O ex-secretário de Saúde do Amazonas Marcellus Campêlo causou reação de parte dos membros da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia do Senado nesta terça-feira (15) ao dizer que a rede de saúde do estado registrou a intermitência de abastecimento de oxigênio apenas nos dias 14 e 15 de janeiro. Segundo ele, a situação se diferencia da fila de compra das pessoas que buscaram as empresas diretamente. “Uma coisa é faltar na rede de saúde, no hospital, outra coisa é o paciente que está tratando em casa porque não tem vaga no hospital tentar comprar o cilindro no mercado e ele não existir no mercado da cidade”, disse sobre a situação que deixou centenas de mortos no estado.
“No dia 26 de janeiro, [havia] pessoas morrendo dentro do [Hospital] 28 de Agosto por falta de oxigênio”, rebateu o senador amazonense Eduardo Braga (MDB). Sobre essa afirmação, Campêlo insistiu: “Nós não temos registro no 28 de Agosto de ter acontecido isso, senador. Não há registro.
Sobre o pedido de ajuda ao governo federal, Campêlo disse que procurou o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, antes do colapso no estado. O primeiro contato, segundo ele, teria ocorrido três dias antes do relatado ao colegiado pelo ex-ministro em depoimento no mês passado. Na conversa, Campêlo disse que pediu apoio logístico ao então ministro para levar cilindros de oxigênio a Manaus. "Fiz uma ligação ao ministro Pazuello no dia 7 de janeiro por telefone explicando a necessidade de apoio logístico para trazer oxigênio de Belém a Manaus, a pedido da White Martins [fornecedora dos cilindros]. A partir daí, fizemos contato com o Comando Militar da Amazônia, por orientação do ministro, para fazer esse trabalho logístico", disse Campêlo na CPI. "Não houve resposta, que eu saiba", afirmou.
O ex-secretário avaliou que a saúde pública do Amazonas tem problemas "históricos e crônicos" e que, na sua gestão, foi realizada a integração de dados entre Manaus e outras cidades do estado. Ainda sobre as providências tomadas, Campêlo citou a alteração no atendimento do Hospital Delphina Aziz, que passou a atender exclusivamente pacientes com covid-19. O ex-gestor também relacionou medidas não farmacológicas e a chegada das vacinas como balizadores da Secretaria de Saúde do Amazonas para o combate à pandemia no estado.
Aos senadores, Campêlo afirmou que em 7 de janeiro deste ano a empresa fornecedora de oxigênio White Martins chegou a pedir que o estado não ativasse novos leitos de unidade de terapia intensiva (UTI) até que a companhia pudesse ampliar o fornecimento do oxigênio. "Estavam preocupados com aumento de consumo e precisariam fazer uma programação do fornecimento. Então, a White Martins pediu que não ativássemos mais nenhum leito de UTI até o sinal da empresa que poderia ter segurança para a ampliação do fornecimento de oxigênio, e assim fizemos, ativar somente na anuência da empresa com segurança. Aí, nesse dia, informamos que tínhamos capacidade de aumentar em 150 leitos", disse ele.
Apesar do pedido, Campêlo disse que a paralisação não foi necessária já que, no mesmo dia, uma quinta-feira, a White Martins apresentou uma programação de fornecimento de oxigênio, em que novas cargas do insumo começariam a chegar no sábado. No depoimento, ele acrescentou que, no dia 7, a White Martins também solicitou apoio do governo estadual para uma requisição administrativa. A empresa enfrentava dificuldades para comprar um estoque de 20 mil metros cúbicos de oxigênio disponíveis em uma outra empresa, a Carbox. "Consultei o setor jurídico [do governo] e foi orientado que a White Martins formalizasse pedido para fazermos esse processo", explicou.
Campêlo reconheceu que o governo estadual não comprou usinas de oxigênio para suprir a demanda nem antes nem depois da crise ocorrida no mês de janeiro. Segundo ele, foram abertos, sem sucesso, processos de compra.
