O discurso negacionista do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na epidemia do coronavírus pode ter contribuído para matar principalmente seus eleitores.
Em praticamente todas as ocasiões em que o presidente minimizou a pandemia, a taxa de isolamento social no Brasil diminuiu e mais pessoas morreram, proporcionalmente, nos municípios que mais votaram em Bolsonaro em 2018.
A conclusão é do estudo "Ideologia, isolamento e morte: uma análise dos efeitos do bolsonarismo na pandemia de Covid-19", de quatro pesquisadores da Universidade Federal do ABC (UFABC), da Fundação Getúlio Vargas e da Universidade de São Paulo.
O trabalho sustenta que a votação do presidente no primeiro turno, por município, tem correlação negativa com a taxa de isolamento; e correlação positiva com mortes por Covid-19.
Em resumo, onde Bolsonaro teve mais votos, o isolamento tem sido menor e o número de óbitos, maior.
É como se, com seu discurso, Bolsonaro tivesse levado seus eleitores ao abatedouro", diz um dos autores do trabalho, Ivan Filipe Fernandes, doutor em Ciência Política pela USP e professor da UFABC.
"Não conseguimos estimar quantas pessoas morreram a mais por conta das falas do presidente, mas certamente teríamos menos óbitos, principalmente entre seus apoiadores, se ele tivesse agido de forma diferente."
A pesquisa levou em conta as ocasiões em que Bolsonaro fez afirmações contrárias à ameaça da Covid-19 (como quando falou em "gripezinha") e seus efeitos sobre o isolamento social, monitorado a partir dos dados de georrefenciamento de telefones celulares captados em todos os estados pela empresa Inloco.
A cada vez que Bolsonaro minimizou a pandemia, foram registradas quedas significativas nas taxas de isolamento social em todos os estados sem exceção.
Esses resultados foram cruzados com a votação do presidente no primeiro turno de 2018 e com o número de mortes acumuladas por município, revelando que os óbitos foram maiores onde o presidente conquistou mais votos.
Para reforçar os achados, além dos votos no presidente em 2018, o levantamento analisou os efeitos diretos sobre mortes das votações de José Serra (PSDB), em 2010, e Aécio Neves (PSDB), em 2014. Mas a correlação positiva só foi encontrada em relação à eleição de dois anos atrás que levou Bolsonaro à presidência.
Um cruzamento adicional mostra ainda que a adesão ao isolamento social foi menor nos municípios em que o presidente teve votações mais expressivas.
As conclusões de Ivan Fernandes e seus colegas no trabalho ainda não publicado em revista de referência, nem submetido a revisão por pares são reforçadas por um outro levantamento realizado pelo cientista político Carlos Pereira, professor da FGV.
Em suas pesquisas, Pereira constatou que o apoio ao isolamento social diminuiu entre os eleitores identificados como de direita à medida em que a epidemia foi se tornando mais grave no Brasil.
Numa primeira rodada de entrevistas com esse tipo de eleitor, entre o fim de março e o começo de abril, 59% apoiavam o isolamento para combater a expansão da epidemia.
Em uma segunda vez em que os eleitores de direita foram questionados, entre o fim de maio e o começo de junho (após a maioria das declarações do presidente), o apoio ao isolamento havia caído para 41%.
Pereira afirma que há dois tipos de eleitores de direita identificados com Bolsonaro: 1) os identitários, mais coesos e que apoiam o discurso conservador do presidente; e 2) os pragmáticos, circunstancialmente favoráveis desde que sejam tocadas as agendas econômica e de combate à corrupção.
"É sobretudo entre os identitários que figuram os eleitores mais propensos a negligenciar o isolamento social", diz o cientista político.
Segundo Pereira, o impacto substantivo de ser conservador é maior até que o medo da morte entre esses eleitores. "Ter proximidade com alguém que morreu por Covid-19 reduz em torno de 20% as chances do eleitor de direita votar em Bolsonaro. Mas possuir a identidade conservadora com o presidente pode garantir quase 90% de apoio desse eleitor à sua reeleição em 2022."?
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