O brasileiro enfrenta duas opções no que diz respeito à pandemia de Covid-19: o isolamento ou a catástrofe. Essa é a avaliação do médico epidemiologista Mauricio Barreto, 65, coordenador do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) na Bahia.
"O que se antevê no Brasil é uma grande onda epidêmica, que já está chegando. Mais cedo ou mais tarde vai haver uma grande pressão sobre o sistema de saúde. E a única maneira de gerir essa crise é o distanciamento social. A outra opção é a catástrofe original", afirmou.
Barreto avalia ainda que o uso social de máscaras deve ser o novo normal. "É uma medida complementar, barata e fácil. Se a gente está fazendo isolamento social, que é a medida central, por que não usar máscaras para ajudar nesse esforço de contenção?".
Como vê as divergências dentro do governo e da sociedade brasileira em relação ao isolamento social?
Mauricio Barreto - O isolamento social é algo duro, não é fácil, não é simples. Mas é a única opção. O mundo inteiro adotou. Os países europeus quase que unanimemente o adotaram. Cada um adotou a seu momento, porque, claro, é uma decisão política, não é uma medida sanitária comum ou típica.
Eu, que sou professor, que trabalhei muito tempo com doenças infecciosas, não tenho dificuldade de entender que essa é a única opção. Mas,para que a sociedade entenda, é preciso haver uma boa comunicação para mostrar que é uma medida única e heroica para não haver uma catástrofe ainda maior.
O que se antevê no Brasil é uma grande onda epidêmica, que já está chegando. Em São Paulo e no Amazonas já está mais adiantada, em outros estados está vindo mais lentamente. Mais cedo ou mais tarde vai haver uma grande pressão sobre o sistema de saúde. E a única maneira de gerir essa crise é o distanciamento social. A outra opção é a catástrofe original. E o isolamento não acaba com a epidemia, ele mitiga os efeitos, diminui o impacto.
Não é um fato sem polêmica dizer que toda uma população deve ficar em casa. Não foi uma polêmica só brasileira. Na maioria dos países há um consenso político, mas há um debate público. A diferença no Brasil foi a divergência entre o ministro conduzindo a pasta da Saúde e o presidente, a quem caberia dar apoio e viabilizar politicamente [as medidas], o que não aconteceu.
Qual seria o efeito do levantamento das medidas restritivas neste momento no Brasil?
Tenha em conta que essa epidemia é de dezembro do ano passado, ninguém tem expertise para ter a última palavra. Há um certo consenso, baseado em cenários e projeções, de que ainda é muito precoce suspender essas medidas. O retorno agora vai diminuir a efetividade.
Sou do grupo que propugna que as medidas continuem e se intensifiquem. Até quando? Não sei e acho que ninguém sabe. Mas não há dúvidas de que deveria se prorrogar por pelo menos quatro semanas mais e depois estudar outras prorrogações, se necessário. Isso deve ser feito por etapas.
E não é algo de curto prazo. Mesmo passando essa grande onda epidêmica, vai haver um período longo em que o vírus vai estar em circulação entre a população. Vai ser preciso adotar medidas diversas, como a paralisação de determinadas áreas de certa cidade, ou de certas cidades. Talvez não uma paralisação global, mas, sim, regional ou setorial. Até o momento em que se tenha uma vacina eficaz acessível, vai ser um problema que vai exigir ações.
Como implementar as estratégias de combate à epidemia se não se tem capacidade de fazer os testes?
Isso mostra os problemas de infraestrutura do nosso sistema de saúde. Na hora em que o sistema é acionado e você precisa amplificar a capacidade de diagnosticar casos com mais precisão, você não dá conta. Tem havido alguma mobilização da sociedade, as universidades têm participado ativamente, a Fiocruz está fazendo um esforço imenso para aumentar sua produção, mas tem toda a estrutura local que precisa ser ativada.
Agora a gente não pode ficar parado por causa da testagem, tem de atuar com as condições que tem. A gente não vai ter a estrutura da Coreia do Sul. O que a gente defende é: no momento em que você tem testes limitados, é usar racionalmente o que se tem, focando em determinados grupos, enquanto se aumenta a capacidade.
Que evidência se tem do risco de reinfecção pelo coronavírus?
As evidências ainda são muito nebulosas de reinfecção ou reativação de uma contaminação anterior. Trabalha-se com uma ideia genérica de que a infecção pelo coronavírus gere uma razoável proteção. Acreditemos nisso, porque senão o problema será ainda maior.
Muitos países estão avaliando o retorno da quarentena com base em testes de imunidade.
O grau de proteção é uma parte da história, mas você precisa continuar a ver as infecções ativas na população. Se uma comunidade tem 30% ou 40% de proteção mas ainda tem focos de infecção ativos, você volta à velha tarefa de isolamento e de contenção, para que não haja surtos localizados. Por isso, no segundo momento após a onda pandêmica, a atenção primária à saúde, a saúde da família, será primordial.
Que estratégias a população vai ter de desenvolver para lidar com a permanência do vírus em circulação?
Até que se atinjam níveis altos de proteção, você vai precisar de vigilância epidemiológica, de atenção primária de saúde, do uso de tecnologias digitais para acompanhar a mobilidade das pessoas, de testagem de anticorpos e de infecções ativas. São ideias que ainda estão sendo concebidas.
As máscaras vão ser o novo normal?
Sim. Faço parte de um grupo que defende arduamente que o uso de máscaras passe a ser uma norma social. Não sei por quanto tempo. A ideia é que se usem máscaras de tecido, para não ter nenhuma competição com as máscaras médicas, feitas com os tecidos apropriados mas comuns, que tenham uma malha razoavelmente densa para ajudar na retenção das partículas geradas quando a gente fala.
É uma medida complementar, barata e fácil. Se a gente está fazendo isolamento social, que é a medida central, por que não usar máscaras para ajudar nesse esforço de contenção?
Mauricio Barreto, 65: Médico epidemiologista, professor emérito da Universidade Federal da Bahia e coordenador do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde da Fiocruz Bahia.
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