Conteúdo verificado: Publicações nas redes sociais que afirmam que o Facebook teria reconhecido que errou ao censurar postagens sobre o tratamento com hidroxicloroquina.
São enganosas as publicações no Facebook e no Twitter que afirmam que o Facebook admite que “cometeu um erro” ao “censurar a hidroxicloroquina”. A rede social realmente restaurou um post específico feito por um usuário da França em outubro de 2020, em que ele criticava o governo francês por ter se recusado a autorizar o uso combinado de hidroxicloroquina com azitromicina para tratamento da Covid-19. No entanto, esta decisão não altera a postura da plataforma em relação à desinformação sobre a Covid-19.
O Facebook argumentou que o usuário francês falou em cura pela hidroxicloroquina ao criticar a postura do governo da França, e que o conteúdo foi removido com base numa política da empresa contra conteúdos que possam causar danos no mundo atual. Após a decisão do Comitê de Supervisão – grupo criado e financiado pelo Facebook para analisar de forma independente alguns casos de remoção de conteúdo da plataforma -, o post foi restaurado, no último dia 28 de janeiro. O grupo entendeu que o usuário não incentivava as pessoas a comprar ou tomar o medicamento sem receita. O estatuto do Comitê estabelece que as decisões são vinculantes – ou seja, elas são cumpridas pela empresa, a menos que violem a lei.
O Facebook emitiu um comunicado informando que restabeleceu o post, mas não “admitiu erro” e informou que a atual abordagem para esses casos vai continuar enquanto durar a pandemia. A abordagem, segundo a plataforma, é baseada em “extensas consultas com cientistas reconhecidos, incluindo do Centre for Disease Control (CDC) e da Organização Mundial da Saúde (OMS)”.
As postagens verificadas pelo Comprova foram compartilhadas pelos perfis no Facebook de Priscila Costa (vereadora de Fortaleza pelo PSC) e Esquerdopatia Política. Elas tomam como base um tuíte da médica norte-americana Simone Gold. Ela ficou conhecida por ser uma das defensoras do uso da hidroxicloroquina e esteve entre o grupo de pessoas que invadiu o Capitólio no dia 6 de janeiro deste ano para tentar interromper a certificação da eleição presidencial de 2020 dos Estados Unidos. No post, a médica diz que o Facebook admitiu que cometeu um erro ao censurar estudos que mostravam que a hidroxicloroquina salvava vidas, o que não é verdade.
A deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) também fez uma publicação sobre o mesmo assunto no Twitter. Em contato com a assessoria de imprensa da parlamentar, o Comprova recebeu a informação de que ela se baseou numa informação publicada pela colunista de finanças Patrícia Lages, do portal R7.
Fizemos contato com a assessoria do Facebook para questionar se a rede de fato admitiu erro ao tirar o post do ar, quais são as políticas adotadas para as postagens e como funciona o Conselho de Supervisão da rede. Em seguida, consultamos o site do Comitê de Supervisão do Facebook a respeito da decisão sobre a postagem do usuário francês.
Também entramos em contato com a assessoria de imprensa da deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) e com os perfis no Facebook Esquerdopatia Política e Priscila Costa. Apenas os dois primeiros responderam.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a Covid-19 disponíveis no dia 9 de fevereiro de 2020.
Em outubro de 2020, um usuário do Facebook na França fez uma postagem em um grupo público sobre a Covid-19 em que denunciava o que chamava de “escândalo da Agence Nationale de Sécurité du Médicament” (agência francesa responsável pela regulamentação dos produtos para a saúde), que se recusou a autorizar no país o uso combinado da hidroxicloroquina com a azitromicina no tratamento da Covid-19, ao mesmo tempo em que havia autorizado e promovido o remdesivir.
O remdesivir é um antiviral aplicado por via intravenosa, usado originalmente para combater o ebola, que foi bastante citado no início da pandemia como promissor no tratamento da Covid-19. Em novembro do ano passado, a OMS informou que não recomendava o uso do medicamento contra a Covid-19 por falta de evidências de que ele tivesse efeitos significativos. Já a hidroxicloroquina é um medicamento usado no tratamento de doenças reumáticas, como lúpus, e também contra a malária. A OMS informou que a hidroxicloroquina também não funciona contra a covid-19.
