Uma casa do presidente Jair Bolsonaro constou no cadastro da Receita Federal ou da Câmara Municipal do Rio de Janeiro de quatro pessoas suspeitas de serem "funcionárias fantasmas" do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).
À época em que morava no local, Bolsonaro estava casado com a advogada Ana Cristina Siqueira Valle, investigada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro sob suspeita de ser a articuladora de um esquema de "rachadinha" no gabinete do vereador.
O endereço cadastrado na Receita e na Câmara é o local para onde são encaminhadas eventuais comunicações fiscais e administrativas dos funcionários de Carlos.
A informação sobre o endereço dos supostos "funcionários fantasmas" consta nos autos da investigação do MP-RJ que levou à quebra de sigilo bancário do vereador, da ex-mulher do presidente e de outras 25 pessoas e sete empresas.
A suspeita dos promotores é a de que Carlos mantinha em seu gabinete um esquema semelhante ao atribuído ao senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), pelo qual foi denunciado sob acusação de liderar uma organização criminosa, lavagem de dinheiro, peculato e apropriação indébita.
Procurada, a Secretaria de Comunicação da Presidência não respondeu ao contato da reportagem. Carlos afirmou, quando a quebra de sigilo foi divulgada, que a apuração se tratava de "fatos requentados". A defesa de Ana Cristina não se pronunciou.
A antiga casa de Bolsonaro que consta nos endereços dos ex-servidores fica na rua Professor Maurice Assuf, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro.
O imóvel foi adquirido pelo presidente e Ana Cristina em 2002. Ele se tornou propriedade de Bolsonaro em 2008 após a separação dos dois, e foi vendido no ano seguinte.
O presidente declarou morar no endereço ao menos em duas oportunidades, em 2002 e 2006. No primeiro caso, o endereço consta numa escritura de compra de terreno em Resende, também com Ana Cristina. No segundo, na prestação de contas de campanha à Justiça Eleitoral na eleição daquele ano.
De acordo com o MP-RJ, esse mesmo endereço consta nos cadastros de Gilmar Marques (ex-cunhado de Ana Cristina), André Luís Procópio (irmão de Ana Cristina), Andrea Siqueira Valle (irmã de Ana Cristina) e Marta da Silva Valle (cunhada de Ana Cristina).
Todos estiveram lotados no gabinete em período semelhante ao que Bolsonaro e Ana Cristina viveram na casa.
No caso de André Luís, o endereço aparece tanto no cadastro da Receita como da Câmara Municipal, de acordo com os dados a que o MP-RJ teve acesso.
A antiga casa do presidente aparece nas informações fiscais de Gilmar. Já no caso de Andrea e Marta, aparece nos dados da Câmara.
Apesar de lotados na Câmara Municipal, os quatro moravam fora do Rio de Janeiro, segundo o MP-RJ. O MP-RJ também aponta o fato dos quatro terem sido alvos de reportagens da revista Época que indicavam os servidores como fantasmas por terem uma rotina distante da Câmara Municipal.
André Luís e Andrea viviam em Resende, segundo dados de outros cadastros. O primeiro esteve lotado no gabinete de Carlos entre 2001 e 2008 (com um intervalo de um ano fora entre 2005 e 2006) e a segunda, de 2006 a 2008.
Gilmar e Marta viviam em cidades de Minas Gerais, de acordo com informações coletadas pelos promotores. Ele estava nomeado na Câmara entre 2001 e 2008 e ela, de 2001 a 2009.
Em maio, a 1ª Vara Criminal Especializada autorizou a quebra de sigilo bancário e fiscal de Carlos, outras 26 pessoas e sete empresas ligadas a Ana Cristina.
A investigação foi aberta em junho de 2019 depois de notícias sobre funcionários lotados no gabinete de Carlos que aparentemente não prestavam serviço para o vereador. O jornal Folha de S.Paulo revelou dois desses casos.
Em abril, a reportagem descobriu que Carlos empregou até janeiro uma idosa que mora em Magé, município a 50 km do centro do Rio. Nadir Barbosa Goes, 70, negou à Folha de S.Paulo que tenha trabalhado para o vereador. Ela recebia, como oficial de gabinete, uma remuneração de R$ 4.271 mensais.
Outra funcionária suspeita de ser fantasma revelada pela Folha de S.Paulo foi Cileide Barbosa Mendes, 43, espécie de faz-tudo da família Bolsonaro.
Enquanto esteve lotada no gabinete de Carlos, ela apareceu como responsável pela abertura de três empresas nas quais utilizou como endereço o escritório do hoje presidente Jair Bolsonaro.
Na prática, porém, ela era apenas laranja de um tenente-coronel do Exército -ex-marido da segunda mulher de Bolsonaro- que não podia mantê-la registrada no nome dele como militar da ativa.
Após ter sido babá de um filho de Ana Cristina Valle (que foi companheira de Bolsonaro e é mãe também de Renan, filho dele), Cileide foi nomeada em janeiro de 2001 no gabinete de Carlos, que era vereador recém-eleito. Novato na política, Carlos tinha 18 anos na época.
Envolvidos não comentam o caso A Presidência da República e as defesa de Carlos Bolsonaro e Ana Cristina Siqueira Valle não retornaram às chamadas da reportagem.
No dia 1º de setembro, um dia após a quebra de sigilo ser divulgada, o vereador afirmou em suas redes sociais que fatos antigos foram "requentados".
"Na falta de fatos novos, requentam os velhos que obviamente não chegaram a lugar nenhum e trocam a embalagem para empurrar adiante a narrativa. Aos perdedores, frustrados por não ser o que sempre foram, restou apenas manipular e mentir. É o que mais acusam e o que mais fazem!", escreveu o filho do presidente.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta