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Livro de prefeito de BH tem relato de estupro tirado do contexto em campanha de adversário

Livro de prefeito de BH tem relato de estupro tirado do contexto em campanha de adversário

Por conta da autoria da obra, o opositor ao atual mandatário passou a acusá-lo de endossar “pedofilia” e escrever “pornografia”

Publicado em 26 de outubro de 2024 às 11:36

Ícone - Tempo de Leitura 7min de leitura
Livro de prefeito de BH tem relato de estupro tirado do contexto em campanha de adversário. (Reprodução TV Globo | Arte A Gazeta )

Conteúdo analisado: Vídeo em que uma mulher insinua que o livro de Fuad Noman não retrata uma história de ficção e relaciona o trecho que cita o abuso sexual com a exposição do Festival Internacional de Quadrinhos (FIC-BH) de 2024, realizado em maio, no Minascentro. Segundo ela, a gestão do atual prefeito levou alunos da rede municipal na feira onde havia “obras de teor adulto que foram disponibilizadas para menores, sem qualquer tipo de filtro”. Na legenda, o post diz: “Eu sou mãe, mulher, tenho lado, defendo as crianças e sou Bruno Engler, 22!”.

Onde foi publicado: Instagram.

Contextualizando:  O livro “Cobiça”, escrito e publicado em 2020 pelo prefeito e candidato à reeleição em Belo Horizonte, Fuad Noman (PSD), está no centro do debate político da capital mineira no segundo turno das eleições de 2024. A obra virou alvo de críticas de seu adversário Bruno Engler (PL) e de uma disputa judicial sobre a repercussão do conteúdo.

O romance narra a história de uma mulher que viaja ao interior de Minas Gerais e se reconecta com memórias antigas. Como mostrou o Jornal O Globo, a campanha de Engler passou a explorar um trecho da obra no qual o autor cita um estupro coletivo de uma criança de 12 anos e acusa o prefeito de endossar a “pedofilia” e escrever “pornografia”.

A obra já havia sido explorada no primeiro turno devido aos contos eróticos entre personagens adultos, mas as cenas de estupro também passaram a ser citadas na propaganda eleitoral no segundo turno. Em um vídeo feito pela campanha, a vice de Engler, Coronel Claudia Romualdo (PL), ataca o teor do livro e afirma que o estupro de uma criança sequer deveria ser pensado. No dia 23 de outubro, a Justiça deu uma decisão suspendendo a propaganda.

No dia 25, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL) publicou um vídeo nas redes sociais chamando o livro de “pornográfico”, mesmo após a decisão judicial contra a campanha de Engler. No mesmo dia, a Justiça Eleitoral determinou que o parlamentar retirasse a gravação do ar.

O Comprova teve acesso ao livro e identificou que, nele, são narradas duas cenas diferentes de estupro. Na primeira, no capítulo 8, página 157, três homens abusam sexualmente da mãe e da irmã de Pedrinho, um dos personagens centrais. As vítimas são agredidas e assassinadas na sequência. Noman se refere às duas na obra como “mulheres” e não afirma que a filha era menor de idade.

Já no capítulo 15, página 232, perto do fim do livro, o autor narra a história de Marli. A menina tenta convencer um personagem chamado Hypólito que ele é o seu pai. Para isso, menciona a mãe dela, Magda, que havia tido um relacionamento com ele no passado.

Segundo Marli, a mãe era casada, mas havia tido um relacionamento com Hypólito e engravidado. O marido da mulher não poderia ter filhos devido a um acidente e, quando a esposa apareceu grávida, ele descobriu ter sido traído.

Conforme o livro, o marido de Magda ficou furioso, levou a esposa para longe, trocou seu nome e o nome dela para não serem descobertos, proibindo-a de viajar até que Marli nascesse. A menina conta a Hypólito que, à medida que foi crescendo, viu indiferença por parte do marido de sua mãe e, quando completou 12 anos, passou a ser estuprada por ele.

Nessa parte do livro, Marli narra uma cena de estupro coletivo e, nas páginas seguintes, Hypólito se convence de que realmente é o pai dela, afirmando que vai lhe dar uma boa quantia em dinheiro para comprar uma casa. Após receber o dinheiro, a menina se encontra com um rapaz e afirma que Hypólito “caiu feito um patinho”. “Obrigado, mamãe Magda, seja lá quem tenha sido você.”

