SÃO PAULO - Áudio obtido pelo jornal Folha de S.Paulo aponta que um integrante da campanha de Tarcísio de Freitas (Republicanos) mandou um cinegrafista da Jovem Pan apagar imagens do tiroteio que terminou com um suspeito morto e interrompeu agenda do candidato em Paraisópolis, na zona oeste de São Paulo, no último dia 17.
O profissional da emissora, que pediu para não ser identificado, fazia imagens da campanha do postulante ao Governo de São Paulo. Tarcísio estava na sede de um projeto social que inaugurou um polo universitário na favela quando um tiroteio entre policiais e suspeitos terminou com uma morte.
Em seguida, o cinegrafista e outros profissionais de imprensa foram levados em uma van da campanha a um prédio na zona sul usado pela equipe de Tarcísio.
No local, houve perguntas ao profissional sobre o que ele havia filmado e a ordem para que ele apagasse as imagens. "Você filmou os policiais atirando?", questiona um integrante da campanha. "Não, trocando tiro efetivamente, não. Tenho tiro da PM pra cima dos caras", responde o cinegrafista.
O membro da campanha ainda pergunta se ele havia filmado as pessoas que estavam no local onde o evento com Tarcísio foi realizado. "Você tem que apagar", diz o segurança.
A reportagem apurou, no entanto, que as imagens já tinham sido enviadas à Jovem Pan. No momento logo após o tiroteio, a emissora passou a exibir imagens do local do tiroteio, da ação da polícia e da retirada às pressas da equipe de Tarcísio.
Procurada e informada sobre o teor da reportagem, a emissora se manifestou por meio de nota.
"A Jovem Pan exibiu todas as imagens feitas durante o tiroteio. O trabalho do cinegrafista permitiu que a emissora fosse a primeira a noticiar o ocorrido no local. Não houve contato da campanha do candidato Tarcísio com a direção da emissora com o intuito de restringir a exibição das imagens e, por consequência, o trabalho jornalístico."
A reportagem enviou a transcrição do áudio obtido à assessoria de Tarcísio e questionou se a ordem do integrante da campanha não consistiria em apagar uma prova do caso, que ainda está sob investigação pela Polícia Civil do Estado de São Paulo.
Em resposta, a equipe do candidato disse que "um integrante da equipe perguntou ao cinegrafista se ele havia filmado aqueles que estavam no local e se seria possível não enviar essa parte para não expor quem estava lá".
A assessoria ainda disse que, durante a agenda, diversos veículos fizeram imagens da situação e as colocaram no ar.
Em nota enviada após a publicação deste texto no site do jornal, a campanha de Tarcísio afirmou que "um integrante da equipe perguntou ao cinegrafista da Jovem Pan se ele havia filmado aqueles que estavam no local e se seria possível não enviar essa parte do vídeo para não expor as pessoas que estavam lá". A pergunta, segundo a nota, foi feita na frente de outros jornalistas presentes.
"Nunca houve nenhum impedimento por parte da campanha em relação a isso. Qualquer afirmação que questione isso é uma mentira", continuou a nota.
O caso foi utilizado politicamente pelo presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), no horário eleitoral veiculado no mesmo dia do episódio. "O candidato a governador de São Paulo Tarcísio de Freitas e sua equipe foram atacados por criminosos em Paraisópolis", afirma o locutor da propaganda.
Tarcísio, logo após o ocorrido, postou no Twitter que sua campanha havia sido "atacada por criminosos". Depois, disse que o caso foi um ato de intimidação sem relação com política, mas com questão territorial.
De acordo com os relatos dos policiais, duas motocicletas, com duas pessoas em cada uma, passaram diversas vezes pelo local. Uma das duplas voltou ao lugar do ato de campanha registrando imagens com um celular e questionou um soldado da PM à paisana sobre quem teria autorizado o evento.
Minutos depois, os policiais relataram o som de uma rajada de tiros. Os motociclistas teriam então retornado com armas longas, junto a pessoas a pé com armas curtas. Um dos agentes se escondeu atrás de um carro blindado e passou a revidar, segundo o boletim de ocorrência.
A resistência aos criminosos teria sido feita por poucos policiais à paisana, e o reforço chegou quando o confronto já havia terminado.
O boletim de ocorrência também cita que os fatos narrados indicam que o suspeito foi morto por um dos policiais à paisana. Os relatos são similares ao do próprio Tarcísio em entrevista coletiva.
"Os bandidos notaram a nossa presença ali desde cedo. (Homens em( motocicletas filmaram a nossa equipe, fizeram perguntas e voltaram armados. Não foi algo corriqueiro. Foi um tiroteio enquanto estávamos lá", disse ele.
Um vídeo mostra o suspeito Felipe Silva de Lima, 28, caído no chão no momento em que um PM pede autorização ao tenente para checar se o homem tinha "arma na cinta".
A polícia achou com ele um coldre, um celular, um relógio e munição, mas diz não ter encontrado a arma. O delegado-geral da Polícia Civil, Osvaldo Nico Gonçalves, disse que ela pode ter sido levada por moradores que tentaram resgatar Lima.
O policial apontado como autor dos disparos que matou o suspeito havia passado por treinamento na Escola de Inteligência da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), um órgão do governo federal, em Barbacena (MG), meses antes. A reportagem omite o nome do agente por questão de segurança.
Questionada, a Abin disse que não tem servidores fazendo a segurança de candidatos a governos estaduais. Afirma, porém, que um de seus servidores está de licença para tratar de interesses particulares e acompanha Tarcísio. "O trabalho atual deste servidor não é desempenhado em nome da Agência."
O ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno, falou sobre o caso à Jovem Pan. "Recebi a informação desse possível atentado imediatamente após o ocorrido. Recebi por intermédio da Abin." À ocasião, ele diz que a segurança de Tarcísio é fornecida pelo estado de São Paulo.
Imagens do local também mostram o agente bolsonarista da Polícia Federal Danilo Campetti com arma em punho durante a saída de pessoas do prédio onde Tarcísio estava. Ele foi candidato a deputado estadual pelo Republicanos e ficou com uma vaga de suplente — segundo a assessoria de Tarcísio, ele estava de folga no dia da ocorrência e acompanha as agendas por ter relação pessoal com o candidato.
Questionada sobre o episódio de Paraisópolis, inclusive se os agentes envolvidos na ocorrência fazem parte da equipe fixa de segurança de Tarcísio, a Polícia Militar afirmou que "há grau de sigilo nos fatos que envolvem a segurança dos candidatos, bem como na segurança dos eventos político-partidos".
Em sabatina da rádio CBN, nesta segunda-feira (24), Fernando Haddad (PT), que disputa o segundo turno ao Governo de São Paulo com Tarcísio, afirmou não ter segurança armada feita por policiais.
"Não tenho policial militar à minha disposição como ele tem. Não me foi colocado à disposição. Sou tão candidato quanto ele. Os policiais tinham câmeras no uniforme, [algo] que ele é contra. Onde estão as imagens? As imagens das câmeras de Paraisópolis? Onde estão, sumiu tudo", disse.
Logo após o episódio na favela, o atual governador do estado, Rodrigo Garcia (PSDB), disse ter oferecido reforço nas seguranças de Haddad e de Tarcísio.
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