O atraso do governo na divulgação de estatísticas da Covid-19 e a sonegação de informações sobre os dados da doença no Brasil podem configurar ato de improbidade administrativa e até a prática de crime de responsabilidade por Jair Bolsonaro, afirmam a ONG Transparência Brasil, especialistas e partidos políticos de oposição.
Depois de o país bater recorde na quantidade diária de mortes pela doença, o governo restringiu os números e anunciou a revisão da metodologia usada para compilar mortos, infectados e curados.
Após forte reação de especialistas, políticos e integrantes do Judiciário, o Ministério da Saúde recuou e distribuiu uma nota à imprensa na noite deste domingo (7) afirmando que está finalizando plataforma com os dados do Brasil, estados, capitais e regiões metropolitanas, "com os respectivos gráficos de evolução diária dos novos registros".
A pasta promete colocar no ar, nos próximos dias, uma página interativa. "Assim, será possível acompanhar com maior precisão a dinâmica da doença no país e ajustar as ações do poder público diante a cada momento da resposta brasileira à doença."
O Brasil registrou 904 novas vítimas no sábado (6). O total de mortes é de 35.930, segundo o Ministério da Saúde. O número de infectados também cresceu, passando de 645.771 para 672.846 casos.
O governo havia anunciado que pretendia divulgar somente as mortes ocorridas nas 24 horas anteriores e não mais o total de óbitos acumulados, o que poderia levar à situação de mortes ocorridas em outras datas, com confirmação posterior, não serem mais contadas pelo governo.
Essas medidas têm potencial para violar os princípios constitucionais da impessoalidade, da publicidade e da eficiência. A Transparência Brasil alerta para transgressão ao artigo 5º da Constituição, que prevê as garantias individuais dos cidadãos e estabelece que "todos têm direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo geral".
Bolsonaro pode responder por violar a Lei de Acesso à Informação, a Lei de Medidas a Emergência em Saúde e ser enquadrado na Lei de Improbidade Administrativa.
Desde sexta-feira (5), o Ministério da Saúde não informa mais o total de casos confirmados da Covid-19. O número de casos suspeitos, mas ainda em investigação, também deixou de ser divulgado.
Em nota republicada por Bolsonaro em rede social, o ministério afirmou o modelo anterior não retratava o "momento do país", além de não indicar que a maior parcela dos infectados já não está mais com a doença.
O PC do B, o PSOL e Rede apresentaram ação ao Supremo Tribunal Federal em que alegam violação aos direitos fundamentais à vida e à saúde.
"O que sobra do núcleo fundamental do direito social à saúde se o próprio mandatário primeiro do governo federal parece brincar com a saúde da população brasileira, ao esconder dados da pandemia? Com a devida vênia, parece que nada. Ou seja, o Estado está afastando por completo o direito à saúde da população do Brasil por questões de convicção meramente pessoal e, diga-se, irracional", afirmam as siglas.
A Lei de Acesso à Informação estabelece como obrigação do Estado promover, "independentemente de requerimento, a divulgação em local de fácil acesso de informações de interesse coletivo ou geral".
A Transparência Brasil também afirma que Bolsonaro não respeita nem lei sancionada por ele mesmo para disciplinar medidas de enfrentamento ao novo coronavírus.
A norma publicada em 6 de fevereiro determina que o "Ministério da Saúde manterá dados públicos e atualizados sobre os casos confirmados, suspeitos e em investigação, relativos à situação de emergência pública sanitária, resguardando o direito ao sigilo das informações pessoais".
A entidade ainda alerta que o chefe do Executivo deve responder pelo dispositivo da Lei da Improbidade Administrativa que prevê punição a quem negar publicidade a atos oficiais ou retardar algum ato legal.
O professor e doutor em Direito Constitucional Ademar Borges salienta que é impossível o controle social de políticas públicas previsto na Constituição quando há omissão de "dados relevantíssimos".
"A configuração desses fatos como improbidade é até conservadora. A questão pode chegar até ao âmbito penal caso haja uma determinação judicial clara para fornecimento de dados desrespeitada. Nessa situação, haveria risco de cometimento de crime de desobediência", analisa.
Borges avalia que Bolsonaro pode responder, também, por crime de responsabilidade. "O envolvimento pessoal e doloso do presidente em orientar essa violação à lei em relação aos números é uma hipótese. Além disso, quando menos, o atual cenário já pode configurar violação a uma série de direitos fundamentais, e a violação desses direitos já é uma das modalidades de crime de responsabilidade", diz.
O professor afirma, ainda, que a omissão de dados é uma das principais características de regimes autoritários. A omissão de dados também torna incoerente a crítica de integrantes do atual governo a regimes autoritários de esquerda, segundo Borges.
"Tradicionalmente aqui no Brasil os partidos de centro e de centro-direita fazem uma crítica justíssima a regime autoritário na Venezuela em relação ao fato de que informações de interesse público são omitidas ou manipuladas."
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