Há um mês, no dia 22 de abril, o governador de São Paulo João Doria (PSDB) apresentou, ao lado de sua equipe, um plano de afrouxamento da quarentena no estado em meio à pandemia de coronavírus.
A notícia da reabertura da economia tinha sido revelada dois dias antes e àquela altura a estratégia carecia de metas claras e de informações que explicassem como se daria o tal processo gradual, regionalizado e setorizado.
Aos poucos, os índices mínimos para o início do afrouxamento foram revelados, ao mesmo tempo que a realidade se afastava deles: taxa de isolamento superior a 55%, redução sustentada no número de novos casos por 14 dias e ocupação dos leitos de UTI inferior a 60% (como mostrou apresentação da equipe no dia inicialmente previsto para o começo da reabertura).
Quando o governo fez a apresentação para anunciar seu plano, o estado de São Paulo havia marcado 57% de taxa de isolamento, tinha tido 805 novos casos de coronavírus e apresentava 55,3% de ocupação dos leitos de UTI de tratamento da Covid-19.
Já em 20 de maio, 71,7% dos leitos de UTI estão ocupados; essa taxa não fica abaixo dos 60% desde o final de abril --antes, nunca havia ultrapassado essa marca, registrando maior alta de 58,2%. O número de novos casos disparou e o máximo de dias seguidos com diminuição de casos foi de quatro.
A média de novos registros por dia, que era de 481,4 no mês anterior ao anúncio, quase triplicou depois dele, subindo a 1.878,4.
A taxa de isolamento caiu quase 10 pontos percentuais já no dia da coletiva do governo e apenas em três ocasiões esteve acima do mínimo necessário estipulado pela equipe depois dela.
São Paulo não chegou perto de alcançar os índices para o afrouxamento da quarentena desde a divulgação do plano.
O mais próximo foi no dia 26 de abril, quando o estado registrou isolamento de 58%, UTIs com 58,9% de ocupação e diminuição no número de novos casos com relação ao dia imediatamente anterior --lembrando que era necessária uma redução sustentada por 14 dias, ou seja, que se registrasse uma curva constante e decrescente no índice, e não apenas a variação entre alguns dias.
Quando do anúncio, Doria afirmou à Folha que se tratava apenas de uma apresentação inicial e que no dia 8 de maio seriam revelados os detalhes do processo, previsto para começar no dia 11.
Na data em que seria feito o detalhamento o que se viu, na verdade, foi a prorrogação da quarentena.
Na quarta-feira (20), o governador chegou a ameaçar o "lockdown" se os indicadores piorarem e afirmou já ter o protocolo de trancamento pronto e embaixo do braço para usar em caso de necessidade.
São Pauo está em quarentena desde 24 de março. O estado é o principal polo da pandemia no país. Registrou, até esta quinta-feira (21), 73,7 mil casos confirmados e 5.558 mil óbitos.
Situação mais grave ainda vive a capital, epicentro do coronavírus no Brasil.
O anúncio de Doria produziu reflexo no isolamento tanto no estado quanto na capital, que teve taxa maior que 55% apenas em quatro ocasiões desde o dia 22 de abril.
Os novos casos só caíram por um máximo de quatro dias consecutivos no período e a ocupação dos leitos de terapia intensiva da Grande SP cresceu de 73,7% para 87,9% --chegou a alcançar 92,2% no dia 17 de maio e em nenhum momento ficou abaixo dos 60% necessários.
De 1º de abril até o dia em que foi feito o anúncio do afrouxamento da quarentena, a média de isolamento do estado de São Paulo foi de 53%, mas em quase metade dos dias houve índice superior ao necessário.
No mesmo período, em 14 de 22 ocasiões o número de novos casos do dia foi inferior ao do dia anterior, o que chegou a acontecer cinco vezes seguidas entre 1º e 5 do mês.
Todos os números são disponibilizados pelo Ministério da Saúde e pelo governo de São Paulo.
Segundo a professora Paula Peron, da psicologia da PUC-SP, é possível imaginar que o simples anúncio da reabertura possa ter afetado o comportamento da população, relaxando indiretamente a quarentena.
Isso acontece, explica, porque psicologicamente, em momentos de maior desamparo, tendemos a buscar direcionamento de líderes ou figuras públicas. Soma-se a isso o fato do isolamento ser desprazeroso à maioria, que busca formas de contorná-lo.
"Assim, quando há um aceno para a reabertura, queremos logo aderir a isso para nos livrarmos dessas restrições, perdas e limites. Também temos que considerar os aspectos econômicos, já que grande parte de nossa população não pode ficar sem o salário do mês, tem que sair para trabalhar e vive as aflições da crise econômica", afirma.
Tramita na Câmara dos Vereadores de São Paulo um projeto de lei que propõe a reabertura do comércio na cidade.
A proposta não estipula data para que o afrouxamento da quarentena comece, mas coloca parâmetros para que ele seja possível e determina que seja feito por setor da economia e região.
O texto, que ainda será debatido pelos vereadores e pode mudar, cria uma combinação entre índices de contágio (como número de novos casos) e de capacidade do sistema de saúde (ocupação de UTI, por exemplo) que resulta em um número.
Tal valor determina uma bandeira, a ser atribuída a cada subprefeitura da cidade. É esta bandeira (preta, vermelha, laranja ou amarela) que diz o que pode reabrir e quando.
Pela minuta inicial, comércio atacadista e varejo seriam os primeiros a ter autorização para funcionar, e shoppings e centros comerciais, os últimos. O projeto deve ser votado nas próximas duas semanas, segundo o presidente da casa Eduardo Tuma (PSDB), que é quem determina o andamento das pautas.
É importante ressaltar que, caso a lei seja aprovada e sancionada pelo prefeito Bruno Covas (PSDB), ela não permite que o processo de reabertura da economia comece imediatamente, mas sim na medida que forem atingidos os requisitos estipulados.
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