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Ideb 2021: aprovação automática na pandemia distorce resultado

Ideb 2021: aprovação automática na pandemia distorce resultado

Baixa participação de alunos em avaliação federal também mascara prejuízos educacionais

Publicado em 16 de setembro de 2022 às 18:39

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ISABELA PALHARES, PAULO SALDAÑA E WILLIAM CARDOSO

Isabela Palhares, Paulo Saldaña e William Cardoso

SÃO PAULO - A orientação seguida por redes de ensino de não reprovarem alunos durante o fechamento de escolas na pandemia causou uma distorção no principal termômetro da educação brasileira, o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Apesar de uma queda generalizada de aprendizado, o indicador de 2021 cresceu nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio.

Isso ocorreu porque o Ideb combina taxas de aprovação com a prova do Saeb, de português e matemática. A taxa de aprovação nos anos finais do ensino fundamental em 2021 ficou em 95,2%, ante uma taxa de 88,6% em 2019, antes da pandemia.

Fotos de sala de aula vazia - banco de imagens
Pandemia deixou salas de aula vazias. (Pixabay)

O Ideb 2021 do País no ensino médio foi de 4,2 — em 2019, era de 3,9. Apesar do aumento no indicador, o desempenho dos estudantes piorou em matemática (a nota passou de 278,5 para 271) e português (foi de 279,5 para 275,9). A taxa de reprovação nessa etapa, caiu de 10% para 4,6%, nesse período.

O mesmo aconteceu com os anos finais do ensino fundamental (do 5º ao 9º ano). O Ideb subiu de 4,7 para 5,1 em 2021. O resultado foi puxado pela redução da reprovação (de 6,9% para 2,2%). Já o desempenho dos estudantes nas provas também piorou em matemática (passou de 265,1 para 258,6) e português (foi de 262,3 para 260,4).

Com o fechamento das escolas, a maioria das redes de ensino implementou uma política de aprovação de todos os seus estudantes, como forma de evitar punição àqueles que não tiveram condições de acompanhar as aulas remotas.

Ainda que a medida tenha como objetivo não prejudicar os estudantes, ela tem impacto direto nas taxas de aprovação e provocou um aumento artificial do Ideb.

Especialistas e entidades da área alertam que distorções artificiais nesses dois componentes do Ideb mascaram as desigualdades educacionais — que foram ampliadas neste período.

A mudança na forma de aprovação seguiu diretrizes do CNE (Conselho Nacional de Educação), já que, com a suspensão das atividades presenciais, as escolas tinham dificuldade de acompanhar a frequência dos alunos.

Maria Helena Guimarães de Castro, presidente do CNE, fez um alerta nesta sexta-feira (16), durante a divulgação dos dados. Para ela, os resultados dessa edição não devem ser comparados aos de anos anteriores, exatamente pelas distorções na taxa de aprovação.

"A comparabilidade com anos anteriores deve ser evitada, porque os resultados foram impactados pela mudança na aprovação dos estudantes. Essa mudança seguiu um parecer do CNE, que recomendou a promoção dos alunos para evitar que fossem ainda mais prejudicados. Isso, com certeza, afeta o indicador", disse.

O Instituto Unibanco também destacou que algumas redes de ensino adotaram em 2021 mecanismos de matrícula automática por conta das recomendações de distanciamento social. Assim, alunos que abandonaram os estudos em 2020 podem ter aparecido nos registros do ano seguinte, camuflando assim a evasão escolar.

"Verificar o quanto decisões operacionais das redes podem ter inflado os dados de aprovação é crucial para uma melhor compreensão dos resultados de 2021", diz nota do instituto.

Outro fator que pode ter inflado artificialmente o Ideb 2021 foi a menor participação dos estudantes na prova.

O Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), órgão ligado ao Ministério da Educação, divulgou que a taxa de participação na prova foi significativamente menor que em anos anteriores. Na edição de 2021, participaram da avaliação 70,7% dos alunos previstos — em 2019, última prova realizada, o índice foi de 80,9%.

As provas foram aplicadas entre novembro e dezembro de 2021, período em que muitas escolas públicas do País ainda não tinham voltado às aulas presenciais ou estavam iniciando gradativamente esse retorno.

Uma pesquisa feita pelo Datafolha, em outubro daquele ano, mostrou que a reabertura das escolas ocorria em ritmo desigual, deixando alunos negros e pobres mais tempo fora das salas de aula.

Ou seja, parcela importante dos estudantes mais vulneráveis e que tiveram mais dificuldade para acompanhar as atividades remotas ficou de fora da avaliação.

Em abril de 2021, a equipe técnica do Inep já demonstrava preocupação com a possibilidade da exclusão de parte dos alunos mais vulneráveis influenciar os resultados do Ideb.

"A ausência dos alunos pode criar vieses de interpretação da real condição do processo de ensino-aprendizagem nas escolas de todo o Brasil, ao longo dos últimos dois anos, com possíveis impactos na série histórica do Saeb", dizia nota do órgão.

O Todos Pela Educação destaca também que, em edições passadas, as redes de ensino faziam um trabalho prévio com os estudantes para incentivá-los a participar da prova do Saeb. "Em um contexto de ensino remoto ou de retorno gradual ao presencial, que ocorreu de forma muito desigual entre as redes, a comparação com resultados passados também fica muito prejudicada", diz nota técnica da entidade.

O Ideb foi formulado com a combinação desses dois fatores (desempenho nas avaliações e aprovação escolar) para equilibrar as duas dimensões e evitar distorções provocadas por políticas que pudessem tentar mudar artificialmente o indicador.

Assim, se uma rede de ensino reprovar seus alunos para obter maiores resultados na avaliação do Saeb, o fator fluxo escolar seria prejudicado. Se, ao contrário, a rede apressar a aprovação de alunos com baixo desempenho, o resultado das avaliações também seria prejudicado.

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