A Justiça Federal em Rondônia determinou, em decisão liminar nesta quinta-feira (3), que a Funai (Fundação Nacional do Índio) providencie o enterro dos restos mortais do chamado "índio do buraco" no exato lugar onde ele morreu, uma palhoça na terra indígena Tanaru, no sul do estado.
O órgão tem cinco dias para fazer o sepultamento.
A decisão do juiz federal Samuel Albuquerque, da Vara de Vilhena (RO), se deu no processo da ação civil pública movida pelo MPF (Ministério Público Federal) para obrigar a Funai a sepultar o indígena no local onde viveu sozinho e isolado por 26 anos. Ele, também conhecido por "índio Tanaru" era o último de seu povo, dizimado pela ação de madeireiros na região.
A reportagem questionou a Funai se haverá cumprimento da decisão ou se o órgão recorrerá contra a liminar. Não houve resposta até a publicação do texto.
Na véspera do programado para o enterro, o presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier da Silva, agiu para barrar o sepultamento. Ele enviou um ofício à Polícia Federal em Vilhena barrando os procedimentos com a alegação de que era necessário aguardar a conclusão dos laudos dos exames feitos nos restos mortais de "Tanaru".
Naquele momento, todos os exames já haviam sido concluídos, assim como todas as coletas de materiais pela PF. Não havia necessidade de mais nenhum exame no corpo do indígena.
Xavier foi colocado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) na Funai para barrar ações de fiscalização, esvaziar as funções do órgão e atender a interesses de ruralistas, o que foi feito, segundo indigenistas e servidores da linha de frente da fundação.
Ao impedir o enterro do "índio do buraco", o presidente da Funai buscou atender a interesses de fazendeiros que circundam a terra indígena, conforme técnicos a par do processo de sepultamento. O enterro no território deve dificultar a exploração da área por esses proprietários de terra.
Assim que houve a notícia da morte de "Tanaru", foram feitos pedidos para exploração da terra indígena, como a Folha de S.Paulo mostrou. Fazendeiros que se dizem donos da área argumentaram não haver mais restrição para o uso do território, que tem 8.070 hectares.
A terra indígena Tanaru não é demarcada. Por haver incidência de um indígena isolado, o território conta com uma restrição de uso, definida em portaria da própria Funai. Ela vigora até 2025. É esta portaria que os fazendeiros querem derrubar, a partir da morte.
A Justiça determinou que o enterro ocorra na palhoça onde o corpo foi encontrado. A Funai tem cinco dias para adotar "todas as ações administrativas necessárias" ao sepultamento, "em conformidade com a organização social, costumes, crenças e tradições indígenas", como consta na decisão. Se houver atraso, a multa deve ser de R$ 1.000 por dia.
O enterro é uma atribuição da Funai, segundo o juiz Albuquerque.
"Além da comoção dos povos indígenas próximos, com o desrespeito dispensado ao 'índio do buraco', caracterizado na demora excessiva no seu sepultamento/rituais, tem-se ainda a probabilidade de repercussão da omissão do Estado brasileiro", disse o magistrado.
"Verifica-se que desde a morte do 'índio do buraco' já se passaram vários meses e, mesmo o corpo já tendo sido liberado pela perícia técnica da PF, a Funai não o sepultou", afirmou.
"Tanaru" optou pelo isolamento após seus familiares serem mortos por madeireiros na década de 1990. Segundo a Funai, o grupo tinha seis pessoas e existiu até 1995. O órgão passou a monitorá-lo, e a respeitar seu modo de vida, a partir de 1996.
O presidente da Funai decidiu contrariar os profissionais envolvidos no tratamento dado ao "índio do buraco" após a morte e segurou o sepultamento do indígena, que deu mostras do lugar e da forma como gostaria de ser sepultado, conforme indícios deixados por ele no momento do óbito.
O corpo foi encontrado em 23 de agosto. O óbito ocorreu de 30 a 40 dias antes, segundo análise feita.
Depois dos exames feitos por peritos da PF, o enterro estava previsto para o último dia 14, no mesmo lugar onde foi encontrado na terra indígena. Horas antes, na noite do dia 13, o presidente da Funai interveio e barrou o sepultamento. Desde a morte já se passaram, portanto, mais de três meses.
"A ausência de sepultamento de Tanaru, tendo sido levado seu corpo há quase dois meses, tempo mais do que o necessário para a realização de todos os exames necessários, fatos confirmados pela própria PF, configura nítido desrespeito à sua memória e à sua história", diz a ação da Procuradoria. É o mesmo entendimento de indigenistas, servidores e outras pessoas a par do processo.
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