Conteúdo investigado: Vídeo postado no TikTok e no YouTube apresenta trecho de um telejornal da Rede Globo que foi ao ar em 2009, no qual a jornalista Zileide Silva anuncia que o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou um Projeto de Lei que estabelecia o voto impresso no Brasil, a partir das eleições de 2014. Após a apresentação do vídeo, o autor da postagem questiona: “Qual é a narrativa agora? Tão entendendo que o golpe já está dado?”.
Onde foi publicado: TikTok e YouTube.
Conclusão do Comprova: É enganoso o conteúdo publicado nas redes sociais que pode levar o eleitor a concluir que existe alguma norma em vigência que determina a implementação do voto impresso nas eleições brasileiras. Publicações reproduzem trecho do jornal Bom Dia Brasil que foi ao ar em setembro de 2009, no qual uma jornalista informa a sanção de alterações na lei eleitoral naquele ano. Entre as propostas da norma está a impressão de um comprovante do voto, com a previsão de ser aplicado na eleição de 2014. A proposta foi aprovada pelo Congresso e depois sancionada pelo então presidente Lula.
O projeto não estabelecia que o eleitor votasse em cédula de papel. O texto previa que, após a votação na urna eletrônica, um comprovante seria impresso pelo dispositivo. Essa impressão seria depositada, de forma automática e sem contato com o eleitor, em um recipiente previamente lacrado, servindo para eventuais auditorias. Entretanto, o STF considerou a prática inconstitucional em 2013, fato omitido pelo autor da publicação verificada.
À época da aprovação da lei, parlamentares entenderam que o voto impresso garantiria maior segurança ao eleitor de que sua opção foi respeitada, já que haveria um comprovante físico do que foi registrado na urna eletrônica. Na ocasião, o então deputado federal Flávio Dino (na época era filiado ao PCdoB e hoje é membro do PSB) destacou que a segurança das urnas não estava em xeque, mas que isso não dispensava maiores elementos de segurança. A aprovação ocorreu mesmo com o posicionamento contrário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que entendia a medida como um retrocesso que poderia gerar risco ao sigilo e à inviolabilidade do voto.
A postagem não deixa claro o objetivo de seu responsável ao reproduzir a notícia desatualizada e, portanto, fora de contexto. O fato é que atualmente não existe lei que determine a impressão do voto no Brasil. Notícias publicadas na época mostram que a decisão de Lula de sancionar a impressão do comprovante de voto foi diferente do que se especulava. Além disso, a decisão foi contra pedidos de alguns de seus ministros, como o da Defesa, Nelson Jobim.
Para o Comprova, enganoso é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga conteúdos suspeitos de maior alcance nas redes sociais. Até o dia 22 de julho de 2022, a publicação contava com mais de 868,2 mil reproduções, 48,5 mil curtidas e 562 comentários no TikTok. No YouTube, a peça tem cerca de 300 visualizações e um comentário.
O que diz o autor da publicação: Como o TikTok não permite o envio de mensagens entre perfis que não se seguem mutuamente, não foi possível entrar em contato com o autor pela plataforma. O Comprova tentou contato por meio do perfil do autor no Instagram, mas não obteve resposta até a publicação da checagem.
Como verificamos: Buscamos no Google informações sobre o que dizia o trecho da reportagem mostrada no vídeo, com o termo de busca “Lula sanciona voto impresso”. A pesquisa retornou conteúdos da mesma época da matéria exibida no vídeo, de 2009, como da Folha de São Paulo e do G1.
Pelas referências visuais no vídeo analisado, é possível identificar que se tratava do telejornal da Rede Globo Bom Dia Brasil. Diante disso, buscamos a matéria pelos termos “Lula sanciona regras eleitorais Bom Dia Brasil”, e localizamos a transcrição da matéria no site da emissora.
Em seguida, pesquisamos o porquê de não estar em vigor a regra que previa a impressão do voto. Os resultados da busca foram matérias sobre decisões do STF, que suspenderam os efeitos do artigo da reforma eleitoral sancionada por Lula em 2009, a primeira por liminar em 2011 e a segunda de forma definitiva em 2013 por considerá-la inconstitucional.
A reportagem entrou em contato com a Globo, que enviou a íntegra do vídeo reproduzido na peça de desinformação. O Comprova também procurou o autor da publicação aqui verificada para questioná-lo sobre o tema, mas não houve retorno.
Em uma pesquisa pelo nome do responsável pela publicação, a equipe encontrou seu perfil no Linkedin. Na página, ele informa que já ocupou cargo de diretor de Atração de Investimentos do Ministério do Turismo, informação confirmada pela reportagem em pesquisa no Portal da Transparência do governo federal.
De fato, Lula chegou a sancionar a Lei 12.034, em 29 de setembro de 2009, na qual um dos artigos previa a impressão de um comprovante do voto na urna eletrônica. De acordo com o texto, a regra passaria a valer a partir da eleição de 2014, mas em 2011 uma liminar do STF suspendeu os efeitos da medida. Dois anos depois, em 2013, ministros do STF entenderam, de forma definitiva, que a impressão do voto era uma prática inconstitucional por comprometer tanto o sigilo quanto a inviolabilidade do voto, ambos direitos que são assegurados pela Constituição Federal.
Omitindo o contexto supracitado, o autor da postagem aqui investigada reproduziu trecho de telejornal em que a jornalista informa que o então presidente Lula havia sancionado novas normas eleitorais. “O eleitor vota eletronicamente e a urna imprime o voto, que fica armazenado. A justificativa do governo para o retorno do voto impresso é que, com ele armazenado, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não terá problema, Ana Luiza [em referência a outra apresentadora], para fazer uma auditoria, caso, é claro, o TSE precise fazer alguma auditoria”, diz a jornalista Zileide Silva.
