Após acelerar a tramitação de uma proposta que amplia a imunidade parlamentar, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), negou que essa PEC blinde deputados e senadores e disse não identificar pontos do texto que possam ofender o STF (Supremo Tribunal Federal).
Nos bastidores, ministros do Supremo têm feito críticas a mudanças nessa Proposta de Emenda à Constituição, em discussão para uma rápida votação na Câmara.
Lira falou sobre o tema na manhã desta quinta-feira (25), antes de uma reunião com líderes partidários para acertar o texto da PEC, cuja admissibilidade "ou seja, se atende os princípios constitucionais" foi aprovada um dia antes pelos deputados.
A expectativa é que o mérito seja julgado em sessão marcada para esta tarde. Por se tratar de uma PEC, o texto precisa de ao menos 308 votos em votação em dois turnos (a Câmara tem 513 deputados). Se aprovado na Câmara, o texto segue para o Senado.
As principais críticas à PEC ocorrem pelo fato de essa restringir a punição de parlamentares ao Conselho de Ética e também ao dispositivo que estabelece que o julgamento no STF só pode envolver processos relativos a crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções parlamentares.
Outro dispositivo, caso o texto seja aprovado, proibiria a prisão em flagrante em crime de corrupção, que não está elencado como crime inafiançável pela Constituição conforme a delimitação prevista no texto da PEC.
A decisão de regulamentar a imunidade parlamentar foi anunciada por Lira na sexta-feira (19), durante sessão em que os deputados confirmaram a prisão de Daniel Silveira (PSL-RJ).
O parlamentar foi preso na semana passada por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF, após a publicação de um vídeo dele com ataques aos ministros da corte e defesa ao AI-5 (Ato Institucional nº 5), que deu início ao período mais autoritário da ditadura.
A decisão de Moraes pela prisão de Silveira, depois ratificada pelo plenário da corte, é vista como controversa e divide opiniões entre especialistas em direito ouvidos pelo jornal Folha de S.Paulo.
De acordo com a Constituição Federal, um parlamentar pode ser preso em caso de flagrante de crime inafiançável. Moraes justifica o flagrante pelo fato de a conduta ter sido gravada e disponibilizada na internet.
As falas do deputado bolsonarista foram consideradas pelo STF crimes contra a segurança nacional, por isso inafiançáveis, por conferirem ataques ao Estado democrático de direito, como a defesa do AI-5 editado pela ditadura militar. O enquadramento feito pelo ministro do Supremo, porém, provoca questionamentos.
O presidente da Câmara defende o texto da PEC e nega qualquer intenção de blindar os congressistas, mas disse que cada parlamentar tem direito a expressar suas opiniões, pela voz ou pelo voto.
"Se é um princípio que eu defendo, eu não posso recriminar porque um deputado explicitou a sua voz e o seu voto, mesmo de maneira equivocada ou diferenciada", afirmou. O líder do centrão responsabilizou o Congresso por ter deixado lacunas na legislação que levassem ao atual debate.
Lira afirmou que a regra é necessária para que o STF não tenha "que recorrer a uma lei de segurança nacional" pelo fato de o Congresso não ter esclarecido os limites da imunidade parlamentar.
A Câmara teve um comportamento de deixar isso claro, que a inviolabilidade com relação à imunidade parlamentar não será plena quando for contra a democracia, ressaltou. A Câmara fez um corte na perna, um corte no braço, e deixou isso claro para o Brasil. Lógico que isso precisa, por falha do legislativo, ser remediado.
O líder do centrão, porém, respondeu a críticas feitas por ministros do Supremo nos bastidores.
Ao menos dois integrantes da corte criticaram duramente a PEC que limita as possibilidades de punição e prisão de parlamentares e indicaram que há trechos inconstitucionais que poderiam depois ser derrubados pelo Supremo, caso sejam aprovados.
Eu respeito os ministros, respeito o Supremo. O Legislativo, da mesma forma, merece todo respeito na sua atuação primordial, que é legislar. E nesse aspecto de uma regulamentação de um artigo constitucional, eu não vejo onde o Legislativo esteja ofendendo ou agredindo outro poder, disse.
