Com o encerramento da CPI da Covid, o ex-ministro da Saúde Nelson Teich avalia que deve ficar a lição para o país refletir as fragilidades da saúde no Brasil para além do coronavírus.
"Em 2020, 200 mil pessoas morreram de Covid e 1,3 milhão morreram de outras coisas. Certamente, aquilo que nos agride em relação à Covid deve existir nas outras áreas. Só que a gente não enxerga com tanta clareza. Essa é uma oportunidade de começar a discutir, acima de tudo, a eficiência do sistema", diz Teich.
O setor hospitalar vem discutindo temas como o modelo de remuneração, que paga aos hospitais pelo serviço prestado, independentemente do desempenho, e a verticalização, em que uma operadora é dona da rede de hospitais, como é o caso da Prevent Senior, que foi alvo da CPI.
Para Teich, há casos de verticalização que funcionam e casos que não funcionam, e o debate sobre o modelo não pode se pautar em experiências específicas. "Você não pode pegar casos pontuais e querer avaliar sistemas com exemplos isolados. A chance de ter uma avaliação inadequada é enorme", diz o ex-ministro, que deixou o cargo por divergências com Bolsonaro sobre a cloroquina.
Teich, que na semana passada participou do Conahp, o congresso anual da associação de hospitais privados Anahp, afirma que a única forma de avaliar entrega é medindo desfecho clínico. "Se você não mede o que está entregando para a sociedade, se não mede o desfecho, você não está trabalhando eficiência. Está trabalhando custo", diz.
O caso da Prevent levanta a questão da verticalização no setor, em que a operadora tem a própria rede de hospitais. O sr. acha que isso funciona e como fica no futuro do setor?
Não podemos confundir ferramenta com entrega. Pode ter sistema verticalizado que funciona e que não funciona. Pode ter sistema não verticalizado que funciona e outro que não funciona. Definir pela ferramenta o que funciona ou não funciona é um erro. Tem que avaliar exatamente a entrega. Não dá para definir só porque o modelo é x, y ou z que ele é bom ou ruim. Não pode misturar as coisas. Esse tipo de pergunta não tem muito sentido. Tendo um sistema verticalizado, você pode trabalhar mais de uma forma institucional. Talvez, possa até te ajudar a entregar.
Você também não pode pegar casos pontuais e querer avaliar sistemas com exemplos isolados e pontuais. A chance de ter uma avaliação inadequada é enorme. Você pega um exemplo isolado e pretende transformar aquilo em uma realidade, em vez do todo. Esse tipo de pergunta não te permite julgar sistemas só por causa de exemplos pontuais.
Esse exemplo pontual da Prevent ficou muito nítido para a população por causa da CPI. Esse é um modelo que abre caminho para permitir redução de custo de plano de saúde sem sucatear o serviço?
A única forma que se tem de avaliar entrega é medindo desfecho clínico. Qualquer coisa que você faça sem medir o que você está entregando para a sociedade está discutindo custo e não eficiência. O sistema precisa é de eficiência. A saúde dificilmente vai conseguir baratear alguma coisa.
Existe uma demanda crescente por incorporação tecnológica. É exatamente o contrário. Hoje em dia, você tem até que avaliar o que você consegue incorporar com os recursos financeiros que você tem. O controle de custo vai vir como uma consequência. Focar no custo em vez da eficiência é não focar as pessoas.
E o modelo de remuneração? Os hospitais recebem pelo serviço que eles prestam, independentemente de qualidade. Isso deveria mudar?
Se você não mede o que está entregando para a sociedade, se não mede o desfecho, você não está trabalhando eficiência. Está trabalhando custo. Se medisse o que acontece com as pessoas, pegaria aqueles serviços que entregam muito, tentaria levar mais gente para esse lugar, negociaria um valor menor e talvez tivesse um sistema mais eficiente.
Agora, se gasta menos, mas não mede, e entrega uma qualidade ruim, você só está gastando menos. Não está gastando melhor, porque não está protegendo a sociedade enquanto setor. Então, essa discussão do método de pagamento já nasce errada, porque ela não discute eficiência. Discute custo. A discussão não é qual o melhor modelo. É em que situação você entrega melhor, a partir do instante em que você mede a entrega do cuidado, da qualidade, que geralmente é tempo de vida, qualidade de vida, bem-estar.
Então, tem que sair da discussão do modelo para a discussão da entrega. Se não fizer isso, nunca vai estar realmente trabalhando alguma coisa que melhore a eficiência do sistema. Você começa a discutir dinheiro e não entrega.
Qual a avaliação do sr. sobre a CPI da Covid?
Eu acho que a CPI é uma oportunidade que a gente tem de entender as fragilidades e ineficiências do sistema, e seria interessante que a CPI ajudasse a gente a enxergar onde o sistema não operou adequadamente para que a gente possa preparar o sistema não só para futuras pandemias mas para cuidar das pessoas da melhor forma possível.
Se você olhar, em 2020, foram 200 mil pessoas que morreram de Covid e 1,3 milhão que morreram de outras coisas. Certamente, aquilo que agride a gente em relação à Covid deve existir nas outras áreas. Só que a gente não enxerga com tanta clareza. Essa é uma oportunidade de a gente começar a discutir, acima de tudo, a eficiência do sistema.
Seria muito interessante que a CPI ajudasse a gente a entender o sistema melhor e entender as fragilidades. Onde é que a gente podia ter feito melhor para preparar o sistema e melhorar.
A CPI aponta uma responsabilização grande sobre o governo, especificamente sobre o presidente. O que achou?
Eu não vou discutir o governo. Eu não vou falar sobre o passado. Vou falar sobre o futuro. E aqui não estou discutindo governo nem pessoas. Estou falando de sistema.
E sobre o caso específico da Prevent nesse contexto? Teve a polêmica sobre a atuação de médico e controle da instituição?
Eu só tenho informação pela mídia. E coisas desse porte, dessa gravidade, não vou dar opinião com informação de mídia. Eu teria de ter acesso a tudo o que acontece nos documentos originais.
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