Horas depois de se reunir com Jair Bolsonaro para discutir a criação de um comitê entre os Poderes de gestão do combate à Covid-19, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), subiu o tom contra o governo ao discursar no plenário. Ele afirmou que, se não houver correção de rumo, a crise pode resultar em "remédios políticos amargos" a serem usados pelo Congresso, alguns deles fatais.
É a primeira vez que Lira faz menção, mesmo que indireta e sem especificar, à ameaça de CPIs e de impeachment contra o presidente da República, em um momento em que Bolsonaro tenta atrair Legislativo e Judiciário para a coordenação da pandemia.
Líder do Centrão e aliado de Bolsonaro eleito neste ano para a presidência da Câmara com apoio do presidente, Lira fez discurso durante sessão para votar projeto que autoriza deduções no Imposto de Renda a empresas e pessoas físicas que contratarem leitos privados para que o SUS use para tratar pacientes de Covid-19.
O presidente da Câmara falou no risco de uma "espiral de erros de avaliação", disse que não estava "fulanizando" e que se dirigia a todos os que conduzem órgãos diretamente envolvidos no combate à pandemia. "O Executivo federal, os Executivos estaduais e os milhares de Executivos municipais também", afirmou.
Apesar de dizer não ser justo colocar toda a culpa em Bolsonaro, ele cobrou correção de rota, fez críticas ao trabalho do ministro Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e falou em tom de ultimato.
"Estou apertando hoje um sinal amarelo para quem quiser enxergar", disse, afirmando que o caos na saúde gerado pela crise de Covid-19 precisa ser um fator de conscientização das autoridades envolvidas no sentido de "que o momento é grave" e que "tudo tem limite".
Segundo ele, é preciso buscar a "união de todos" e esgotar "todas as possibilidades deste caminho antes de partir para as responsabilizações individuais."
"Não é esta a intenção desta presidência. Preferimos que as atuais anomalias se curem por si mesmas, frutos da autocrítica, do instinto de sobrevivência, da sabedoria, da inteligência emocional e da capacidade política", disse Lira.
Ele afirmou que, de todas as mazelas brasileiras, a pandemia era a mais importante. "Esta não é a Casa da privatização, não é a Casa das reformas, não é nem mesmo a Casa das Leis. É a Casa do povo brasileiro", disse. "E quando o povo brasileiro está sob risco, nenhum outro tema ou pauta é mais prioritário." Por isso, disse fazer um "alerta amigo, leal e solidário."
"Dentre todos os remédios políticos possíveis que esta Casa pode aplicar num momento de enorme angústia do povo e de seus representantes, o de menor dano seria fazer um freio de arrumação até que todas as medidas necessárias e todas as posturas inadiáveis fossem imediatamente adotadas, até que qualquer outra pauta pudesse ser novamente colocada em tramitação", disse.
Um episódio de desgaste na relação de Lira com Bolsonaro envolveu a troca do general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde. O nome chancelado pelo presidente da Câmara era o da cardiologista Ludhmila Hajjar, mas Bolsonaro optou pelo cardiologista Marcelo Queiroga.
No discurso desta quarta, o líder do Centrão propôs adotar um esforço concentrado para a pandemia por duas semanas, atrasando a tramitação de outros projetos para votar textos que tenham como objetivo ajudar no enfrentamento da Covid.
"E CPIs ou lockdowns parlamentares, medidas com níveis decrescentes de danos políticos, devem ser evitados. Mas isso não depende apenas desta Casa", afirmou. "Depende também, e sobretudo, daqueles que fora daqui precisam ter a sensibilidade de que o momento é grave, a solidariedade é grande, mas tudo tem limite."
Aliados de Lira leram o discurso como uma forma de o presidente da Câmara apertar o botão amarelo em relação às atitudes de Bolsonaro. Isto é, o mandatário assumiu o compromisso de tomar as rédeas e comandar o combate ao novo coronavírus. Caso o presidente falhe na missão e reforce teses negacionistas, o Congresso poderia tomar "remédios amargos", "alguns, fatais".
A pessoas próximas, porém, Lira minimizou o teor do pronunciamento e disse que se referiu à gestão "tripartite" da saúde e da pandemia para demonstrar que seu objetivo não era cobrar somente Bolsonaro.
Em conversas reservadas, Lira afirmou que o objetivo de seu discurso foi cobrar todos os atores envolvidos, que em momento algum ele falou em impeachment e que há pedidos de afastamento contra governadores e prefeitos também.
O presidente da Câmara ainda ressaltou que disse mais de uma vez que não queria "fulanizar". Avaliou que foi um discurso de "paz e harmonia", não de "guerra", mas para chamar atenção para o momento atual.
Segundo pessoas próximas de Lira, o deputado teme sair na foto de quem está na linha de frente ao combate à Covid, mas depois sair prejudicado por inação de quem deve solucionar os problemas da pandemia.
Na manhã desta quarta, o líder do Centrão se mostrou mais comedido ao participar de pronunciamento ao lado de Bolsonaro. Lira defendeu que a coordenação do combate à pandemia fique a cargo do presidente e o discurso unificado seja organizado pelo Ministério da Saúde.
"Como bem falou o presidente Rodrigo Pacheco, a união de todos para que nós consigamos comunicar melhor, despolitizar a pandemia", afirmou.
Na reunião, Lira cobrou do Itamaraty mais diálogo com nações consideradas estratégicas para o enfrentamento da crise sanitária.
Após o encontro, do qual participou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, e ministros de governo, Bolsonaro anunciou a criação de um comitê para coordenar as ações de enfrentamento à pandemia. Ele afirmou que o comitê vai reunir o governo federal, os governadores e o Senado.
A iniciativa de Bolsonaro ocorre em um momento em que o país atinge 300 mil mortes, com um registro de mais de 3 mil mortos em 24 horas. A gestão da pandemia afetou a popularidade do presidente, segundo pesquisa Datafolha. O último levantamento mostrou que cresceu para 56% o número de brasileiros que consideram Bolsonaro incapaz de liderar o país.
Apesar das fortes críticas durante a campanha eleitoral de 2018, o governo Bolsonaro se aproximou do Centrão no ano passado, enquanto tentava minimizar as chances de abertura de um processo de impeachment pela Câmara.
Bolsonaro fez forte campanha nos bastidores para garantir a eleição de Lira, que envolveu a promessa de emendas e de cargos em troca de votos. Desde que assumiu o comando da Câmara, Lira tem descartado as possibilidades de impeachment e de abertura de CPI para apurar a gestão da pandemia de Covid-19.
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