“Cobiça” é o segundo livro publicado por Fuad Noman. Em 2017, publicou “O amargo e o doce”, que conta a história de um jovem do interior que vai para BH trabalhar como garçom em um bar tradicional da capital.

Juiz afirma que livro foi tirado de contexto

A campanha de Noman entrou na Justiça e alegou que a propaganda divulgada pelo adversário induzia o eleitorado ao erro ao apresentar o livro dessa forma. A Justiça Eleitoral de Minas Gerais, por sua vez, entendeu que a forma como a obra vinha sendo retratada pelos opositores do prefeito não é fiel ao romance.

Na decisão judicial a qual o Comprova teve acesso, disponibilizada em 24 de outubro, o juiz Adriano Zocche, da 331ª Vara Eleitoral de Belo Horizonte, deu razão a Fuad e disse que o trecho usado na propaganda do candidato do PL descontextualiza a obra ficcional.

“O trecho do livro referenciado, quando analisado em seu contexto literário, é parte de uma narrativa fictícia que relata a história de uma personagem de forma a evidenciar tragédias e abusos sofridos por ela, sem qualquer apologia ou incentivo a tais atos. Ocorre que a propaganda dá a entender claramente que a descrição de uma cena em livro, a qual retrata fato sabidamente ilícito, criminoso e imoral, implicaria automaticamente em endosso à prática. Isso é descontextualização”, afirma o magistrado.

Passeio escolar a feira de quadrinhos também é citado

Outra crítica feita por opositores do prefeito diz respeito ao Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ-BH), ocorrido em maio na capital mineira. A vereadora Flávia Borja (DC) convocou, em junho, uma audiência pública para debater o tema na Câmara Municipal de BH. Na ocasião, o vereador Irlan Melo (Republicanos) afirmou que os livros expostos na feira eram para adultos e poderiam ser comprados por crianças no evento.

O parlamentar chegou a registrar boletim de ocorrência sobre o caso e propôs na Casa Legislativa uma moção de repúdio à prefeitura. Segundo Melo, o evento não contava com classificação indicativa e expôs as crianças a produções inadequadas.

A Secretaria Municipal de Cultura de Belo Horizonte rebateu as críticas feitas pelo vereador. De acordo com a titular da pasta, Eliane Parreiras, o evento teve uma organização pensada para preservar as crianças e os profissionais foram treinados para mediar a interação das crianças e não as expor a conteúdos inadequados.

Sobre isso, o juiz Adriano Zocche afirmou que o termo de colaboração e o manual do expositor do FIQ mostram que as alegações dos vereadores não condizem com a realidade. “Dessa forma, a sequência das alegações reforça o caráter manipulado e distorcido da propaganda, intensificando o efeito de desinformação”.

O magistrado deferiu o pedido liminar feito pela campanha do prefeito Noman e determinou às emissoras de rádio a suspensão imediata da exibição da propaganda eleitoral de Engler citada no processo.

O Comprova tentou contato com a autora do vídeo que originou este Contextualizando, mas não obteve resposta até o fechamento do texto. O conteúdo foi excluído do Instagram no dia 25 de outubro.

Fontes consultadas: Versão digital do livro “Cobiça”, de Fuad Noman, Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG) e reportagens sobre o tema.

Por que o Comprova contextualizou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições. Quando detecta nesse monitoramento um tema que está sendo descontextualizado, o Comprova coloca o assunto em contexto. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Para se aprofundar mais: O Comprova já verificou vários conteúdos falsos ou enganosos que tiraram informações de contexto. Recentemente, nesta seção, contextualizamos que a prisão de Putin em possível vinda ao Brasil depende do Judiciário e não de Lula, e que Boulos não cometeu crime eleitoral ao votar com a família. Além disso, o Comprova investigou 16 ocorrências reunidas em vídeo viral sobre a gestão Nunes em São Paulo.

Investigação e verificação

Investigado por: A Gazeta, NSC e Agência Tatu  
Texto verificado por: Estadão, O POVO, Tribuna do Norte e Metrópoles 


O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada e mantida pela Abraji – Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens. A Gazeta faz parte dessa aliança. 

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