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Erros admitidos por órgão dos EUA no combate à Covid têm relação com estratégias de comunicação, e não política de vacinação

Erros admitidos por órgão dos EUA no combate à Covid têm relação com estratégias de comunicação, e não política de vacinação

É enganoso o vídeo de um médico que afirma que o Centro de Prevenção de Doenças (CDC), agência do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, pediu desculpas por "erros" cometidos na pandemia dando a entender que a instituição falhou sobre as orientações de combate à Covid-19

Publicado em 30 de agosto de 2022 às 10:06

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Passando a Limpo: Erros admitidos por órgão dos EUA no combate à Covid têm relação com estratégias de comunicação, e não política de vacinação
Órrgão norte-americano afirmou que errou quanto à forma como se comunicou com as pessoas sobre assuntos científicos. (Divulgação/Comprova)

Conteúdo investigadoVídeo divulgado no Instagram e no Telegram em que médico fala que o Centro de Prevenção de Doenças, nos Estados Unidos, pediu desculpas por erros na pandemia, dando a entender que ele estava certo e o CDC errado. O médico fala que exigir vacinas para estudantes é um “erro” porque o CDC orientou o mesmo tratamento para vacinados e não vacinados. Ele finaliza dizendo que as pessoas criam tolerância ao vírus após serem vacinadas, por isso países mais imunizados teriam mais casos de covid-19 – correlação não comprovada por especialistas.

Onde foi publicado: Telegram e Instagram.

Conclusão do Comprova: Um vídeo publicado pelo médico Roberto Zeballos retira de contexto algumas informações verdadeiras para insinuar que o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos errou nas orientações de combate ao novo coronavírus.

A instituição realmente admitiu falhas durante a pandemia, porém, não em relação às orientações de prevenção, como uso de máscara, distanciamento social e vacinação, e sim em relação à forma como passou essas orientações para o público. Segundo a diretora do CDC, Rochelle Walensky, o órgão estava acostumado a lidar com um público acadêmico antes da pandemia e não soube adaptar a linguagem para as pessoas comuns. Além disso, o CDC assumiu que precisa ser mais ágil na publicação de descobertas científicas.

No vídeo, o médico também critica a imunização de crianças e adolescentes e relaciona o aumento de casos de covid-19 em alguns países com altas taxas de vacinação. Especialistas consultados pelo Comprova, no entanto, afirmam que não é possível fazer essa correlação. De acordo com eles, países com taxas mais altas de imunização também são os que mais testam a população, por isso, acabam registrando mais casos da doença.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O vídeo no Telegram teve 27 mil visualizações e no Instagram teve 97 mil curtidas e 5,6 mil comentários até 29 de agosto.

O que diz o autor da publicação: Consultado pelo Comprova, Zeballos afirmou que o CDC “errou em vários aspectos” da pandemia e que “viveu intensamente” a covid-19 por dois anos e meio na condição de médico. “Minha experiência vai totalmente de acordo com o CDC ter assumido erros grosseiros”, disse, embora o CDC não tenha recuado em pontos como a recomendação de vacinação, o que Zeballos critica. Apesar de dizer que não se opõe à vacina contra a covid-19 para todos os públicos, o médico criticou a imunização de crianças e adolescentes e disse que ela não é eficaz contra a variante ômicron. Zeballos citou estudos que descrevem efeitos adversos das vacinas para parte dos jovens, disse que a pandemia não é mais uma emergência de saúde pública e que crianças e adolescentes não são o grupo mais atingido pela covid-19 — embora, diferentemente da declaração dele de que “não acontece nada” com jovens com covid-19, a doença tenha feito mais de 3.300 vítimas dessa faixa no Brasil desde 2020.

Como verificamos: Para fazer a verificação, o primeiro passo foi pesquisar no Google sobre os tópicos falados no vídeo, como se o CDC admitiu algum erro, se o imunologista Anthony Fauci estava saindo do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID) — outro tema que Zeballos cita —, se o CDC mudou as orientações para a covid-19 e se países mais vacinados registraram mais casos de covid-19. Também consultamos o próprio site do CDC e buscamos dados sobre os casos de infecções por covid-19 nos sites Our World in Data e da Johns Hopkins University que compilam os dados da pandemia no mundo.

