preparação e a seção em que recebeu votos.”
A ação da coligação afirma ainda que, segundo o relatório da auditoria, teria havido cerca de 800 casos de “violação do sigilo de dados pessoais”, tais como número do título e nome completo do eleitor, registrados nos cinco modelos de urnas objeto da representação.
A Justiça Eleitoral já havia se pronunciado anteriormente sobre o assunto, dizendo que os Logs das urnas eletrônicas são dados públicos e não revelam votos de eleitores. Sem relação com as escolhas dos candidatos, nomes podem aparecer nos logs das urnas quando o terminal do mesário apresenta problema na hora de escrever algum texto no Display de Cristal Líquido (LCD). “Se essa escrita falhar, então é registrado no log o texto que se tentou escrever. Se esse texto for o nome do eleitor, então ele pode ficar registrado no log”, afirma.
Para responder à ação, Alexandre de Moraes reafirmou, com o documento técnico, a impossibilidade de violação do voto. Em resumo, o despacho aponta que o software de votação (Vota) não registra no log qualquer tipo de identificação do eleitor, tampouco o voto que foi depositado na urna. Os registros de nomes ou títulos encontrados nos logs referem-se aos textos do terminal do mesário que não foram apresentados no LCD de texto.
“É preciso enfatizar que isso não representa quebra de sigilo de voto, uma vez que não existe vinculação entre o eleitor e o voto registrado. E ainda não é possível rastrear as escolhas de determinado eleitor, feitas na urna eletrônica, a partir de tal informação”, informa um trecho do documento.
No despacho, ressaltou-se, ainda, os inúmeros testes públicos de segurança realizados, ressaltando que no último deles feito para as eleições de 2022 houve um número recorde de participação de investigadores, peritos, acadêmicos e membros da comunidade tecnológica, para testes especificamente desenhados com o objetivo de vulnerar o sigilo do voto. “Nenhum dos testes logrou êxito quando aplicado em ambiente de votação”, sustentou o secretário Júlio Valente.
O presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, deu 24 horas à defesa da coligação para acrescentar à petição pedido para que a verificação abrangesse também o primeiro turno, uma vez que as urnas eletrônicas em questão foram usadas nos dois turnos do pleito, sob pena de indeferimento. Em entrevista coletiva, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, alegou que o pedido diz respeito apenas ao segundo turno, pois “conseguiram pegar essa discrepância apenas no segundo turno, não conseguiram no primeiro”.
O advogado, Marcelo Ávila de Bessa, insistiu que indícios de mau funcionamento existem e seriam ponto de acordo entre diversos auditores. “A divergência é em relação às consequências desses erros e é isso que tem que ser averiguado no pedido de verificação.”
Na tarde de 23 de novembro, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, negou o pedido de verificação extraordinária feito pelo PL. Na decisão, ele ainda impôs uma multa de R$ 22,9 milhões aos partidos que compõem a coligação por litigância de má-fé, quando há um entendimento de que a Justiça foi acionada de forma irresponsável.
Moraes apontou que a ação que pede a invalidação de parte dos votos do segundo turno da disputa presidencial não apresenta qualquer indício ou prova de fraude que justifique a reavaliação.
“Ora, as mesmas urnas eletrônicas, de todos os modelos em uso, foram empregadas por igual tanto no Primeiro Turno como no Segundo Turno das Eleições 2022, sendo impossível dissociar ambos dos períodos de um mesmo pleito eleitoral”, cita trecho da decisão.
O presidente ainda classificou o pedido do PL como “exdrúxulo”, “ilícito” e feito de maneira inconsequente. Em sua decisão, determinou também a suspensão dos repasses do fundo partidário às siglas da coligação Pelo Bem do Brasil até que a multa seja quitada, bem como a abertura de um processo administrativo pela Corregedoria-Geral Eleitoral para apurar “eventual desvio de finalidade na utilização da estrutura partidária, inclusive de Fundo Partidário”.
Por fim, determinou o envio de cópias do inquérito ao STF, no âmbito da investigação sobre a atuação de uma suposta milícia digital para atacar a democracia e as instituições, com a inclusão de Valdemar Costa Neto no inquérito e também de Carlos Rocha. Formado em engenharia eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), ele é o presidente do Instituto Voto Legal.
Durante todo o processo eleitoral, Bolsonaro e seus apoiadores tentaram tirar a credibilidade do sistema eletrônico de votação. Com a derrota na disputa presidencial, as manifestações nesse sentido foram reforçadas, com o objetivo de deslegitimar a vitória de Lula. O bom-funcionamento e a possibilidade de auditoria das urnas de modelo anterior à UE 2020, inclusive, já haviam sido alvo de conteúdos de desinformação, como demonstrado pelo Comprova.
O TSE informou que as urnas mais antigas estão em uso desde 2010 (UE 2009 e UE 2010) e todas utilizadas em 2022 já haviam sido usadas nas eleições de 2018, ano em que Jair Bolsonaro foi eleito. Nesse período, os equipamentos foram submetidos a diversas análises e auditorias, tais como: a Auditoria Especial do PSDB em 2015 e seis edições do Teste Público de Segurança – TPS (2009, 2012, 2016, 2017, 2019 e 2021).
O TPS é um evento fixo no calendário eleitoral – previsto na Resolução nº 23.444 do TSE – que tem o propósito de detectar brechas e fragilidades no sistema eletrônico eleitoral. Qualquer cidadão brasileiro pode apresentar um plano de ataque ao sistema durante um período pré-determinado.
Na edição de 2021, o TPS foi realizado com o modelo UE 2015. As Forças Armadas chegaram a questionar o motivo de o teste não ter sido feito com o modelo mais recente. Na época, o TSE explicou que o equipamento e os sistemas do modelo de 2020 ainda estavam em desenvolvimento quando os sistemas e a urna foram submetidos ao teste, de 22 a 26 de novembro de 2021, na sede do tribunal em Brasília.
O TSE, então, delegou ao Laboratório de Arquitetura e Redes de Computadores (LARC), da Escola Politécnica da USP (EP-USP), à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e à Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) a tarefa de conduzir três testes de segurança independentes com o modelo 2020. Todas as instituições concluíram que não havia risco de fraude, conforme demonstrado nesta verificação do Comprova.
Por que explicamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e peças que questionam o resultado das eleições presidenciais. A seção Comprova Explica é utilizada para a divulgação de informações a partir de conteúdos que viralizam e causam confusão, como o suposto pedido de anulação da eleição presidencial. No momento atual, peças de desinformação acabam inflamando atos com intenção golpista pelo país, o que pode tumultuar a democracia.
Outras checagens sobre o tema: Diversos conteúdos de desinformação circulam nas redes sociais na tentativa de descredibilizar o sistema eleitoral brasileiro. Com isso, alguns temas passam a ser alvo de buscas constantes na internet. Nos últimos dias, a seção Comprova Explica já mostrou que posts desinformam ao confundir recontagem com retotalização de votos e que o artigo 142 da Constituição Federal não prevê intervenção federal, nem militar.
Sobre urnas eletrônicas, verificamos ser falsa a informação de que votos de eleitores tenham sido revelados a partir da decodificação dos sistemas das urnas e que votos depositados em urnas após as 17 horas não indicam fraude.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta