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Governo Bolsonaro pede investigação de médicos que realizaram aborto legal em criança estuprada

Governo Bolsonaro pede investigação de médicos que realizaram aborto legal em criança estuprada

Conselho Regional de Medicina do Estado recebeu o pedido do governo Federal no dia 27 de junho, cinco dias após a realização do procedimento médico, e informou que investiga o caso

Publicado em 15 de julho de 2022 às 19:17

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Dois dias após a descoberta da gravidez, a menina foi levada ao hospital pela mãe para realizar aborto legal
Dois dias após a descoberta da gravidez, a menina foi levada ao hospital pela mãe para realizar aborto legal. (Shutterstock)

O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos pediu uma investigação contra a equipe médica que realizou o aborto legal na menina de 11 anos vítima de um estupro em Santa Catarina.

O Conselho Regional de Medicina (CRM) do estado recebeu o pedido do governo federal no dia 27 de junho, cinco dias após a realização do procedimento médico, e informou que investiga o caso.

O ministério alega que o "pedido de apuração sobre o caso partiu da própria população" porque a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos recebeu mais de 300 denúncias por meio do Disque 100 entre os dias 23 e 24 de junho. A informação foi revelada pela GloboNews e confirmada pela reportagem.

O presidente da Comissão Nacional Especializada de Violência Sexual e Aborto Previsto em Lei da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, Robinson Dias, afirma que não há crime para ser investigado.

No caso da menina de Santa Catarina, a interrupção da gravidez estava respaldada não só pela lei, que garante o direito ao aborto quando a pessoa é vítima de estupro, mas também pela recomendação do Ministério Público Federal (MPF) para que o hospital realizasse o procedimento.

Para Dias, a iniciativa do Ministério da Mulher é "absurda" e, na prática, deixa os profissionais de saúde inseguros, inibindo o cumprimento da lei e do dever médico.

"Nós estamos estupefatos. Não achamos que seja uma ação que venha a somar, pelo contrário. Para a gente, soa como proselitismo religioso, fundamentalista, de interesse eleitoreiro. É como se quisessem chamar atenção para uma pauta antiaborto com fins eleitorais."

O CRM-SC disse que a apuração começou "antes até da interrupção da gravidez", mas não explicou por que a conduta da equipe médica precisa ser investigada.

"A autarquia federal é impossibilitada de comentar fatos que esteja apurando porque os processos são obrigatoriamente sigilosos, conforme determina o Código de Processo Ético-Profissional. O CRM-SC recebeu o ofício do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, no dia 27 de junho, porém a apuração já havia iniciado antes disso e antes até da interrupção da gravidez.", afirmou o conselho em nota.

O Ministério da Mulher disse que também acionou "os órgãos do sistema de Justiça". O Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC) e o MPF afirmam, no entanto, que não foram procurados pela pasta.

"A Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, em sua missão, não faz juízo de valor sobre a informação apresentada pelo cidadão. Nesta linha, oficiou aos órgãos responsáveis de acordo com a demanda apresentada pelos denunciantes, como é de praxe", afirmou o Ministério da Mulher.

"Todos os procedimentos de apuração e investigação são prerrogativas constitucionais e democráticas para todos os envolvidos, tendo em vista ser este espaço, o da apuração, o adequado para a apresentação de evidência, expostas à ampla defesa e o contraditório. Rechaçamos qualquer tentativa de colocar esta pasta contra a classe médica, integrante do Sistema de Garantia de Direitos e parceira deste ministério, ou qualquer outro segmento profissional."

A criança só conseguiu interromper a gravidez depois que o caso foi revelado pelo site The Intercept Brasil, no mês passado, e o MPF enviou uma recomendação ao hospital ligado à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis.

Antes disso, a menina foi afastada da mãe e induzida a desistir do procedimento. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Corregedoria-Geral da Justiça do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) apuram a conduta da juíza Joana Ribeiro Zimmer. A magistrada perguntou à vítima se ela "suportaria" manter a gravidez "mais um pouquinho".

A promotora do Ministério Público catarinense Mirela Dutra Alberton, segundo o Intercept, também sugeriu que a menina mantivesse a gestação para aumentar as chances de vida do feto. Depois do aborto, ela solicitou os restos mortais para uma investigação sobre a causa da morte.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) disse que o caso era "sensível" e que o aborto só agravava ainda mais a tragédia. "Um bebê de sete meses de gestação, não se discute a forma que ele foi gerado, se está amparada ou não pela lei. É inadmissível falar em tirar a vida desse ser indefeso", publicou em uma rede social.

Essa não é a primeira investida do Ministério da Mulher contra um caso de aborto legal. Em 2020, como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, a então ministra da Mulher Damares Alves agiu nos bastidores para tentar impedir que uma menina do Espírito Santo de 10 anos vítima de estupro fosse submetida ao procedimento.

A operação coordenada pela ministra tinha como objetivo transferir a criança de São Mateus (ES), onde vivia, para um hospital em Jacareí (SP), onde aguardaria a evolução da gestação. A menina engravidou depois de quatro anos de abusos por parte do tio.

O aborto é autorizado em três casos no Brasil: gravidez decorrente de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia do feto.

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