Após a reprodução do trecho do telejornal, o autor da publicação faz o questionamento: “Qual é a narrativa agora? Tão entendendo que o golpe já está dado?”. O post do vídeo é acompanhado por legenda com hashtags de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL) e críticas a Lula.
O Comprova entrou em contato com a Rede Globo solicitando a íntegra do vídeo. A empresa encaminhou a nota coberta (notícia narrada por um apresentador enquanto é ilustrada por imagens de apoio), que tem duração de 1min22s. No vídeo original, após introduzir a informação sobre a sanção da minirreforma eleitoral, a jornalista também cita debates eleitorais na internet, em emissoras de rádio e TV e em páginas de candidatos na web, além do voto em trânsito, temas que também constavam na norma. Em seguida, a apresentadora informa sobre a impressão do voto a partir de 2014.
Na reprodução do vídeo usado na postagem aqui verificada, a jornalista introduz o tema da sanção da minirreforma e traz como primeira e única informação a questão do voto impresso. Ou seja, as informações sobre outros temas que também integravam o texto da reforma foram cortadas do vídeo.
O mesmo trecho pode ser encontrado em outras postagens em redes sociais, que enganam ao sugerir que a lei aprovada por Lula não estaria sendo cumprida pelo TSE.
Com apoio do presidente Bolsonaro, uma nova proposta de voto impresso tramitou na Câmara dos Deputados, em forma de Proposta de Emenda à Constituição (PEC 135/2019). De autoria da deputada bolsonarista Bia Kicis (PL-DF), a matéria foi apreciada em comissão especial no dia 6 de agosto de 2021, quando foi recomendada sua rejeição. No dia 10 de agosto, a tentativa de criar o voto impresso foi derrubada no plenário da Casa.
Na justificativa, o projeto alegava a intenção de “garantir a confiabilidade do processo”. No entanto, não citava eventuais riscos da adoção desse modelo, nem apontava problemas registrados no atual sistema eleitoral que, em quase 25 anos de uso, jamais teve comprovação de qualquer fraude ou prejuízo à lisura do pleito, como explicaram repetidas vezes autoridades ligadas ao TSE.
Desde o ano passado, o TSE reforça por meio de canais oficiais que o processo eletrônico de votação no Brasil é seguro. O tribunal explica ainda que antes, durante e após o processo eleitoral há auditoria e fiscalização por entidades como: Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil, Polícia Federal, partidos políticos, dentre outros atores. Para as eleições deste ano, a Justiça Eleitoral destacou em publicações detalhes sobre o funcionamento das urnas e sobre a segurança do voto no país.
Uma das abas da página versa sobre a “impressão do voto”, explicando a proposta e as potenciais fragilidades que poderiam surgir a partir da sua aplicação.
A Corte lembra ainda que o mecanismo foi testado em caráter experimental, em 2002, o que acabou gerando transtornos no processo eleitoral. Trecho do relatório (Páginas 20 a 22) das eleições daquele ano apontou que: “Nas seções eleitorais com impressão do voto foi maior o tamanho das filas; maior o número de votos nulos e brancos; maior o percentual de urnas com votação por cédula – com todo o risco decorrente desse procedimento; maior o percentual de urnas que apresentaram defeito, além de falhas verificadas no módulo impressor”. Em 2002, mais de 7 milhões de eleitores de 150 municípios e do Distrito Federal participaram da votação com comprovante impresso, que era armazenado em dispositivo específico.
Na época, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) era presidente da República. Diante da experiência com resultado negativo, o dispositivo da Lei Nº 10.408, que permitia a impressão do voto, foi revogado em 2003.
Desde o ano passado, o presidente Bolsonaro e parte de seus aliados e apoiadores têm intensificado ataques, sobretudo nas redes sociais, contra o TSE e ministros ligados ao órgão, como Luís Roberto Barroso (ex-presidente do TSE), Edson Fachin (atual presidente) e Alexandre de Moraes. Este último estará à frente do Tribunal durante o pleito de outubro deste ano.
Luiz Carlos Belem de Oliveira Filho se descreve como “economista, empresário e coordenador nacional do Projeto União Brasil” nas redes sociais. Ele atuou em cargo comissionado no governo federal como diretor do Departamento de Atração de Investimentos da Secretaria Nacional de Atração de Investimentos, Parcerias e Concessões do Ministério do Turismo para o qual foi nomeado no dia 27 de setembro de 2021 e permaneceu até 24 de janeiro de 2022.
Nas redes sociais, ele se apresenta como “LC Belem Fala Tudo” e tem mais de 15 mil seguidores no TikTok.
Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. O vídeo aqui checado não cita todo o contexto da criação e discussão sobre o voto impresso em 2009, deixando de mencionar que o STF derrubou a lei aprovada à época por entendê-la inconstitucional. O uso desatualizado e sem contexto da minirreforma eleitoral de 2009 pode enganar eleitores sobre a atual legislação e levar a questionamentos e dúvidas infundadas sobre o processo eleitoral.
Outras checagens sobre o tema: Postagens similares já foram alvo de checagens de outras agências e veículos. Algumas delas, verificadas pelo Aos Fatos e pela AFP Checamos, sugeriam que o TSE estaria se negando a cumprir a lei sancionada por Lula em 2009, omitindo o veto dos ministros do STF ao tema. Há cerca de um ano o Comprova publicou verificação de conteúdo que também chegou à conclusão que posts enganam ao afirmar que voto impresso já é lei.
Em relação ao período eleitoral, o Comprova verificou recentemente que Bolsonaro foi aplaudido por embaixadores, ao contrário do que dizem posts, e que Lula não disse querer implantar comunismo chinês no Brasil. A entrevista usada no conteúdo, inclusive, já foi deturpada antes.
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