Um dia após ser preso em operação da Polícia Federal sobre um balcão de negócios montado no MEC (Ministério da Educação), o ex-ministro Milton Ribeiro foi solto por decisão da Justiça.
Além disso, um delegado da PF se queixou de interferência nas investigações, conforme revelou a Folha. O caso agora continuará em apuração em meio à suspeita — levantada dentro da própria corporação — de tratamento diferenciado dado ao ex-ministro do governo Jair Bolsonaro (PL).
O juiz federal Ney Bello, do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), decidiu nesta quinta-feira (23) pela revogação da prisão preventiva do ex-ministro e dos demais detidos na operação Acesso Pago, entre eles os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, ambos ligados ao presidente Jair Bolsonaro (PL).
Ribeiro é investigado pelas suspeitas de crimes de corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência, num caso que enfraquece ainda mais o discurso anticorrupção de Bolsonaro.
Ainda nesta quinta, Bruno Calandrini, delegado da PF responsável pelo pedido de prisão, afirmou em mensagem enviada a colegas que houve "interferência na condução da investigação" e citou tratamento diferenciado ao ex-ministro, que não foi transferido para a sede da corporação em Brasília — como havia decidido na quarta o juiz Renato Borelli, da 15ª Vara Federal em Brasília.
Borelli é o juiz federal que determinou a prisão de Ribeiro. De acordo com a Justiça Federal do Distrito Federal, após sua decisão, ele recebeu centenas de ameaças de grupos de apoio ao governo Bolsonaro.
Já Ney Bello, que revogou as prisões, está em campanha para ser indicado por Bolsonaro para uma das duas vagas de ministros abertas no STJ (Superior Tribunal de Justiça).
"Verifico que a busca e apreensão já foi realizada, as quebras de sigilos já foram deferidas e não há razão o bastante para a manutenção da prisão, sem a demonstração concreta de onde haveria risco para as investigações", disse o magistrado.
Segundo ele, apesar de não ser necessária a prisão, os possíveis crimes devem ser investigados.
Em nota, o advogado do ex-ministro, Daniel Bialski, disse que na decisão "felizmente, a ilegalidade foi reconhecida e a prisão revogada. A defesa aguarda o trâmite e a conclusão do inquérito, quando espera que será reconhecida a inocência do ex-ministro".
Na investigação em andamento, a Justiça autorizou a quebra dos sigilos bancários do ex-titular do MEC, de sua esposa, Myrian Pinheiro Ribeiro, e da filha e do genro do pastor Arilton Moura.
Empresas ligadas aos dois pastores e ao ex-assessor do MEC Luciano Musse — outro alvo da apuração — também tiveram os sigilos afastados.
Um dos motivos para a quebra foi a venda de um automóvel por Ribeiro para o pastor Arilton, cuja transação foi encontrada pela CGU (Controladoria-Geral da União).
Segundo o relatório do órgão de controle, a venda se deu após o surgimento de denúncias de irregularidades no MEC e vai no sentido contrário das tentativas do ex-ministro de se descolar dos pastores.
Os pastores Gilmar e Arilton são apontados como lobistas que atuavam no MEC.
Com base em documentos, depoimentos e um relatório da CGU, foram mapeados indícios de crimes na liberação de verbas do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). Ao todo, foram cumpridos na quarta 13 mandados de busca e apreensão em Goiás, São Paulo, Pará e Distrito Federal.
Ao pedir à Justiça Federal a prisão do ex-ministro de Bolsonaro, a PF afirmou que ele conferia prestígio à atuação dos pastores suspeitos de operar um balcão de negócios.
"[Os episódios investigados] não deixam dúvidas da façanha criminosa de Milton, Gilmar, Arilton, Helder [Bartolomeu, ex-assessor da Prefeitura de Goiânia e genro de Arilton] e Luciano em utilizarem o prestígio da administração pública federal para suposta prática dos crimes de corrupção passiva privilegiada, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência", afirmou a Polícia Federal.
Segundo a PF, o ex-ministro da Educação dava aos pastores Gilmar e Arilton "honrarias e destaque na atuação pública da pasta" sobretudo "em eventos onde os pastores faziam parte do dispositivo cerimonial".
Segundo o MPF (Ministério Público Federal), o ex-assessor Musse recebeu R$ 20 mil a pedido de Arilton para intermediar um encontro de Milton Ribeiro com prefeitos.
O pagamento de R$ 20 mil fazia parte de acerto, "a título de colaboração", na negociação de um evento com Ribeiro na cidade de Nova Odessa (SP), realizado em agosto de 2021 com organização dos pastores. Helder Bartolomeu, por sua vez, recebeu outros R$ 30 mil.
As informações estão em manifestação da Procuradoria que compõe o pedido de prisões. Os pagamentos foram relatados pelo empresário José Edvaldo Brito, que apresentou registro das transferências nas contas pessoais de Musse e Helder.
A defesa dos dois pastores não se manifestou.
O advogado de Musse, Zoser Hardman, afirmou em nota que a prisão de seu cliente era "descabida" e "desnecessária" e que a decisão do desembargador Ney Bello, que revogou a medida, é "irretocável". A Folha não conseguiu localizar a defesa de Helder Bartolomeu.
Na mensagem a colegas na PF, Calandrini afirmou que a investigação foi "prejudicada" em razão de tratamento diferenciado dado pela polícia ao ex-ministro do governo Bolsonaro.
A PF alegou risco de segurança e restrições orçamentárias para manter o ex-ministro em São Paulo em vez de transportá-lo para Brasília.
Segundo Calandrini, a ação da direção da PF para supostamente evitar o translado demonstra a interferência e acarreta em falta de autonomia para que ele conduza a apuração com independência e segurança institucional.
"O deslocamento de Milton para a carceragem da PF em SP é demonstração de interferência na condução da investigação, por isso, afirmo não ter autonomia investigativa e administrativa para conduzir o inquérito policial deste caso com independência e segurança institucional", disse na mensagem.
Na cúpula da PF, a reação foi de surpresa em relação à postura do delegado. A decisão da direção foi de abrir um inquérito para o caso dizendo que vai apurar as denúncias. Na prática, a apuração servirá para ver se Calandrini tem como provar o que está dizendo.
Os pastores Gilmar e Arilton são peças centrais no escândalo do balcão de negócios do ministério. Como mostrou a Folha, eles negociavam com prefeitos a liberação de recursos federais mesmo sem ter cargo no governo.
Os recursos são do FNDE, órgão ligado ao MEC e controlado por políticos do centrão, bloco político que dá sustentação a Bolsonaro desde que ele se viu ameaçado por uma série de pedidos de impeachment.
O fundo concentra os recursos federais destinados a transferências para municípios. Prefeitos relataram pedidos de propina, até em ouro.
Em áudio revelado pela Folha, Milton Ribeiro disse que priorizava pedidos dos amigos de um dos pastores a pedido de Bolsonaro.
Na gravação, o então ministro afirmou ainda que isso atendia a uma solicitação do presidente e mencionava pedidos de apoio que seriam supostamente direcionados para construção de igrejas. A atuação dos pastores junto ao MEC foi revelada anteriormente pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Ribeiro deixou o cargo no fim de março, uma semana após a revelação do áudio pela Folha.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta