MANAUS, AM - As ações de emergência em saúde na terra yanomami foram incapazes de conter os surtos de malária entre os indígenas – a proliferação da doença está diretamente relacionada à retomada de espaços por garimpeiros ilegais. Em um único mês, dezembro de 2023, foram notificados 4,7 mil casos, o que equivale a 151 casos por dia, em média.
A informação aparece no relatório mais recente do COE (Centro de Operação de Emergências) Yanomami, vinculado ao Ministério da Saúde. O documento foi divulgado na noite desta quinta-feira (22), com informações sobre mortes e incidências de doenças em todo o ano de 2023 – o relatório mais recente trazia dados de janeiro a novembro.
É nesse boletim que o Ministério da Saúde aponta a ocorrência de 363 óbitos de yanomamis em 2023, primeiro ano do governo Lula (PT) e primeiro ano da emergência em saúde pública no território, declarada em 20 de janeiro do ano passado.
A quantidade de mortes é maior do que as notificações em 2022, o último ano do governo Jair Bolsonaro (PL), que estimulava invasões de garimpeiros – havia cerca de 20 mil invasores no território naquele ano.
Em 2022, foram 343 registros de óbitos. Profissionais de saúde não comparam os dois dados em razão da subnotificação elevada de casos nos últimos anos da gestão de Bolsonaro.
Profissionais da linha de frente dos atendimentos na terra yanomami dizem desconhecer regiões do país com tanta incidência de malária. A doença é uma tragédia para a saúde dos indígenas e para o modo de vida nas comunidades, com reflexo direto na obtenção de alimentos.
São comuns malárias sucessivas, e associação da enfermidade a desnutrição e a doenças conectadas com a fome, como pneumonia e diarreia, tudo ao mesmo tempo. O corpo perde disposição física para o trabalho na roça, alimentando o ciclo da fome.
Quadros graves de malária e a incidência reiterada da doença levam a danos severos no fígado. Muitos indígenas com esse quadro precisam de atendimento médico em hospitais em Boa Vista (RR), cidade distante a uma ou duas horas, por via área, de comunidades do território tradicional.
A atividade predatória do garimpo amplia criadouros do mosquito transmissor da malária e a circulação de hospedeiros – ora os garimpeiros, ora os próprios indígenas, que têm o hábito de se deslocar pelo território, inclusive por áreas tomadas por invasores.
Em 2023, segundo o boletim do COE, foram registrados 29.900 casos de malária. Desse total, 4.696 notificações foram acrescidas somente no mês de dezembro.
Em algumas regiões do território, a predominância dos casos foi da forma mais grave da doença, chamada de falciparum, o nome do protozoário do gênero Plasmodium – Plasmodium falciparum – mais temido na região.
Com a falciparum, sempre existe emergência médica, diante do risco de evolução para situações graves em poucos dias, conforme protocolos da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).
No polo de saúde de Auaris, a região mais distante do território, colada na Venezuela, houve 7.899 casos positivos em 2023. Profissionais de saúde consideram que todos os 4.740 indígenas de Auaris contraíram malária no ano passado.
Em Surucucu, outro epicentro da crise humanitária dos yanomamis, os casos positivos de malária somaram 2.130 em um ano. Somente em dezembro, foram 863 notificações a mais. Na região vivem 2.826 indígenas.
O COE Yanomami afirma no relatório que o número de casos pode apresentar variações significativas em razão da logística para o retorno das fichas de notificação e inclusão no sistema de vigilância. A terra yanomami é a maior do país, e tem difícil acesso, feito basicamente por ar.
Segundo o documento, o governo ampliou a distribuição de medicamentos para combater a malária, com mais de 1 milhão de unidades em 2023. Também houve ampliação de exames – 118.193 – e de buscas ativas dos casos – 94.207.
O boletim do COE aponta ainda 7.104 casos de síndrome respiratória aguda grave em 2023, dos quais 1.506 somente em dezembro. Os casos de diarreia aguda, que acomete principalmente crianças, somaram 10.461, sendo 911 no último mês do ano.
O relatório omite a faixa etária dos indígenas que morreram e as causas dos óbitos.
No boletim que compilou dados até novembro, e que registrou 308 óbitos, há detalhamento de idades e causas. Mais da metade dos óbitos foi de crianças de até quatro anos. Entre as causas principais das mortes estão pneumonia, diarreia, malária e desnutrição.
O governo Lula afirmou que ampliou de 690 para 1.058 o número de profissionais no território e que aumentou de 9 para 28 os profissionais do Mais Médicos. Além disso, foram realizadas 3.407 remoções de indígenas para atendimento médico, recuperação nutricional de 400 crianças e aplicação de 59 mil doses de vacinas, disse.
O governo promete iniciar a construção de um hospital indígena em Boa Vista. "Estamos buscando esse diálogo com a própria população indígena para desenvolver um projeto", disse o secretário de Saúde Indígena do Ministério da Saúde, Weibe Tapeba. Também haverá a construção ou reforma de 22 unidades básicas, segundo ele.
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