"Com toda responsabilidade que me cabe nesta hora, de primar pela independência e autonomia dos poderes, eu não posso falar sobre hipótese porque eu não vi, não ouvi e espero que nós tenhamos sempre um comportamento institucional firme, nenhum pronunciamento de nenhum ministro."
Para facilitar a aprovação do texto, a relatora da PEC, Margarete Coelho (PP-PI), acatou algumas propostas dos líderes partidários. A principal é restringir a proposição ao artigo de imunidade parlamentar, excluindo do texto dispositivos que tratavam de deputados estaduais, ficha limpa e das competências do STF e do STJ (Superior Tribunal de Justiça).
A parlamentar afirmou que o texto não vai limitar a punição do congressista a responsabilizações ético-disciplinares. "O crime contra a honra não tem relação com o exercício do mandato. O decoro é para proteger a dignidade da Casa", disse.
"A outra coisa são os crimes [contra honra], que vão continuar sendo punidos da mesma forma. E a jurisprudência do Supremo é extremamente pacífica em relação a isso. Então essa preocupação acho que é afastada por uma leitura atenta do que diz o dispositivo."
Margarete Coelho afirmou que a intenção foi definir melhor o escopo de prisão em flagrante por crime inafiançável. "A gente vê rotineiramente uma confusão no Código Penal quando ele diz que os crimes que admitem prisão preventiva não admitem fiança, logo seriam inafiançáveis", ressaltou. "Isso não é verdade, isso é uma lógica processual."
Segundo ela, a solução para especificar os crimes inafiançáveis será indicar no texto a frase nos termos da lei, em vez de restringir aos que estão na Constituição, como na versão original da PEC.
A deputada negou que a proposta favoreça Daniel Silveira e defendeu que a proposição enrijece a Constituição ao incluir a possibilidade de prisão preventiva de parlamentar.
"Hoje, o parlamentar é preso em flagrante. O flagrante é 24 horas. Passou 24h, se nós aqui confirmarmos a prisão, como fizemos no caso do Daniel Silveira, o que vai acontecer? Tem um limbo aí", disse.
"Com a alteração que será proposta no plenário, ele pode transformar, a pedido do Ministério Público, essa prisão que era em flagrante em prisão preventiva."
Margarete Coelho também falou sobre a possibilidade de custódia prevista no texto e afirmou que a ideia é fazer uma equiparação ao que acontece com outros agentes políticos.
"Nunca vi um juiz preso em uma cela, eles ficam em uma sala de Estado maior, que são construídas exclusivamente para isso em alguns ambientes. Por que esses espaços não poderiam servir também aos parlamentares?", questionou.
Na avaliação dela, as mudanças facilitam a aprovação do texto. "Essa Casa funciona muito à base de acordos, e é assim que deve funcionar. Então se um líder reivindica uma alteração no texto, e essa é feita, pressupõe-se que a contrapartida seja a aprovação."
Lira criticou ainda o afastamento do cargo da deputada Flordelis (PSD-RJ) pela Justiça do Rio. Ela é acusada de mandar matar o marido, o pastor Anderson do Carmo, em 2019.
Anderson foi assassinado dentro da própria casa, em Niterói (RJ). Ele voltava para a residência que dividia com Flordelis e 35 dos filhos que eles tinham, a maioria adotados.
"É outro caso. Pense aí. Eu entendo que não tem competência o Tribunal de Justiça para afastar um deputado", afirmou Lira. "Justamente agora, quando a mesa [diretora] manda para o conselho de ética, vem uma decisão da Câmara, do Tribunal de Justiça do Rio, suspendendo a parlamentar."
"A nossa procuradoria está vendo quais são as possibilidades de cumprimento ou não, independente do caso dela, de afastamento de parlamentar agora por órgão de instância inferior", disse.
Lira afirmou que a mesa diretora da Câmara vai se posicionar sobre a decisão da Justiça do Rio. "A consultoria da Casa está avaliando para se posicionar, inclusive nós vamos provocar, entendo, o STF para se posicionar numa ADI que já existe lá desde 2017."
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