Além da pesquisa, consultamos o pediatra, infectologista e diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri, e o médico infectologista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Julio Croda. Por fim, também falamos com o médico Roberto Zeballos, autor do vídeo aqui verificado.

CDC admite falhas na comunicação

A diretora do Centro de Controle e Prevenção de Doenças, agência do Departamento de Saúde dos Estados Unidos, Rochelle Walensky, admitiu em um comunicado para funcionários, em 17 agosto deste ano, que a agência não atendeu às “expectativas de maneira eficiente” no combate à covid-19. O CDC estava se preparando há 75 anos para uma pandemia e “em nosso grande momento, nosso desempenho não atendeu às expectativas de maneira confiável”, disse Walensky no conteúdo ao qual os jornais norte-americanos The New York Times e o Politico tiveram acesso.

De acordo com ela, o CDC irá passar por mudanças com o objetivo de se preparar melhor para emergências sanitárias futuras. “Meu objetivo é uma nova cultura de saúde pública orientada para a ação no CDC que enfatize a responsabilidade, colaboração, comunicação e pontualidade”, afirmou Walensky.

Segundo o documento, as mudanças visam melhorias na comunicação do CDC, que incluem a liberação de dados científicos mais rapidamente para aprimorar a transparência. As análises feitas concluíram que “os processos científicos e de comunicação tradicionais não eram adequados para responder efetivamente a uma crise do tamanho e escopo da pandemia de covid-19”.

“Estamos falando de uma mudança de cultura. Estamos falando de pontualidade de dados, comunicação de dados e orientação de políticas. A reorganização é difícil”, explicou Walensky ao Times.

De acordo com a diretora do CDC, o órgão foi desenvolvido em uma infraestrutura acadêmica e isso precisa mudar. Até a covid-19, a agência tinha como público-alvo especialistas e acadêmicos, mas, na pandemia, ela teve que passar a falar com a população comum. “Nestes momentos de pandemia, tivemos que conversar com um público mais amplo. Não tivemos que convencer o público científico – tivemos que convencer o povo americano”, disse Walensky. A prioridade então será produzir conteúdos com uma “linguagem simples e materiais fáceis de entender para o povo americano”.

Na avaliação do diretor da SBIm, o médico infectologista Renato Kfouri, não há críticas em relação à atuação do CDC durante a pandemia. “Acho que o CDC é um dos principais órgãos de controle de doenças do mundo. Tem investimento, capacidade, os profissionais mais qualificados do mundo”, disse ao Comprova. Para ele, é um dos órgãos “que mais produziram ciência em termos de dados de vida real, de segurança, de eficácia, de efetividade das vacinas que foram aplicadas nos EUA.”

Kfouri também disse que é esperado que o CDC revise suas condutas após um momento como o da pandemia, em que órgãos como esse tiveram que tomar decisões rápidas. “É uma epidemia nova. O conhecimento [sobre a covid-19] tem sido construído ao longo destes dois anos e meio”, disse. “Nem sempre essas decisões são fáceis. Vários países oscilaram [nas recomendações], mas sempre à luz das evidências disponíveis na época.”

Anthony Fauci anunciou saída do cargo

Como dito no vídeo verificado, o diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA e principal conselheiro médico do presidente Joe Biden, Anthony Fauci, anunciou em agosto que sairá do cargo de gestão a partir de dezembro. Fauci tem 81 anos, é diretor do NIAID desde 1984 e ocupa cargos no governo dos EUA há mais de 50 anos. Na pandemia, foi um dos principais críticos à atuação do então presidente Donald Trump no combate à covid-19.

Não há nenhuma evidência de que a saída de Fauci tenha alguma relação com a sua atuação durante a pandemia, como Zeballos sugere no vídeo. De acordo com o The New York Times, o anúncio do médico não foi inesperado. Ele já tinha falado algumas vezes que estava pensando em se aposentar — apesar de, no anúncio, ele não ter dito que se aposentaria, mas que se “dedicaria a viajar, escrever e encorajar os jovens a ingressar no serviço público”.

