O presidente Jair Bolsonaro se isolou ainda mais na crise do coronavírus. Desde que a calamidade pública começou a assombrar o dia a dia da população, Bolsonaro deu mais poder ao "gabinete do ódio", núcleo ideológico que o incentiva a adotar um estilo mais beligerante, atacou governadores e a imprensa e desautorizou o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.
Diante da pandemia, o presidente nem cogitou a possibilidade de convocar o Conselho da República. Em conversas reservadas, ele chegou a dizer que não vai ficar "refém" de conselhos existentes no governo.
Uma foto que circula nas redes sociais sob o título "Modelo de Comunicação Institucional" mostra Bolsonaro de bermuda nos jardins do Palácio da Alvorada, em posição de "pronunciamento", na frente dos três filhos parlamentares.
Sem camisa, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC), uma espécie de gerente do "gabinete do ódio", e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), também de bermuda, gravam o pai pelo celular. Com as mãos no bolso, o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), filho "zero um", acompanha a cena, mas não participa da filmagem.
Na prática, o núcleo que ficou conhecido como "gabinete do ódio" virou o Conselho da República de Bolsonaro. O bunker ideológico, que já deixou digitais na queda de popularidade do presidente, é composto por seguidores do escritor Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo, e vive em confronto com generais do governo.
Defensores da pauta de costumes e de uma estratégia de guerra, integrantes desse grupo trabalham no terceiro andar do Planalto, a poucos metros de Bolsonaro. Produzem "artilharia pesada" para mídias digitais, além de conteúdos para pronunciamentos do presidente, como o da noite de anteontem, quando ele criticou o fechamento de escolas para combater a pandemia e o confinamento em massa. Seus alvos preferenciais são o Congresso, o Supremo Tribunal Federal (STF), governadores e a imprensa.
Enquanto isso, o Conselho da República, previsto na Constituição, continua esquecido. O colegiado de consulta do presidente já foi acionado por outros chefes do Executivo em situações de crise. O então presidente Michel Temer convocou o Conselho da República, em 2018, para discutir a intervenção federal na segurança pública do Rio.
As atribuições desse núcleo de assessoramento do chefe do Executivo incluem manifestações sobre casos de intervenção federal, estado de defesa e de sítio e temas considerados relevantes para a estabilidade das instituições democráticas. Compõem o colegiado o vice-presidente da República, os presidentes da Câmara e do Senado, os líderes da Maioria e da Minoria das duas Casas e o ministro da Justiça. Além disso, pela lei, seis brasileiros natos, com mais de 35 anos, devem fazer parte do Conselho da República.
Bolsonaro, no entanto, nunca gostou desses grupos de aconselhamento do governo. "Como regra, a gente não pode ter conselho que não decide nada. Dada a quantidade de pessoas envolvidas, a decisão é quase impossível de ser tomada", disse ele, em julho do ano passado, ao anunciar que pretendia enxugar vários conselhos de políticas públicas, como o de combate a drogas.
Em um passado não muito distante, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, então presidentes, recebiam no Alvorada ministros do Supremo para trocar ideias, quando enfrentavam turbulências e crises agudas. Fernando Henrique gostava de tomar diariamente a temperatura política em reuniões com o comando do Congresso.
Na noite de anteontem, em mensagem no Twitter, FHC afirmou que Bolsonaro passou dos limites ao fazer um pronunciamento na contramão das recomendações de infectologistas e até do ministro da Saúde. "O momento é grave, não cabe politizar (...). Se não calar estará preparando o fim. E é melhor o dele que de todo o povo. Melhor é que se emende e cale", escreveu o ex-presidente. Foi uma referência indireta à pergunta "Por que não te calas?", feita em 2007 pelo rei Juan Carlos, da Espanha, ao então presidente da Venezuela, Hugo Chávez, morto seis anos depois.
Até aliados de primeira hora do Planalto, como o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, do DEM, mesmo partido do ministro Mandetta, avaliam agora que Bolsonaro está perdido. Depois do pronunciamento e de suas últimas declarações, sugerindo que apenas idosos fiquem fora do convívio social porque, se o desemprego se agravar, o País pode "sair da normalidade democrática", as cúpulas do Congresso e do Poder Judiciário não esconderam a perplexidade.
Há, nos bastidores, muitas conversas entre os Poderes, na tentativa de encontrar soluções. "As agruras da crise, por mais árduas que sejam, não sustentam o luxo da insensatez", afirmou no Twitter o ministro do Supremo Gilmar Mendes.
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