O uso da cloroquina e hidroxicloroquina contra a Covid-19 apareceu em um estudo inicial feito pelo médico francês Didier Raoult, que apontou o medicamento como a cura para a doença. O usuário autor do post que acabou restaurado pelo Facebook criticou a falta de estratégia em saúde na França e afirmou que “a cura de [Didier] Raoult” estava sendo usada em outros lugares para salvar vidas.
No dia 4 de janeiro, o médico e sua equipe publicaram um artigo no International Journal of Antimicrobial Agents reconhecendo pela primeira vez que o medicamento não tinha eficácia no tratamento contra a Covid-19, mas voltou atrás do reconhecimento após a repercussão em jornais por todo o mundo.
A postagem foi removida pelo Facebook com base na política contra a desinformação da rede social, por contribuir para o “risco de dano físico iminente”. A empresa explicou ao Comitê de Supervisão – criado e financiado pelo Facebook para analisar de forma independente alguns casos de remoção de conteúdo da rede social – que removeu a postagem porque ela afirmava que existiria uma cura para a Covid-19, fato negado pelas principais autoridades sanitárias do mundo, e concluiu que isso poderia levar as pessoas a ignorar as orientações de saúde ou a tentarem se automedicar.
O caso do post feito na França em outubro do ano passado foi submetido ao Comitê de Supervisão, que decidiu, no último dia 28 de janeiro, anular a remoção do conteúdo. Para o Comitê, o usuário que fez o post se opunha a uma política governamental na França – a de não autorizar o uso combinado de hidroxicloroquina e azitromicina – e pretendia mudá-la.
“A combinação de medicamentos que o post afirma constituir uma cura não está disponível sem receita na França e o conteúdo não incentiva as pessoas a comprar ou tomar medicamentos sem receita”, afirma o texto publicado pelo comitê.
Para os membros do comitê, o Facebook não demonstrou que a postagem elevaria o risco de dano iminente, exigido pela própria regra dos Padrões da Comunidade. Eles também apontaram que a decisão do Facebook não está em conformidade com os padrões internacionais de direitos humanos sobre a liberdade de expressão. Como o Facebook tem uma gama de ferramentas para lidar com a desinformação, a empresa não conseguiu demonstrar porque não escolheu uma punição menos invasiva do que remover o conteúdo, diz o comitê.
Os membros também consideraram vaga a regra sobre desinformação e dano iminente, o que torna difícil para os usuários entenderem o que podem e o que não podem postar. Na decisão, o grupo determinou que o Facebook restaurasse a postagem que foi removida e recomendou que a empresa crie um novo Padrão da Comunidade sobre desinformação em saúde; adote meios menos invasivos para aplicar as políticas de desinformação em saúde; e aumente a transparência sobre como modera a desinformação em saúde.
No mesmo dia 28 de janeiro, o Facebook se pronunciou sobre as primeiras decisões tomadas pelo Comitê de Supervisão e informou que a postagem havia sido restaurada. A vice-presidente de Políticas de Conteúdo do Facebook, Monika Bickert, comentou o caso da hidroxicloroquina:
“O comitê corretamente levanta preocupações de que podemos ser mais transparentes sobre nossas políticas de desinformação em relação à Covid-19. Concordamos que essas políticas podem ser mais claras e pretendemos publicar políticas de desinformação de COVID-19 atualizadas em breve”. O texto, publicado na Newsroom do Facebook, acrescenta que a abordagem para remoção de conteúdo sobre a Covid-19 irá se manter enquanto durar a pandemia.
Por meio de porta-voz, o Facebook informou ao Comprova que seguiu a recomendação e restaurou a postagem, mas reafirmou ser fundamental que as pessoas tenham acesso a informações precisas durante a pandemia. “Seguindo o compromisso com o Comitê de Supervisão, restauramos o post sobre Covid-19. Porém, acreditamos ser fundamental que as pessoas tenham acesso a informações precisas na nossa plataforma e sabemos que isso é ainda mais crítico durante uma pandemia. Mantemos nossa abordagem de remover desinformação sobre coronavírus que possa levar danos às pessoas no mundo real, com base em extensas consultas a grupos científicos como o Centro de Prevenção de Doenças dos EUA e a Organização Mundial da Saúde”.
De acordo com o Facebook, o Comitê de Supervisão é formado por um conjunto diversificado de especialistas, responsável por analisar de forma independente alguns conteúdos que tenham sido removidos da rede. Os membros são representantes de diversas partes do mundo e formam uma equipe independente. O financiamento inicial para a formação do Comitê foi de mais de US$ 130 milhões para cobrir custos operacionais, como espaço de escritório, equipe e despesas de viagem, e permitir que o comitê opere pelo menos nos seus dois primeiros mandatos completos, aproximadamente seis anos.
O site oficial do comitê informa que, “para garantir uma perspectiva global, o Comitê de Supervisão tem membros de diversas origens culturais e profissionais”. O site acrescenta que “esses membros foram escolhidos porque têm experiência em deliberar de forma ponderada e colegiada, demonstram habilidade para tomar e explicar decisões com base em um conjunto de políticas ou princípios e estão familiarizados com o conteúdo e a governança digitais”.
Atualmente, o comitê tem 20 membros que tomam decisões colegiadas, independente do local onde o post tenha sido feito. Os casos a serem analisados são enviados pelo próprio Facebook ou por usuários. As decisões do Comitê estão disponíveis na íntegra.
Também entramos em contato com a assessoria da deputada federal Bia Kicis. Segundo a equipe, Kicis retirou a informação de uma matéria publicada no portal R7 assinada pela comentarista de finanças Patrícia Lages. O texto afirma que, de fato, o Facebook recomendou a criação de novo padrão de classificação das informações postadas, e que a empresa “reconhece que ‘cometeu um erro’”, mas não há um posicionamento da empresa, além da recomendação do comitê.
Em contato com moderação da página Esquerdopatia Política, questionamos quais foram as fontes usadas para a publicação. A resposta foi a sugestão de checarmos as fontes usadas pela página. O primeiro mostra a postagem da Dra. Simone Gold em sua conta no Twitter, onde afirma que o Facebook ‘admitiu erro ao censurar estudos mostrando que a hidroxicloroquina salva vidas’; outro link trata de um estudo sobre Covid-19 no mundo e o uso da hidroxicloroquina; o seguinte é uma publicação de um site cujo fundador teve a conta no Twitter suspensa por divulgação de notícias falsas; o próximo link trata de um estudo publicado no The American Journal of Medicine, que defende o uso preventivo no tratamento da Covid-19 com base no uso da hidroxicloroquina; e o último traz o link já colocado nesta verificação, referente à decisão do Comitê de Supervisão do Facebook sobre a publicação do usuário francês.
Após o contato, a página Esquerdopatia Política fez uma nova postagem com o print do contato feito pelo Comprova. “Olha o nível do “jornalismo investigativo”. São incapazes de chegar na fonte primária…”.
A vereadora Priscila Costa não retornou o contato até a publicação desta verificação.
Em sua terceira fase, o Comprova investiga conteúdos duvidosos relacionados a informações sobre a pandemia do novo coronavírus, principalmente as que têm grande alcance nas redes sociais.
O Facebook publicou, no dia 28 de janeiro, a respeito de um conjunto de decisões sobre postagens escolhidas para avaliação. Dentre elas, postagens sobre discurso de ódio e desinformação sobre saúde estão elencadas.
Uma das postagens, da página da vereadora Priscila Costa, teve 1,5 mil compartilhamentos no Facebook. Postada no dia 31 de janeiro, uma publicação da deputada federal Bia Kicis (PSL), em referência ao mesmo conteúdo, teve quase 10 mil interações no Twitter até o fechamento desta verificação.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
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