SÃO PAULO - Em nota que pretendia "resguardar a idoneidade do setor vinícola", a Câmara da Indústria, Comércio e Serviços de Bento Gonçalves (RS) afirmou que os casos de trabalho escravo no setor estão relacionados à falta de mão de obra. Na mesma nota, a entidade afirma que programas de assistência social tiram pessoas produtivas do mercado de trabalho.
Na semana passada, dezenas de trabalhadores foram resgatados em uma pousada que servia de alojamento em Bento Gonçalves (RS). Eles vivam em situação análoga à de trabalho escravo. A maioria veio da Bahia, contratada por empresas que prestavam serviços às vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton, importantes produtoras da região, que dizem não ter conhecimento da situação.
"Há uma larga parcela da população com plenas condições produtivas e que, mesmo assim, encontra-se inativa, sobrevivendo através de um sistema assistencialista que nada tem de salutar para a sociedade", afirma a Câmara da Indústria.
Publicada pela entidade no sábado (25), a nota viralizou no Twitter nesta terça-feira (28), levando o nome da cidade aos trending topics, a lista de assuntos mais comentados, no Brasil.
A entidade foi procurada nesta terça (28) por telefone e por email, mas não respondeu até a publicação deste texto.
A Câmara da Indústria de Bento Gonçalves diz na publicação que acompanha com atenção o andamento das investigações "acerca de denúncias de práticas análogas à escravidão no município" e que cabe às autoridades competentes cumprir seu papel "fiscalizador e punitivo".
A entidade destaca, no posicionamento, que as vinícolas envolvidas no caso não sabiam da situação e que jamais seriam coniventes com as práticas.
Segundo a Inspeção do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho, os trabalhadores resgatados trabalhavam nos parreirais por até 15 horas por dia. No alojamento em que viviam, recebiam choques e ameaças e ficavam sob vigilância armada.
Eles relataram ter chegado à Bento Gonçalves já com uma dívida referente ao transporte e à alimentação. As refeições, segundo disseram aos procuradores e auditores do trabalho, com frequência chegavam já estragadas.
No fim de semana, os trabalhadores começaram a voltar para casa, depois que o MPT negociou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) emergencial com o dono da empresa que os contratou, garantindo que cada um recebesse R$ 500 em dinheiro. O restante das verbas rescisórias deve ser quitado até esta terça.
Na segunda-feira (27), a Câmara da Indústria de Bento Gonçalves divulgou novo posicionamento sobre o assunto, em nota assinada com outras entidades do setor viticultor, como a Uvibra (União Brasileira de Vitinicultura) e a Fecovinho (Federação das Cooperativas Vinícolas do Rio Grande do Sul), e também Comissão Interestadual da Uva e Conselho Municipal de Turismo.
Na "manifestação coletiva sobre medidas em defesa do trabalho digno e dos nossos valores", o grupo diz que o caso é um "episódio pontual" e que "jamais silenciaríamos nem deixaríamos de adotar medidas concretas para enfrentar o fato ocorrido em nossa região".
Em nove tópicos, as entidades dizem que o "fato ocorrido merece total repúdio de todos que prezam pela dignidade humana" e que a "ocorrência não representa as práticas do setor, as vinícolas, as mais de 20 mil famílias de produtores, o segmento produtivo da cidade e, tampouco, a história da nossa comunidade."
A manifestação coletiva não cita "trabalho escravo" ou "trabalho em condições análogas à escravidão". As entidades dizem ter definido parâmetros para intensificar a fiscalização de fornecedores e prestadores de serviços e que iniciará, em algumas semanas, um programa de comunicação, conscientização e qualificação de toda a cadeia vitivinícola.
"Precisamos, todos, seguir vigilantes e ainda mais ativos no enfrentamento de um problema que, infelizmente, ainda é realidade Brasil afora." A Prefeitura de Bento Gonçalves também assinou o manifesto.
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