SÃO PAULO - A pandemia da Covid, embora ainda seja responsável por cerca de cem mortes por dia, parece estar cada vez mais próxima dos seus dias finais.
O convívio com o coronavírus, ao que tudo indica, está perto de uma situação de equilíbrio, quando o número de novos casos se aproxima do patamar conhecido para outros vírus respiratórios, como gripe e vírus sincicial respiratório (VSR). Isso não significa, no entanto, que já estamos completamente livres do vírus.
A onda de frio fora de época em boa parte da região Sudeste do país tem provocado novos casos de gripe que já levaram à lotação de hospitais. Além disso, boa parte da população mais jovem, incluindo as crianças com menos de 5 anos, ainda não foi vacinada contra a Covid.
Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, a nova onda de resfriados e gripes é causada em grande parte por influenza A H3N2 (vírus da gripe), que apresentou um período de sazonalidade diferente neste ano, em consequência da própria pandemia da Covid.
"Estamos provavelmente no melhor período de convívio com o coronavírus e. por isso mesmo, com o relaxamento das medidas, volta às aulas e volta de aglomerações, o influenza está circulando bastante, aliado a uma baixa cobertura da vacina contra gripe", explica o pediatra e diretor de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, Renato Kfouri.
Nesse cenário, os sintomas de gripe e Covid podem se confundir, especialmente nas pessoas que já receberam o esquema vacinal completo — hoje, considerado como três doses primárias de qualquer um dos imunizantes com duas doses ou duas doses da Janssen seguidas de reforço.
Veja abaixo quais são os principais sintomas de gripe e Covid, como se proteger e quais medidas tomar se você apresentar gripe ou resfriado por um dos vírus.
Segundo os especialistas, a diferenciação dos sintomas de gripe e Covid não é clara, especialmente em pessoas vacinadas. Em geral, os sintomas mais comuns da infecção pela variante ômicron do coronavírus são dor de garganta, dor de cabeça, coriza e fadiga (cansaço). Outros sintomas que podem aparecer são espirros, tosse, febre, dores no corpo e perda de olfato ou paladar, embora este último não seja mais tão comum quanto com as outras variantes do coronavírus.
Para Kfouri, os sintomas de gripe e Covid em pessoas vacinadas com pelo menos três doses são quase indistinguíveis. "Pode até ser que a influenza dê mais febre alta, chega com um mal-estar mais forte já no primeiro dia, enquanto a Covid demora de 1 a 3 dias para manifestar os sintomas, pode dar mais dor de garganta, perda de olfato. Mas a única maneira de diferenciar é com teste", explica.
Segundo o infectologista e diretor médico do Grupo Fleury, Celso Granato, a alta circulação do vírus influenza neste momento, especialmente em São Paulo, é refletida também nos exames laboratoriais. "Há duas, três semanas, quando ainda era o período do inverno, eram notificados dois, três casos de gripe por semana. Agora, na semana que passou, foram 1.480 casos, e na semana anterior, 1.577, ou seja, uma explosão", explica.
Para ele, a maior circulação do vírus da gripe pode indicar que a probabilidade de uma infecção hoje ser por influenza é maior do que pelo coronavírus, cuja positividade dos testes está em torno de 1,5% a 2%. "Mas ainda temos casos, embora muito menos do que no início do ano."
Para Raquel Stucchi, professora da Unicamp e membro da Sociedade Brasileira de Infectologia de São Paulo (SBI-SP), em um cenário ideal teria exame para influenza também na rede pública, mas a oferta é muito escassa. "Fazer o teste quando apresenta sintomas gripais para descartar ou não se é Covid é o primeiro passo", diz.
Granato, do Fleury, afirma que no caso das pessoas vacinadas com três ou mais doses, a infecção pela ômicron ainda pode ocorrer, especialmente porque as vacinas usadas até agora apresentam maior proteção para quadros moderados a graves, mas menor eficácia para impedir a entrada do vírus.
"Alguns estudos mostram que a proteção adicional de um reforço das vacinas atualizadas com a ômicron é um pouco maior para infecções leves. Será importante, no futuro, que vacinas inaláveis ou em spray nasal sejam aplicadas, pois elas agem para bloquear o vírus na sua porta de entrada, que são as vias respiratórias", afirma.
Já Kfouri explica que as vacinas que foram utilizadas em grande parte do mundo e no Brasil ainda mantêm proteção elevada contra os casos graves e moderados da Covid, mesmo com a ômicron, em torno de 80% a 90%, dependendo do imunizante. "Mas o que os estudos vêm nos mostrando é que após seis meses a proteção contra infecção é bem menor, em torno de 15% a 18%, e por isso as pessoas ainda podem se infectar com o vírus", diz.
Segundo Kfouri, a pandemia da Covid levou a uma mudança na chamada sazonalidade de todos os vírus respiratórios, incluindo influenza. Essa mudança pode ter sido em parte por as próprias medidas protetoras contra Covid terem barrado a circulação desses outros vírus nos dois primeiros anos da pandemia e também porque as chamadas imunidades coletivas acabaram atingidas — normalmente, o convívio com outras crianças leva tanto a novas infecções por vírus respiratórios como gera a chamada "imunidade de rebanho".
Por causa disso, os vírus passaram a circular com maior intensidade em períodos que não eram conhecidos em outros anos, como a epidemia de gripe que ocorreu em dezembro de 2021, em todo o país, e os novos surtos no final do inverno e início da primavera, período também de retorno às aulas presenciais, em São Paulo.
A avaliação de risco hoje, com a retirada das medidas de proteção de saúde pública, torna-se individual, dizem os especialistas.
Stucchi afirma que a retirada das medidas foi justificada pelo momento epidemiológico mais favorável, mas que ainda assim o uso máscaras em espaços fechados continua recomendável em determinadas situações. "Algumas pessoas que possuem doenças de base [como doenças cardíacas, pulmonares, diabetes, hipertensão, etc.] podem ter um quadro agravado por uma infecção viral mesmo vacinadas. Então nessas pessoas o uso das máscaras pode ser considerado a partir do risco de a infecção causar o que a gente chama de descompensação da doença de base", diz.
O uso de máscaras continua sendo uma barreira protetora para qualquer vírus respiratório, avalia Granato. "Para uma pessoa com maior risco, uma infecção gripal também não é algo positivo, pode evoluir para quadro grave, então essas pessoas podem continuar o uso de máscara se forem a algum supermercado lotado, utilizar o transporte público ou então estar em um local de alto risco, independente do vírus em circulação no momento", diz.
Segundo Kfouri, a proteção da vacina contra gripe é em torno de 40% e dura cerca de seis meses. Dessa forma, as pessoas que receberam o imunizante no começo do ano, após a epidemia do final de 2021, devem estar com uma proteção reduzida. "Ainda não é possível saber se a cepa que está em circulação agora ou a que será dominante na própria estação é a mesma da vacina que foi aplicada. Por isso, o melhor agora é aguardar e, nas pessoas com maior risco, manter alguns cuidados para evitar a infecção", diz.
Para Stucchi, o passo a passo caso apresente sinais de síndrome respiratória é primeiro, utilizar máscara para evitar a transmissão para outras pessoas; na sequência, o diagnóstico para confirmar ou descartar a infecção por coronavírus ou por outros vírus são passos importantes.
A infectologista reforça também que as faixas etárias dos dois extremos, isto é, tanto as crianças quanto os mais velhos, possuem maior risco de desenvolver quadro grave de gripe ou Covid, e que nelas a cobertura vacinal está abaixo do ideal.
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