O ex-capitão da PM Adriano da Nóbrega, morto no início do mês numa operação policial na Bahia, passou a integrar um grupo de contraventores no Rio de Janeiro no mesmo ano em que recebeu homenagem do hoje senador Flávio Bolsonaro e foi defendido publicamente pelo atual presidente da República, Jair Bolsonaro.
A informação consta do depoimento de 2008 do pecuarista Rogério Mesquita, um ex-colaborador do grupo de Waldemiro Paes Garcia, o Maninho, um dos chefes do jogo do bicho na capital fluminense.
Mesquita afirmou à Polícia Civil que indicou Adriano, um amigo de sua família, para compor a segurança de Alcebíades Paes Garcia, o Bidi, irmão de Maninho, após a morte do contraventor e de seu pai, Waldomiro Garcia, o Miro, em setembro e outubro de 2004, respectivamente.
Bidi foi morto na última terça (25), quando teve o carro atingido por cerca de 20 disparos.
Mesquita era homem de confiança de Maninho e assumiu a gestão de bens da família após o assassinato do amigo. Ele não especificou a data em que indicou Adriano para compor o grupo de Bidi, que então assumiu parte dos negócios, mas disse ter ficado à frente do grupo por apenas quatro meses. Na época, Adriano teria participado mesmo estando preso, dando orientações para um preposto.
"Quando Bidi resolveu assumir a fazenda, o declarante lhe disse que ele deveria se precaver e contratar um corpo de seguranças que pudessem lhe trazer mais tranquilidade", aponta o depoimento de Mesquita.
O relato levanta mais dúvidas sobre a versão do presidente Jair Bolsonaro de que, quando Adriano foi condecorado a seu pedido, o ex-PM era considerado um herói. O ex-capitão recebeu a medalha Tiradentes de Flávio em junho de 2005 e foi defendido por Jair em discurso na Câmara em outubro do mesmo ano, após ser condenado por homicídio.
"Isso [homenagem] aconteceu há 15 anos atrás [sic]. As pessoas mudam. Para o bem ou para o mal", disse o presidente há duas semanas. "Condecorei o Adriano há mais de 15 anos. Como posso adivinhar o que ele faz de certo ou errado hoje?", disse Flávio.
Em entrevista ao jornal O Globo, o vereador Ítalo Ciba (Avante) afirmou que Flávio visitou Adriano "mais de uma vez" quando o ex-capitão esteve preso, de 2004 a 2006, acusado da morte do guardador de carros Leandro dos Santos Silva, 24, assassinado em novembro de 2003.
O então policial chegou a ser condenado no tribunal do júri em outubro de 2005, mas conseguiu recurso, foi solto em 2006 e absolvido no ano seguinte. Bolsonaro costuma dizer que Leandro tinha envolvimento com o tráfico, que morrera em confronto e minimiza o caso. O jovem, porém, foi morto após denunciar policiais por extorsão.
Mesquita afirmou que, mesmo preso, Adriano recebia um salário de R$ 5.000 da contravenção e indicava colegas policiais para proteger Bidi. Em novembro de 2006, quando foi solto, ele passou a exercer a função fora da cadeia, acumulando também a segurança de um genro de Maninho.
Após a saída de Adriano da prisão, novos vínculos entre o ex-capitão e a família Bolsonaro se estabeleceram. O ex-PM teve dois parentes nomeados no gabinete de Flávio na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro). O ex-policial também foi citado na investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro que apura se houve "rachadinha" no gabinete de Flávio na Alerj.
A ficha criminal de Adriano também se ampliou. Ele chegou a ser preso por duas vezes, acusado de tentar matar o próprio Mesquita, em maio de 2008. Foi absolvido. Acabou expulso da PM em 2014 por chefiar a segurança de José Luís de Barros Lopes, o Zé Personal, genro de Maninho.
O depoimento de Mesquita foi dado em inquérito que investigava a tentativa de homicídio contra ele. O pecuarista acusou o ex-PM de ter tentado matá-lo a mando de Zé Personal. Apontou ainda o ex-capitão como o responsável por outros sete homicídios.
Sete meses depois, Mesquita foi assassinado em Ipanema, a duas quadras da praia, em plena luz do dia, num caso nunca solucionado.
A Presidência da República afirmou que não comentaria o caso. O senador Flávio Bolsonaro não respondeu aos questionamentos enviados pela reportagem.
O advogado de Adriano, Paulo Emílio Catta Preta, disse não ter informações sobre o envolvimento do ex-capitão com Bidi. Em depoimento à Polícia Civil em 2008, o ex-PM negou ter trabalhado como segurança tanto do irmão como do genro de Maninho.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta