A guinada dada por Jair Bolsonaro diante da pandemia do coronavírus foi gerada pelo receio de perder apoio do setor empresarial e de trabalhadores autônomos, pilares de sustentação de seu mandato.
O presidente começou a semana passada sinalizando uma trégua no embate com governos estaduais. No entanto, após ligações e vídeos de empresários e trabalhadores com queixas dos prejuízos com a política de isolamento, e da pressão em suas redes sociais, Bolsonaro radicalizou o discurso.
O flerte inicial com uma fala moderada foi costurado pela cúpula militar, em especial os ministros da Casa Civil, Walter Braga Netto, e da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos. Foi este último, por exemplo, quem marcou com os governadores conversas por teleconferência com o presidente, em um esforço de abrir um canal de diálogo.
A estratégia parecia ter sido bem-sucedida e recebera elogios até de deputados bolsonaristas, para os quais o momento era de baixar as armas e construir uma solução.
A cúpula militar, no entanto, não esperava o movimento casado dos filhos do presidente com o setor empresarial.
Desde o início da semana, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) vinha dialogando com empresários insatisfeitos com as medidas de isolamento adotadas nos estados.
As reclamações, segundo assessores palacianos, vinham sobretudo dos setores de varejo, logístico e agropecuário. Eles ameaçavam demitir se o resguardo se prolongasse.
Flávio fez chegar as reclamações ao pai. O recado implícito era o de que, caso Bolsonaro não se posicionasse ao lado do setor produtivo, ele corria o risco de perder o apoio de boa parcela dos empresários.
A pressão sobre o presidente foi feita por meio de uma enxurrada de ligações e vídeos de empresários e trabalhadores reclamando das consequências das restrições.
As queixas chegaram também pelas redes sociais, terreno que sensibiliza Bolsonaro.
Em um dos vídeos, caminhoneiros reclamavam de não ter comida na estrada porque os estabelecimentos estavam fechados. Diziam que seriam obrigados a voltar para casa. Em outra peça, agricultores aparecem em feiras jogando no chão legumes e frutas. "Todos os restaurantes estão fechados e não tem o que fazer", diz um feirante no vídeo.
Em paralelo, o gabinete digital da Presidência, sob a influência do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), constatou que o discurso ameno do presidente causou uma desmobilização de perfis de direita nas redes sociais, que passaram a defender menos o governo de ataques da esquerda.
A avaliação foi a de que, diante do clima de animosidade, era hora de orientar a militância digital apontando inimigos, no caso a imprensa e os governadores, mobilizando os eleitores fiéis a responderem às críticas contra o presidente.
A mudança de postura foi definida em uma reunião na tarde de terça (24), no Palácio do Planalto. No encontro, que teve as participações tanto de Flávio como de Carlos, o presidente começou a delinear o discurso que faria em rede nacional naquela noite. Nele, rompeu a linha da conciliação.
Para convencer o presidente, foram mostradas a ele previsões do desemprego nos EUA diante da pandemia.
Bolsonaro foi informado que a expectativa de integrantes do Federal Reserve de St. Louis, uma das instituições que compõem o Banco Central americano, é que o desemprego pode chegar a 30% no segundo semestre devido às paralisações.
No Brasil, na avaliação de ministros, o cenário pode ser pior. Isso gerou o receio de que o ônus das medidas adotadas pelos estados recaia sobre ele.
Antes de gravar o pronunciamento, Bolsonaro enviou o texto, de acordo com assessores presidenciais, para o secretário especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Nabhan Garcia. Ele queria a opinião de alguém com interlocução com o setor produtivo. De acordo com relatos, recebeu apoio.
O discurso teve repercussão negativa tanto no Legislativo como no Judiciário. A expectativa entre congressistas era por declarações que pregassem a união. No dia seguinte, as respostas preocuparam o presidente. Ele, porém, se acalmou, dizem deputados aliados, após receber ligações de apoio de industriais e de pecuaristas.
A partir de então, Bolsonaro começou a discutir de maneira técnica com o Ministério da Saúde a ideia de um isolamento vertical --só para grupos de risco. Segundo relatos, a conclusão foi de que, neste momento em que o país ainda não atingiu o pico da doença, não é possível viabilizá-lo em cidades com mais de 100 mil habitantes, onde a chance de aglomerações é maior.
Bolsonaro, então, passou a defender a sua adoção em cidades do interior, sobretudo as que ainda não registraram casos da doença. Como a determinação de isolamento cabe aos governos municipais e estaduais, a equipe do presidente começou a mobilizar protestos pelo país pela abertura de shoppings e comércios.
A Presidência, por exemplo, produziu um vídeo de divulgação institucional em que a volta ao trabalho de regimes de confinamento é estimulada, contrariando orientações de autoridades sanitárias.
A peça foi distribuída, em forma de teste, para as redes bolsonaristas. Nela, categorias como a dos autônomos e mesmo a dos profissionais da saúde são mostradas como desejosas de voltar ao regime normal de trabalho.
Segundo relatos feitos à Folha, o filme chegou a ser enviado previamente a empresários que apoiam o governo para que eles divulguem o chamado do presidente.
A Justiça Federal no Rio de Janeiro determinou neste sábado (28) que a União se abstenha de veicular peças publicitárias relativas à campanha "O Brasil não pode parar", defendida pelo presidente Jair Bolsonaro e contrária a medidas de confinamento adotadas no país em meio à pandemia do coronavírus.
A decisão, em resposta a uma ação civil pública do Ministério Público Federal, foi proferida durante a madrugada pela juíza Laura Bastos Carvalho. Ela impede a divulgação da campanha por rádio, TV, jornais, revistas, sites ou qualquer outro meio, físico ou digital.
O tribunal ainda diz que o governo não deve publicar qualquer outra campanha que sugira à população brasileira comportamentos que não estejam estritamente embasados com diretrizes técnicas.
Tais diretrizes devem ser emitidas pelo Ministério da Saúde, com fundamento em documentos públicos, de entidades científicas de notório reconhecimento no campo da epidemiologia e da saúde pública.
A Justiça ainda estipulou que o descumprimento da ordem está sujeito a uma multa de R$ 100 mil por infração.
Em seu pedido, o MPF alegou que a campanha instaria os brasileiros a voltarem às suas atividades normais, sem que estivesse embasada em documentos técnicos que indicassem que essa seria a providência adequada --e que isso poderia agravar o risco de disseminação da doença no país.
A AGU (Advocacia-Geral da União) disse que aguarda ser intimada da decisão e solicitará subsídios dos órgãos envolvidos. "A AGU irá apresentará em juízo todos os esclarecimentos necessários à elucidação da questão."
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