O presidente Joe Biden emitiu uma nota de agradecimento a Fauci. “O compromisso dele com o trabalho é inabalável, e ele o faz com espírito, energia, e integridade científica. Por causa das muitas contribuições do Dr. Fauci para a saúde pública, vidas aqui nos Estados Unidos e em todo o mundo foram salvas. Como ele deixa seu cargo no governo dos EUA, sei que o povo americano e todo o mundo continuará a se beneficiar da experiência do Dr. Fauci em tudo o que ele fizer a seguir.”

Pelo Twitter, a diretora do CDC, Rochelle Walensky, também agradeceu pela atuação de Fauci. “O trabalho do Dr. Fauci nas últimas cinco décadas, sem dúvida, teve um impacto na vida de muitos em todo o país, incluindo a minha. Foi um privilégio e uma honra servir ao lado dele na resposta ao #COVID19. Somos todos melhores por causa de sua experiência e serviço”, escreveu.

CDC continua a recomendar vacinação

No vídeo verificado, Zeballos tenta desestimular a vacinação de estudantes — crianças e adolescentes, segundo ele disse ao Comprova mais tarde — com o argumento de que o CDC mudou as orientações e passou a recomendar “o mesmo tratamento” para vacinados e não vacinados. De fato, o CDC emitiu uma atualização de suas orientações para o combate à covid-19, dando as mesmas orientações de cuidados para vacinados e não vacinados, mas não deixou de recomendar a vacinação contra a covid-19, inclusive com doses de reforço.

As mudanças, que foram anunciadas em 11 de agosto, segundo a revista Time, fazem parte da nova política anunciada pelo CDC de ter uma comunicação mais simples e clara. Segundo o órgão, a simplificação das regras foi possível exatamente devido à vacinação.

“Estamos em um lugar mais forte hoje como nação, com mais ferramentas – como vacinação, reforços e tratamentos – para proteger a nós mesmos e nossas comunidades de complicações graves da covid-19”, disse Greta Massetti, uma das cientistas-chefes do CDC. “Também temos uma melhor compreensão de como proteger as pessoas de serem expostas ao vírus, como usar máscaras de alta qualidade, testes e ventilação aprimorada. Essa orientação reconhece que a pandemia não acabou, mas também nos ajuda a chegar a um ponto em que a covid-19 não atrapalhe mais nossas vidas diárias.”

Questionado pelo Comprova, Zeballos disse que o CDC “se omitiu” ao não criticar as vacinas. O médico disse não ser antivacina e que recomendou a aplicação de imunizantes em seus pacientes idosos quando os números da pandemia estavam mais altos no Brasil. Hoje, porém, ele disse considerar a vacinação dispensável, pois ela perdeu parte da efetividade na prevenção de infecções de covid-19 desde o surgimento da variante ômicron — o que é verdade para imunizantes como Pfizer, AstraZeneca e CoronaVac, embora eles ainda tenham ampla proteção contra doença grave e morte. Com a aplicação de terceira e quarta dose de reforço, mesmo a proteção contra infecção aumenta significativamente, segundo estudos conduzidos em vários países.

O novo guia orienta a:

Vacinação em crianças e adolescentes

Zeballos enfatizou as críticas na vacinação de crianças e adolescentes. Para ele, a vacinação é desaconselhada para o grupo porque essa não é a faixa etária mais acometida pela covid-19, como são os idosos. “Não acontece nada [com o jovem]”, disse. O médico também citou como motivo para dispensar a vacinação estudos que relatam casos de efeitos adversos dos imunizantes identificados em adolescentes.

É verdade que crianças e adolescentes são menos vulneráveis à covid-19, em comparação com os adultos e idosos. Não é verdade, porém, que “não acontece nada” com o grupo, como diz Zeballos. Segundo boletins do Ministério da Saúde com dados atualizados até 26 de agosto, mais de 50,8 mil pessoas de 0 a 19 anos foram hospitalizadas com covid-19 entre 20202021 e 2022. No mesmo período, mais de 3.300 pessoas na mesma faixa etária morreram pela doença.

