Às vésperas do "Dia D" convocado pelo governo federal contra o Aedes aegypti, o Brasil ultrapassou, quinta-feira (29), a marca de 1 milhão de casos prováveis de dengue, segundo atualização feita no Painel de Monitoramento de Arboviroses do Ministério da Saúde. O número, referente às oito primeiras semanas de 2024, representa quase cinco vezes o registrado no mesmo período de 2023, quando 207.475 infecções foram notificadas.
O número de casos graves ou com sinais de alarme da doença também avançou no período: no primeiro bimestre de 2024 foram registrados 2,5 vezes mais casos desse tipo em comparação com o mesmo período de 2023.
É importante considerar que o país se aproxima de 60% dos casos registrados em todo o ano passado, o segundo com o maior número de relatos prováveis desde 2000. Até o momento, foram registrados 214 óbitos neste ano em decorrência da doença. Outras 687 mortes são investigadas pelo ministério. A pasta, no entanto, trabalha com a possibilidade de mais de 4 milhões de relatos.
O coeficiente de incidência da doença no país chegou a 501 casos por 100 mil habitantes — acima de 300, esse índice é considerado alto e indica a ocorrência de epidemia. O cenário levou seis Estados (Goiás, Acre, Minas, Espírito Santo, Rio e Santa Catarina) e 154 cidades e o Distrito Federal a decretaram emergência de saúde pública nas últimas semanas.
"Tivemos neste ano uma necessidade de internação hospitalar muito superior à do ano passado", afirmou anteontem Ethel Maciel, secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde. Especialistas e as autoridades de saúde destacam que o volume de casos graves é preocupante. As causas disso, considerando que tradicionalmente a maioria das pessoas não enfrenta o agravamento, ainda não estão completamente claras.
Há uma hipótese, porém, que considera uma mudança na prevalência entre os sorotipos. No ano passado, o principal sorotipo circulante foi o 1. Agora, temos o 2. Muitas pessoas que tiveram dengue pelo tipo 1 podem ficar doentes pelo sorotipo 2. No momento, os quatro vírus da dengue circulam, mas, de fato, o DENV-1 e o DENV-2 dominam o cenário - o segundo parece ter ganhado mais tração neste ano.
A reinfecção por dengue está associada a uma maior chance de desenvolver o quadro grave. Por quê? Quando alguém é infectado por um dos tipos, adquire imunidade apenas contra aquela variação do vírus. Ou seja, fica suscetível à reinfecção pelas demais. No entanto, o que se descobriu é que nosso sistema imunológico fica confuso quando nos infectamos por outro tipo. Ele entende que aquele vírus é o mesmo, e não um diferente, gerando uma resposta exacerbada. Produz anticorpos para a infecção do passado, que estão "desatualizados", e ainda favorecem a replicação viral, internalização do vírus e, portanto, uma maior gravidade da doença.
Comparando as oito primeiras semanas epidemiológicas de cada ano, a taxa de letalidade era de 0,07 em 2023 — em todo o ano passado, foram 1.094 mortes, o recorde histórico — e, agora, está menor, em 0,02. É importante ressaltar, porém, que os dados de 2024, mesmo os referentes às semanas epidemiológicas já computadas, são preliminares e provavelmente serão atualizados para cima. Isso ocorre tanto pelo atraso no lançamento de registros nos sistemas informatizados do ministério quanto pelo alto número de óbitos ainda em investigação — são 687.
Há variações entre as unidades federativas. No Distrito Federal, onde há a maior incidência de casos e hospitais colapsaram — como disse o governador, Ibaneis Rocha (MDB) —, ela era de 0,05 nesta semana.
"Importante ficarmos atentos. Porque esse não é (tradicionalmente) o momento de pico da doença. E quando estamos no início de uma curva epidêmica, que não atingimos o pico, a letalidade da doença tende a ser menor", afirma Julio Croda, infectologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). "Mas já observamos número bastante elevado de casos graves hospitalizados, aumento substancial em relação ao ano passado."
O médico lembra que há uma estimativa de nove casos subnotificados para cada registro oficial de caso provável, além dos assintomáticos. Ou seja, o número real deve ser bem maior.
O foco do Ministério da Saúde, no momento, é evitar as mortes pela doença, que são evitáveis. Desde de novembro do ano passado, como mostrou o Estadão, as autoridades nacionais já se comunicavam com Estados e municípios para avisar sobre uma sazonalidade errática da doença, que exigia atenção especial e preparação antecipada.
O sucesso do manejo de casos se dá na identificação precoce de sinais de alarme da doença, que indicam um agravamento do caso. Quanto mais rápido eles forem detectados e o tratamento começar, melhor o prognóstico. Em casos críticos, a hidratação precisa ser endovenosa (na veia). O governo federal destaca que o avanço de casos ocorre em um momento em que não só a dengue circula, o que eleva a preocupação.
"Temos chikungunya, temos Covid, começamos também agora uma temporada de vírus respiratórios, que precisamos prestar atenção", disse Ethel Maciel, secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde. "Aos primeiros sinais de sintomas de febre, dor no corpo, dor nas articulações, dor atrás dos olhos, mal-estar, dor de cabeça, manchas no corpo, procure um serviço de saúde", pediu ela.
A ministra Nísia Trindade anunciou um "Dia D" do combate à dengue, que ocorre amanhã, com ações de prevenção e de incentivo à eliminação dos focos do mosquito Aedes Aegypti, vetor da dengue — 75% dos criadouros estão dentro de nossas casas.
Em meio a esse cenário, iniciou-se a vacinação contra a dengue com a única vacina aprovada até o momento pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e que pode ser amplamente aplicada na população: a Qdenga, da farmacêutica japonesa Takeda. O número de doses é pequeno (6,5 milhões para este ano) e, por isso, só crianças de 10 a 14 anos de 521 municípios serão vacinadas em 2024. Os efeitos da campanha na redução de casos não devem ser sentidos no curto prazo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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