O governo federal excluiu os dados sobre violência policial no relatório anual do Disque 100, serviço telefônico ligado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos para denúncias de violações de direitos humanos. O subprocurador-geral da República, Domingos Silveira, coordenador da 7.ª Câmara de Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional do Ministério Público Federal (MPF), afirmou ao Estadão que a exclusão é "absolutamente descabida". Segundo ele, o órgão do MPF irá oficiar hoje a pasta chefiada pela ministra Damares Alves pedindo explicações.
Silveira já foi responsável pela supervisão do Disque 100 em 2011, quando esteve à frente da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, à qual o serviço estava ligado. Destacou que os dados de violência policial nunca deixaram de ser divulgados.
"O Disque 100 é o call center de denúncia de direitos humanos. É uma forma de medir, com dados globais, a sensibilidade da sociedade em relação às violências, incluindo a policial. É descabido quando se levantam elementos de ordem formal, consistência (para não divulgar dados). Um papel de órgãos de ouvidoria não é de verificar; isso cabe à corregedoria, Polícia, MP e Justiça", disse.
O coordenador da Câmara de Controle Externo da Atividade Policial criticou a argumentação do ministério para a imprensa de que a retirada dos dados se deu por "inconsistências". Segundo Silveira, se o problema fosse metodológico, para corrigir inconsistências, a exclusão temporária dos dados deveria valer para todo o relatório, e não apenas sobre as partes que tratam de violência policial.
Segundo o subprocurador-geral, a violência policial se torna ainda mais grave quando as informações sobre ela são "obscurecida". "Quando se tem a notícia através de canal oficial, que é o Disque 100, e essa notícia é silenciada, temos o próprio governo contribuindo para a violência policial. É muito grave."
A exclusão dos dados, segundo ele, é ainda mais preocupante em um momento no qual o mundo inteiro debate intensamente o tema da violência policial, na esteira dos protestos contra o racismo iniciados nos EUA após a morte de George Floyd, homem negro, por um policial branco. "O mais triste é que essa é a resposta aos Estados brasileiros num momento em que o mundo está refletindo sobre como atenuar a violência policial, que é uma chaga no planeta. A resposta do Estado brasileiro foi esconder", criticou
O relatório anual do Disque 100 vinha mostrando aumentos nas denúncias de violência policial. Em 2016, houve 1.009 registros. Em 2017, o número aumentou 30%, para 1.319. Os dados em 2018 apontaram nova elevação, de 24%, para 1.637. Os dados do Disque 100 são usados para orientar o desenvolvimento de políticas públicas, bem como verificar a eficácia das políticas em andamento. "É um espaço onde se ouve o gemido da dor da população que sofre as diversas violências. Por isso, ele tem sido avaliado para comparar a situação de um lugar para o outro. É um indicador nacional para a violência", disse o subprocurador-geral.
As denúncias motivam apuração de má conduta de policiais no Brasil. Após serem recebidas, devem ser enviadas para rede de apoio e verificação. "Cada denúncia deve ser comunicada ao MP e à corregedoria da PM. Isso faz com que órgãos se movimentem. Não se pode jogar sombra sobre esses dados", diz Silveira. O Ministério foi procurado, mas não se manifestou.
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