Sobre recursos destinados ao Amazonas por emendas parlamentares ou pelo fundo estadual da saúde e não utilizados pela secretaria para custeio de unidades hospitalares, o ex-gestor foi questionado, por exemplo, sobre por que a pasta que comandava atrasava o pagamento de fornecedores de oxigênio. Campêlo respondeu que esse já era um problema crônico antes mesmo de ele assumir o cargo na secretaria e que há processos nesse sentido em andamento.
Perguntado pelo relator do colegiado, senador Renan Calheiros (MDB-AL), se uma suposta imunidade de rebanho gerada pela primeira onda de casos de covid-19 no Amazonas teria orientado as políticas públicas de saúde, Campêlo negou. “Essa tese nunca foi ventilada em qualquer reunião da qual eu tenha participado”, disse.
Ao falar das medidas tomadas para fortalecer o sistema de saúde após a primeira onda, o ex-secretário disse que houve ampliação de leitos e que eliminaram espaços ociosos em maternidades para atendimento à população. Apesar disso, ele observou que há um "gargalo" de leitos de UTI e que a gestão também é dificultada pela questão logística pelo acesso aéreo e fluvial.
O ex-secretário de Saúde do Amazonas disse ainda que, no início da pandemia, durante a crise da primeira onda em Manaus, cerca de 80 respiradores foram enviados para a capital amazonense na gestão de Luiz Henrique Mandetta. Alguns dos equipamentos, no entanto, estavam com "problemas e inadequados": ao menos dez aparelhos foram devolvidos por serem de uso veterinário.
Sobre o envio pelo governo federal ao estado de 120 mil comprimidos de hidroxicloroquina depois de uma visita da secretária de Gestão do Trabalho e da Educação, Mayra Pinheiro, no dia 4 de janeiro ao Amazonas, Campêlo disse que a remessa foi realizada para tratamento da covid-19. A solicitação, segundo ele, foi feita porque os estoques do remédio estavam "zerados", e pelo fato de ele ser utilizado também no tratamento de outras patologias, como a malária.
Ao responder sobre as medidas tomadas pelo governo federal para auxiliar o estado a debelar a crise gerada pelo desabastecimento de oxigênio na rede hospitalar, Marcellus Campêlo contou que em 10 de janeiro a secretária Mayra Pinheiro esteve em Manaus para o lançamento do TrateCov. O aplicativo, que acabou tirado do ar – segundo o Ministério da Saúde, porque sofreu uma extração indevida de dados por um jornalista –, tinha como objetivo auxiliar médicos na prescrição “do tratamento precoce” para a covid-19, com base em sintomas relatados por pacientes.
Indagado pelo vice-presidente Randolfe Rodrigues (Rede-AP) sobre se era adequado realizar um evento sobre o tema em um momento em que Manaus estava no auge da crise sem oxigênio, Campêlo disse que na ocasião não sabia do que se tratava. "Nós nem sabíamos do que se tratava, eles iriam explicar o que era", afirmou.
Segundo ex-gestor, Mayra apresentou à Secretaria de Saúde do Amazonas várias teses sobre o tratamento. “Ela [Mayra Pinheiro] falava dos medicamentos para esse tratamento, apresentando 150 teses a respeito deste tema. Ela recomendou que fizesse, que adotasse essa sistemática, mas que iria trabalhar a atenção primária”, afirmou.
Marcellus Campêlo inaugura a fase de depoimentos de gestores estaduais à CPI. Investigado pela Polícia Federal por supostas fraudes na contratação de hospitais de campanha e uso de verbas federais, ele comandou a saúde do estado do Amazonas até o último dia 7 de junho, quando pediu exoneração do cargo após ser preso na Operação Sangria. A primeira autoridade convocada da esfera estadual foi o governador do Amazonas, Wilson Lima. Às vésperas do dia marcado para o depoimento, na semana passada, o político conseguiu um habeas corpus junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) que o liberou da obrigação.
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