Dois jovens de Umbaúba (SE) afirmam em boletins de ocorrência que foram agredidos e ameaçados por uma equipe da PRF (Polícia Rodoviária Federal) dois dias antes e na mesma cidade em que Genivaldo de Jesus Santos foi morto asfixiado numa viatura da corporação.
Nos documentos, um homem de 21 anos e um adolescente de 16 relatam que, mesmo algemados com as mãos para trás, receberam chutes, tapas e pisões no rosto. Segundo os jovens, a abordagem contou com quatro agentes. Após a agressão, eles dizem que foram colocados no camburão da viatura da PRF.
O episódio ocorreu no dia 23 por volta das 19h. Os boletins de ocorrência do caso, aos quais a Folha teve acesso, foram registrados no dia 27. Assim como Genivaldo, os dois estavam de moto quando foram abordados pelos policiais.
Genivaldo tinha 38 anos e era esquizofrênico. Ele foi morto na última quarta-feira (25) por policiais que soltaram uma bomba de gás dentro do porta-malas da viatura em que foi colocado. As cenas geraram forte comoção e críticas pela violência empregada na abordagem. A direção-geral da PRF criou uma comissão interventora para investigar o caso, tratado como uma "conduta isolada".
Nos relatos de agressão feitos à Polícia Civil, os jovens afirmam que ao perceberem a presença de policias rodoviários, decidiram fugir porque estavam sem capacete com a motocicleta "atrasada" - ou seja, com a documentação irregular.
De acordo com os dois boletins registrados, "ao perceber que não conseguiriam fugir", os jovens "pararam a motocicleta, mas, mesmo assim, foram atingidos pela viatura" e caíram no chão. O homem que pilotava a moto, de 21 anos, afirma no depoimento que foi algemado e que os agentes "o agrediram com chutes na cabeça, no abdômen e no tronco em si" quando ele já estava no chão.
Depois, os agentes mandaram que ele "ficasse sentado e começaram a lhe dar tapas no rosto". O homem, então, relata ter pedido para que os policiais não o matassem. "'Não me mate não, me leve preso'; que um dos policiais disse: 'Vou te levar pra mata pra você aprender!'", consta em trecho do boletim de ocorrência.
Ele diz que "sofreu lesões do lado esquerdo do rosto e nos lábios, em decorrência da pressão feita pelos pés do policial no seu rosto, pressionando a sua face contra o chão".
Depois da agressão, o motociclista relata que foi colocado no camburão da viatura da PRF e levado para o posto de Cristinápolis - a 16 km de Umbaúba. Segundo ele, apenas nesse momento os policiais pediram seus documentos e os da moto. De acordo com o BO, mesmo algemado, ele conseguiu ligar para o irmão, que seguiu a viatura e o encontrou no posto policial, onde foi liberado.
A Polícia Rodoviária Federal foi procurada pela Folha de S.Paulo, mas não respondeu até a publicação da reportagem.
Já o adolescente que estava na garupa afirma, na sua ocorrência, que os policiais o levaram para o camburão da viatura e só o soltaram quando ele contou que era menor de idade. O rapaz também afirma no depoimento que um policial pisou no seu rosto e que recebeu chutes, mesmo depois de ter sido algemado com as mãos para trás.
"Um dos policiais rodoviários (moreno claro e barbudo) o algemou com as mãos para trás e outro policial pisou no seu rosto, causando as lesões do lado direito do rosto e no queixo, em decorrência do atrito da face com o chão", afirma o boletim de ocorrência do adolescente.
"Além do rosto, sofreu lesões nas costas em decorrência de chutes e nas mãos por conta da algema", segue o documento. "As lesões foram causadas mesmo após o adolescente ter sido algemado com as mãos para trás".
"Após ter sido agredido, foi levado para o camburão da PRF e lá informou que era menor; que assim que os policiais tomaram conhecimento desse fato, o adolescente foi liberado; que um dos policiais lhe disse: 'Suma da minha vista'", afirma o BO.
Ainda segundo o boletim de ocorrência, o rapaz disse que ficou de cabeça baixa na maior parte do tempo. Ele afirma que estava com "a farda [uniforme] da escola" e que o amigo "usava a farda da empresa na qual trabalha".
Os dois envolvidos fizeram exame do corpo de delito no IML (Instituto Médico Legal) em Aracaju, mas aguardam a conclusão dos laudos.
Após a morte de Genivaldo, a PRF decidiu afastar os agentes envolvidos no caso das atividades de policiamento. O laudo do IML concluiu que ele sofreu insuficiência respiratória aguda provocada por asfixia mecânica.
A morte de Genivaldo e a operação policial que deixou mais de 20 mortos na Vila Cruzeiro, zona norte do Rio de Janeiro, chamaram a atenção para a atuação da PRF. A corporação é próxima do presidente Jair Bolsonaro (PL). A categoria faz parte da base eleitoral do mandatário, que busca se reeleger neste ano e está em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto.
Na segunda-feira (30), Bolsonaro, criticou o cobertura da imprensa no episódio Genivaldo. "Não podemos generalizar tudo que acontece no nosso Brasil. A PRF faz um trabalho excepcional para todos nós [...] A Justiça vai decidir esse caso. Tenho certeza que será feita a Justiça todos nós queremos isso aí. Sem exageros e sem pressão por parte da mídia que sempre tem lado, o lado da bandidagem", disse.
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