“Claro que há uma desproporção muito grande quando se compara com adultos”, disse Renato Kfouri ao Comprova. Até junho de 2022, segundo dados do Ministério da Saúde, mais de 33 mil brasileiros de 60 anos ou mais morreram de covid-19. Segundo ele, porém, é um equívoco comparar casos de crianças com os de adultos: o correto seria comparar a covid-19 com outras doenças pediátricas. “Todas matam muito menos do que a covid-19. E nem por isso a gente deixa de vacinar”, disse Kfouri.

Segundo levantamento da Fiocruz de julho de 2022, desde março de 2020 a covid-19 causou no Brasil a morte de 539 crianças entre 6 meses e 3 anos de idade, por exemplo. O número é mais que o triplo do total de mortes que outras 14 doenças causaram juntas nessa faixa de idade em dez anos, entre elas tétano, sarampo, poliomielite, hepatite B, difteria, coqueluche e tuberculose miliar.

Ao Comprova, Zeballos mencionou dois estudos que citam eventos adversos das vacinas. O primeiro, publicado em agosto na revista New England Journal of Medicine, analisou os efeitos da aplicação do imunizante da Pfizer em crianças de 5 a 11 anos de janeiro a abril de 2022. Em um trecho, o estudo afirmou que, de 53 mil infecções pelo coronavírus analisadas e 288 hospitalizações, cinco crianças precisaram receber oxigênio, e, delas, duas eram parcialmente vacinadas e duas, totalmente vacinadas. Em outro trecho, o estudo disse que, até fevereiro, 22 eventos adversos sérios após a vacinação nessa faixa etária haviam sido informados em Singapura — isso equivale a cerca de 0,005% de todas as doses administradas, ou seja, 5 a cada 100.000.

O segundo estudo citado pelo médico e publicado também em agosto na revista Tropical Medicine and Infectious Disease acompanhou 301 adolescentes entre 13 e 18 anos que receberam a segunda dose da vacina da Pfizer em Bangkok, na Tailândia. Cerca de 29% deles registraram alterações cardiovasculares após a aplicação da vacina, segundo o estudo. Os efeitos mais comuns foram taquicardia (7,6%), falta de ar (6,6%), palpitação (4,3%), dor no peito (4,3%) e hipertensão (4%). Um paciente teve miocardite (inflamação no coração) leve e se recuperou depois de 14 dias.

A miocardite é reconhecida como evento adverso característico das vacinas de RNA mensageiro, como é o caso da vacina da Pfizer. Relatos da inflamação passaram a surgir após a liberação das vacinas. Apesar disso, não se trata de um evento comum: é um efeito muito raro dos imunizantes do tipo e não tende a atingir todas as crianças e adolescentes, mas um grupo específico — adolescentes do sexo masculino —, segundo dados do CDC. O risco maior de meninos mais velhos está relacionado à puberdade.

E, mesmo assim, a taxa de incidência de miocardite em decorrência covid-19 é 100 vezes maior que aquela derivada da vacinação com RNA mensageiro, segundo estimativa levantada em estudo publicado na revista Nature em dezembro de 2021.

Segundo dados do CDC de dezembro de 2021, apenas oito casos de miocardite em crianças de 5 a 11 anos haviam sido reportados ao órgão até então. Na época, os EUA haviam aplicado mais de 7 milhões de doses de vacina em pessoas dessa faixa etária. Segundo o CDC, a maioria dos pacientes com miocardite ou pericardite (inflamação no revestimento externo do coração) havia respondido bem ao tratamento e melhorado.

Zeballos disse ao Comprova que reconhece que os casos de eventos adversos são raros, embora seja contrário à vacinação. Para Kfouri, os benefícios das vacinas — a prevenção de infecção, doença grave ou morte por covid-19 — superam os riscos de efeitos colaterais. “São eventos raríssimos. [Com as vacinas] Você evita mais mortes, mais sofrimento. Efeitos colaterais graves podem acontecer, como com qualquer vacina ou remédio”, disse.

Não há relação proporcional entre avanço de vacinação e aumento no número de casos de covid-19

Ainda no vídeo verificado, Zeballos relaciona erroneamente o avanço da vacinação ao aumento no número de casos de covid-19. Ele afirma que dois estudos mostram que as vacinas fabricadas pela tecnologia de RNA mensageiro, Pfizer e Moderna, “têm um impacto no sistema imunológico criando uma tolerância ao vírus” a partir de oito meses após a segunda dose. Isso explicaria, segundo ele, o porquê de países avançados na vacinação terem maiores índices de infecção.

Zeballos não menciona quais são esses estudos. Em entrevista ao Comprova, ele compartilhou uma matéria do jornal The Epoch Times com links para os dois estudos em questão. O primeiro, conduzido por pesquisadores britânicos e publicado na Science, afirma, como principal conclusão, que vacinas de RNA mensageiro não são tão eficientes contra a Ômicron, em comparação às outras variantes, e que pessoas infectadas pela Ômicron apresentam maior resistência a todas as outras variantes. Isso não significa, necessariamente, que a vacinação, por ela mesma, aumente o número de casos.

Quanto ao segundo estudo, conduzido por pesquisadores alemães, ele não foi publicado até o momento desta verificação, porque carece de revisão por pares, processo no qual pesquisadores não-envolvidos no estudo o revisam para garantir credibilidade. Como consta na sua própria página, esse estudo “reporta sobre novas pesquisas de medicina que ainda precisam ser avaliadas e, então, não deve ser usado como guia para prática clínica”. Sendo assim, esse estudo é desconsiderado como evidência.

Não citado por Zeballos e publicado após revisão por pares, um estudo conduzido por um pesquisador de Harvard mostra, com base em dados de 68 países diferentes, que, na verdade, o avanço da vacinação, independentemente do tipo da vacina, não impulsiona, nem freia, a evolução do número de casos de covid-19. “No nível nacional, parece não haver relação discernível entre a porcentagem da população totalmente vacinada e os novos casos de covid-19”, afirma o estudo.

Cabe destacar que esse estudo foi publicado em setembro de 2021, em meio a surtos da variante Delta — a Ômicron foi reportada pela primeira vez apenas dois meses depois. O Comprova não encontrou nenhum estudo no Google Scholar que analisasse a relação entre vacinação e casos no contexto da Ômicron. Foram pesquisados estudos que contivessem as palavras-chave “covid-19”, “vaccination”, “cases” e “omicron”.

“As curvas de casos nos países são dependentes de diversos fatores: entrada de novas variantes, coberturas vacinais e medidas não-farmacológicas [distanciamento social, por exemplo], entre outras”, explica Renato Kfouri. “A resposta imune frente às infecções e as vacinas também varia conforme a população”, acrescenta.

No vídeo verificado, Zeballos cita o caso da Coreia do Sul, mas sem desenvolver sobre tal, para tentar provar a sua hipótese. Novamente, ele se mostra equivocado.

De fato, mais de 86% da população sul-coreana tomou as duas primeiras doses, segundo o Ministério da Saúde local; e, de acordo com o New York Times, o país tem a segunda maior média diária de casos por 100.000 habitantes na última semana no mundo.

Entretanto, como Kfouri revelou, diversas variáveis, para além da cobertura vacinal, influenciam na evolução no número de casos de covid-19 em um país. No caso da Coreia do Sul, um exemplo de variável citado pela Bloomberg em artigo de março de 2022 sobre o tema é a testagem. Segundo dados de junho deste ano do site de estatística Our World in Data, dentre países com mais de 10 milhões de habitantes, a Coreia do Sul é o 12º em média diária de testes aplicados para cada 1.000 pessoas. A testagem em massa é exatamente o motivo citado pelo médico infectologista e pesquisador da Fiocruz Julio Croda para o caso de países que continuam registrando muitos casos mesmo com a vacinação avançada. “Os países desenvolvidos são os que apresentam maior cobertura vacinal. Eles puderam adquirir as vacinas, em tempo oportuno, e conseguiram vacinar toda a sua população. Esses países também são os que ofertam maior número de testes por 100 mil habitantes, ou seja, o acesso do teste é maior”, afirmou.

