A criação da figura do juiz das garantias pode retirar poderes do hoje mais conhecido magistrado da Lava Jato, o juiz federal Marcelo Bretas, responsável pela operação no Rio de Janeiro. Bretas atua na operação desde que desdobramentos da investigação com origem no Paraná foram enviados para o estado, em 2015. Tanto despacha em inquéritos e pedidos de prisão como em ações penais em andamento.
Com a figura dos juízes das garantias, prevista no pacote anticrime sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro, será estabelecida uma separação: o magistrado que atua nas fases anteriores aos processos, como o que determina diligências e quebras de sigilo, não poderá ser o mesmo que conduz as ações abertas.
A implantação prática dessa medida, que deveria acontecer um mês após a sanção da norma, é incerta. O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) criou um grupo de trabalho que vai entregar no próximo dia 15 suas conclusões sobre como aplicar as normas do pacote.
Segundo o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, a novidade não resultará em mais custos para o Judiciário nem aumentará o trabalho dos tribunais.
Para advogados e especialistas, porém, é certo que haverá impacto tanto na Lava Jato do Rio quanto no Paraná. Pelo texto da nova lei, Bretas pode ficar impedido de despachar em pedidos de prisão e em procedimentos relativos à deflagração de novas fases da Lava Jato fluminense.
Ou, em outro cenário, teria de deixar a partir de agora o comando de processos abertos derivados de fases da operação em que atuou.
Seria uma mudança de peso na operação no Rio de Janeiro, já que Bretas, por exemplo, é o responsável pelas ordens de prisão preventiva (sem prazo determinado) impostas ao ex-governador Sérgio Cabral (MDB) e também pelas sentenças contra o político, que, ao todo, estabelecem mais de 250 anos de prisão.
O magistrado fluminense também atuou tanto na investigação quanto no processo, ainda não sentenciado, contra outro alvo de primeira grandeza da Lava Jato, o ex-presidente Michel Temer (MDB), que chegou a ficar preso em duas ocasiões no ano passado a mando dele.
Ainda hoje, Bretas administra medidas impostas ao ex-presidente, como a retenção de passaporte. Diante da nova lei, na hipótese de novos pedidos de investigadores contra Temer, a decisão poderia ficar a cargo de um outro magistrado.
Outro caso rumoroso sob comando de Bretas que seguiu a mesma lógica de atuação foi a Operação Câmbio, Desligo, contra dezenas de operadores financeiros. Essa etapa da Lava Jato prendeu no ano passado Dario Messer, apelidado de "doleiro dos doleiros".
Para o professor de direito da USP Alamiro Veludo, que é advogado criminalista, os tribunais vão ter de decidir se as ações em andamento continuarão com os juízes que despacharam as medidas da fase de investigação.
"Uma leitura é a seguinte: no momento em que houve o oferecimento da denúncia [acusação formal], ele era o juiz competente. Naquele momento, a lei que vigorava era a que lhe outorgava competência. Portanto, permanece."
Ao longo de mais de quatro anos, a Lava Jato fluminense alvejou diversas esferas de poder do estado, prendendo ex-secretários estaduais e empresários suspeitos de pagar propina em negócios públicos.
Desde o ano passado, Sérgio Cabral passou a confessar crimes da época em que governou o estado (2007-2014) e acabou fechando um acordo de delação com a Polícia Federal, ainda pendente de homologação no Supremo Tribunal Federal.
Uma eventual homologação, com o consequente envio de informações sobre supostas irregularidades a autoridades do estado, ampliaria a importância do juiz à frente das investigações que pode não mais ser Bretas.
O magistrado é conhecido por impor medidas duras a investigados, como prisões preventivas. Esse modo de atuação poderia ser revisto com sua saída dos trabalhos em estágio de investigação.
O nome de Marcelo Bretas chegou a ser alvo de especulações como uma possível indicação do presidente Jair Bolsonaro ao Supremo.
No Paraná, o titular da vara responsável pela Lava Jato, Luiz Bonat, que em 2019 sucedeu Sergio Moro no posto, também poderia ficar impedido de atuar em procedimentos de investigação.
Mas, em Curitiba, já há uma divisão de tarefas estabelecida por portaria: Bonat conduz os processos abertos e a juíza substituta da vara, Gabriela Hardt, cuida de inquéritos e pedidos das fases de investigação. Essa divisão não existia na época em que Moro comandava a Lava Jato em Curitiba.
Não é possível deduzir, no entanto, que Hardt se tornará a "juíza das garantias" da operação no Paraná. Ela e o colega atuam um em substituição ao outro em períodos de férias ou de licenças. Pela nova lei, essa suplência, em tese, não poderia mais existir.
A norma sancionada pela Presidência aponta que o juiz das garantias será designado conforme "critérios objetivos a serem periodicamente divulgados" pelos tribunais.
Caberá a cada uma das cortes pelo país, portanto, definir como isso aconteceria. Uma hipótese seria a criação de uma espécie de núcleo de juízes das garantias, que cuidaria do conjunto de medidas em todo aquele estado ou região.
No caso de Bretas e dos juízes paranaenses, a definição partiria dos órgãos de administração dos Tribunais Regionais Federais, que funcionam como a segunda instância da Justiça Federal.
O juiz fluminense, assim como Moro, é crítico do novo modelo. Em seu perfil no Twitter, disse, nesta semana que o "sistema processual penal brasileiro tem muito a perder com a referida, e abrupta, inovação legislativa".
A reportagem procurou o juiz, mas ele não comentou o assunto. O Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que julga casos da Lava Jato do Rio, disse que aguarda posicionamento do CNJ e do Supremo sobre a aplicação da nova lei sobre o juiz das garantias.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, responsável pela região Sul, afirmou que a implantação está sendo tratada em comissão interna e também em discussões junto ao Conselho Nacional de Justiça.
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