A taxa de mortos entre os infectados pelo novo coronavírus é inferior a 0,20% na maioria dos locais do mundo, indica trabalho recém-publicado por um dos principais especialistas em epidemiologia e em medicina baseada em evidências, o professor de Stanford John Ioannidis.
O cálculo da chamada taxa de letalidade por infecção é importante, diz o professor, porque baseia políticas públicas de grande impacto na vida das pessoas e na evolução social e econômica dos países, como confinamentos, toques de recolher e fechamento de escolas.
"Algumas intervenções rigorosas podem ser apropriadas se a letalidade for alta. Se essa taxa for baixa, porém, essas medidas podem ficar aquém dos limites aceitáveis de risco-benefício", diz Ioannidis.
Os cálculos foram feitos com base em estudos de soroprevalência, que medem a proporção de pessoas que desenvolveram anticorpos para o Sars-Cov-2. Esses números indicam com mais precisão quantos foram infectados, pois incluem também os que não tiveram sintomas ou não perceberam que haviam sido contaminados.
Ioannidis partiu de 61 estudos e 8 pesquisas nacionais, num total de 82 estimativas em 51 locais diferentes. Com base nelas, projetou que havia mais de meio bilhão de pessoas infectadas até 12 de setembro de 2020, 17 vezes os 29 milhões de casos confirmados na ocasião.
O trabalho do pesquisador (no original) encontrou uma taxa mediana de letalidade por infecções de 0,23%, ou seja, houve 23 mortes para cada 10 mil pessoas contaminadas pelo Sars-Cov-2.
Como já há muitas evidências de que a doença mata idosos em proporção muito maior, ele calculou também a taxa de letalidade considerando apenas menores de 70 anos. Nessa faixa etária, o índice é de 0,05% (ou 5 mortos a cada 10 mil infectados), na mediana.
Os números, porém, variaram bastante de local para local. Entre os menores de 70 anos, a variação foi de 0,00% a 0,31% nos 51 locais estudados.
Na população como um todo, o resultado foi menor (0,09%, ou 9 a cada 10 mil infectados) em locais com taxas de mortes por população menores do que a média global (menos de 118 mortes por 1 milhão de habitantes).
Já nos que registravam mortes por Covid-19 acima da média (mais de 500 mortos/milhão de habitantes), a taxa de letalidade foi bem maior: 0,57%, ou 57 mortos a cada 10 mil infectados.
Segundo Ioannidis, a disparidade pode refletir diferenças na estrutura de idade da população e na idade dos infectados e mortos, entre outros fatores. Ainda assim, diz ele, todas as taxas inferidas ficaram muito abaixo das estimadas no início da pandemia, de mais de 4%, embora pesquisadores, entre eles o próprio Ioannidis, apontassem para a baixa qualidade dos dados disponíveis.
Modelos matemáticos sugeriram que, com o avanço da pandemia, o número seria reduzido para algo mais próximo de 1,0% ou 0,9%.
Os cuidados tomados por Ioannidis na seleção dos estudos e dados usados em seus cálculos foram conservadores, ou seja, excluíram casos que poderiam subestimar a letalidade e incluíram alguns em que ela pode ter sido superestimada.
O pesquisador observa também que a maioria dos estudos usados em seu trabalho é de locais com taxas de mortalidade por Covid-19 superiores à média global, e não são totalmente representativos de todos os países e locais no mundo.
"Se uma amostra pudesse ser igual em todos os locais do mundo, a taxa média de mortalidade por infecção pode ser substancialmente inferior aos 0,23% observados em minha análise, e pode ser ainda mais reduzida com medidas que protejam seletivamente populações vulneráveis e ambientes de alto risco", diz ele.
São números comparáveis às taxas de letalidade da gripe sazonal e da pneumonia: 0,13% e 0,2%, respectivamente, em países de alta renda.
O artigo de Ioannidis, já revisado por pares, foi publicado na quarta-feira passada (14) no boletim da Organização Mundial da Saúde. Entre os trabalhos analisados estavam seis estudos feitos no Brasil, no Maranhão, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo e em 133 cidades diferentes.
O pesquisador levantou os estudos de soroprevalência (porcentagem de pessoas que desenvolveram anticorpos para Sars-Cov-2) feitos com amostras de no mínimo 500 pessoas, do começo de maio até 9 de setembro de 2020. Foram considerados apenas estudos feitos na população em geral ou em amostras representativas da população, publicados em periódicos de revisão por pares ou como preprints. Em estudos com diferentes intervalos de tempo, foram considerados os maiores resultados de soroprevalência, porque o número de anticorpos pode diminuir com o tempo, provocando uma subestimativa do número de infectados. Foram excluídos e estudos feitos com profissionais de saúde, porque o grupo tem risco de contágio muito alto, o que elevaria muito a soroprevalência e jogaria para baixo a taxa de mortalidade por infecção. Também foram descartados estudos sobre comunidades específicas, como asilos, igrejas ou prisões. Foram incluídos 11 estudos feitos com doadores de sangue, nos quais a taxa de infecção pode estar subestimada, porque os voluntários tendem a estar saudáveis. Isso resultaria no cálculo de uma letalidade mais alta. O professor analisou, em cada estudo, localização, estratégia de recrutamento e amostragem, datas de coleta de amostra, tamanho da amostra, tipos de anticorpos medidos (imunoglobulina G - IgG, IgM e IgA), a soroprevalência bruta estimada (amostras positivas divididas por todas as amostras testadas), soroprevalência ajustada e os fatores que os autores consideraram para o ajuste. O trabalho adotou correções nas taxas de soroprevalência nos estudos que não haviam testado os três tipos possíveis de anticorpos (IgG, IgM e IgA). Essa correção eleva a estimativa de infectados, o que reduziria a letalidade inferida. Mas há também uma proporção desconhecida de pessoas que pode ter respondido ao vírus com outros mecanismos imunológicos, sem gerar quaisquer anticorpos. Com base na população estimada para os locais de cada um dos estudos, foi calculado o número de pessoas infectadas (as que haviam desenvolvido anticorpos, de acordo com os estudos de soroprevalência). A taxa de mortalidade por infecção foi calculada dividindo-se o número de mortes por Covid-19 pelo número estimado de pessoas infectadas pelo Sars-Cov-2 em cada região. Foi usado o número de mortes acumuladas até uma semana após o ponto médio do período de estudo (ou a data mais próxima a esta que estava disponível), a não ser quando os autores tinham fortes argumentos para escolher algum outro ponto no tempo ou aproximação. Como não se sabe exatamente quando cada paciente que morreu estava infectado, o corte de 1 semana após o ponto médio do estudo pode subestimar as mortes em locais onde os pacientes ficaram hospitalizados por muito tempo antes da morte, e pode superestimá-las naqueles em que pacientes morreram logo por causa de cuidados inadequados A proporção de mortes entre os menores de 70 anos foi obtida em relatórios situacionais de cada local, da época das pesquisas sobre anticorpos
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