As Forças Armadas reservaram para suas despesas R$ 21,7 milhões da quantia destinada à compra e à distribuição de vacinas contra a Covid-19. Desse total, R$ 5,5 milhões foram efetivamente gastos até agora, principalmente nos meses de julho e agosto. Os dados são do portal da transparência do governo federal.
Este uso dos recursos da imunização levou o TCU (Tribunal de Contas da União) a abrir um processo para investigar indícios de irregularidades.
O plenário do órgão determinou a abertura do processo na última quarta-feira (13). O relator da proposta foi o ministro Bruno Dantas.
Para usar o dinheiro voltado à vacinação, as Forças Armadas fazem uso de uma parceria estabelecida entre os Ministérios da Saúde e da Defesa. As duas pastas assinaram um TED (termo de execução descentralizada), que permite que a Saúde abra mão de recursos à Defesa, para que os militares auxiliem na logística da imunização.
Indícios de irregularidades no uso desses recursos entraram no radar da CPI da Covid no Senado e do TCU. O TED prevê repasses de R$ 95 milhões à Defesa.
O responsável pela parceria foi o coronel do Exército Elcio Franco Filho, que exercia o cargo de secretário-executivo do Ministério da Saúde. Ele era o braço direito do general da ativa Eduardo Pazuello, ministro da Saúde até março deste ano. Os dois foram demitidos, e hoje estão abrigados em cargos de confiança no Palácio do Planalto.
Elcio assinou o TED pelo Ministério da Saúde, em 19 de janeiro. No mês anterior, em dezembro de 2020, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) havia assinado uma MP (medida provisória) para liberar R$ 20 bilhões para compra de vacinas contra a Covid-19.
Os R$ 95 milhões do TED são provenientes dos recursos destravados pela MP para compra e distribuição de imunizantes, como confirmou o Ministério da Saúde.
Na atual gestão de Marcelo Queiroga na Saúde, um aditivo prorrogou a parceria até janeiro de 2022 - antes, o prazo previsto era até novembro de 2021. Os termos do TED, porém, permitem que ele funcione por até cinco anos.
Uma reportagem publicada em 1º de maio pela Folha deu detalhes sobre os primeiros gastos das Forças Armadas após a militarização de parte da vacinação contra a Covid-19.
O dinheiro da vacina foi usado principalmente para manutenção e reparação de carros e aeronaves, assim como na compra de combustível. Uma parte dos recursos foi destinada à compra de material aos hospitais militares, de uso exclusivo de integrantes das Forças; à compra de medicamento sem eficácia para Covid-19; e a ações sigilosas de inteligência do Exército.
Na ocasião, o Exército afirmou ter feito atividades de inteligência de reconhecimento de itinerários e levantamento de áreas de risco ao material e ao pessoal empregado na vacinação.
O Ministério da Defesa afirmou, também naquele momento, que os grupos indígenas em localidades de difícil acesso eram os principais atendidos com o suporte à vacinação.
Diante da abertura de um processo pelo TCU, referente à descentralização de recursos que contempla a Defesa, a Folha voltou a questionar o ministério sobre os gastos feitos. Emails foram enviados na sexta-feira (15), mas não houve resposta.
O Ministério da Saúde diz que o dinheiro não pode ser usado para finalidades não previstas no TED.
Aos militares cabe a "prestação de apoio às ações que forem julgadas necessárias para a vacinação da população brasileira contra a Covid-19", como consta no documento assinado pelas duas partes.
"Verificou-se a necessidade de realizar diligências com a finalidade de esclarecer fatos acerca de indícios de irregularidade na descentralização de recursos do Ministério da Saúde, destinados ao enfrentamento da pandemia, para execução de ações de saúde pelo Ministério da Defesa", afirma o relatório técnico do TCU, que embasou a decisão em plenário pela abertura de um processo à parte.
As transferências de dotações orçamentárias, que visam ao ressarcimento de despesas em favor da Defesa, são as que exigem "avaliação mais aprofundada", conforme o relatório.
Os auditores vão analisar se houve afronta a artigo da Constituição Federal que veda transferência de recursos de um programa para outro, ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa.
"O tema não fica adstrito às ações implementadas visando ao enfrentamento da pandemia em 2020 e 2021. A análise dessa matéria pode estabelecer balizas para as referidas descentralizações orçamentárias em toda a administração federal. A demanda exige apuração e apreciação em processo autônomo", afirma o relatório técnico do TCU, corroborado pelos ministros em plenário.
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