Quem é Roberto Zeballos

Roberto Zeballos é médico imunologista (CRM 58439-SP) e tem 538 mil seguidores no Instagram. Reportagem do Aos Fatos do ano passado mostrou que Zeballos é um dos médicos campeões de desinformação sobre a covid-19. Ele está em quatro vídeos com mais de 2,7 milhões de visualizações e, em todos eles, defendeu a administração de cloroquina em pacientes com coronavírus, medicamento comprovadamente ineficaz contra a doença.

Ele apareceu em pelo menos outras duas checagens do Comprova classificadas como enganosas. A de que, ao contrário do que afirmou Zeballos, vacinas são eficazes contra variante delta e que o Ministério da Saúde de Israel negou que seus dados permitam concluir sobre imunidade de infectados.

Em janeiro deste ano, professores da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) divulgaram uma carta aberta em protesto às declarações de Zeballos contra as vacinas da covid-19. “Notoriamente, tem utilizado a sua graduação em medicina e se autodeclarando especialista para fazer campanha contra as vacinas, prestando um desserviço à saúde”, disseram os médicos.

Ao Comprova, Zeballos enviou um link de uma notícia que fala sobre o CDC ter assumido erros e fez críticas à atuação da agência. “Esse é apenas um dos artigos que mostra que o CDC errou em vários aspectos. Não é só porque ele admite que errou. A gente viveu muito, eu vivi intensamente essa doença durante dois anos e meio. E eu via que estavam cometendo erros, sim: lockdowns prolongados, máscaras ao ar livre, dizer que as vacinas protegem contra a disseminação de infecção”, disse. Porém, em nenhum momento, o CDC disse que errou quanto às medidas de contenção da covid-19.

O médico também disse que foi “vítima do Comprova quatro vezes”. “Sabe o que é você dormir três horas por dia na época da [variante] amazonense? Aí você pergunta pra mim: a vacina ajudou? Eu acho que ela ajudou na delta. E ela poderia talvez ter ajudado na amazonense, mas não deu tempo. Porque o vírus muda muito. A [variante] amazonense foi aquela que veio ao Brasil, que não tinha quase nada de reinfecção. Não tinha quase nada. Por isso eu atendia com tranquilidade. Eu não tomei a vacina. Porque outra coisa que ninguém reforça: as pessoas que pegam a doença são muito imunizadas”, disse.

Zeballos também disse que o trabalho que faz “nunca foi político” e sim “para o paciente” e falou que suas afirmações são baseadas na experiência tratando casos de covid-19. “Eu tô num nível em que eu quero tocar minha vida e salvar as pessoas. Eu tô ajudando as pessoas não indicando o imunizante para as crianças depois desses dois últimos estudos — porque as pessoas só ouvem os estudos, e não ouvem o raciocínio clínico. Eu tenho a experiência com o raciocínio clínico, de não ver criança morrendo, e tenho a experiência”, afirmou.

Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. O conteúdo aqui verificado confunde as pessoas sobre as orientações de combate à covid-19, o que as coloca em risco.

Outras checagens sobre o tema: Checagens anteriores do Comprova mostraram que o mesmo médico disseminou informações enganosas sobre a vacinação da covid-19, como vídeo em que ele diz que as vacinas não funcionam contra a variante delta e postagem que diz que o ministério da Saúde de Israel disse que pessoas infectadas pelo coronavírus estão mais protegidas do que vacinados.

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Recentemente, o Comprova também mostrou que é enganoso que estudo de Harvard comprovou eficácia de hidroxicloroquina na prevenção da covid-19 e que são falsas as alegações de médica que trata vacinação da covid em crianças como “assassinato em massa”.

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