SÃO PAULO - Na primeira semana da propaganda do segundo turno no rádio e na televisão, as campanhas de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de Jair Bolsonaro (PL) levaram ao horário eleitoral ataques que viralizaram antes nas redes sociais, em postagens feitas em perfis que não os oficiais dos candidatos.
A prática teve roteiro semelhante entre bolsonaristas e petistas. Primeiro, os ataques foram publicados em sites não oficiais das campanhas e compartilhados nas redes sociais de simpatizantes. Dias depois de gerarem engajamento e picos de buscas no Google, os temas foram levados às propagandas oficiais.
Questionadas pela reportagem, as campanhas dos dois presidenciáveis não responderam se houve ação orquestrada de publicações nas redes antes do uso no horário eleitoral. A assessoria de Bolsonaro afirmou que não comenta assuntos relacionados à campanha. O PT não respondeu até a publicação desta reportagem.
Na TV, Bolsonaro, por exemplo, ligou a imagem de Lula à de presos. Antes, a partir de 3 de outubro, posts nas redes sociais relataram uma suposta vitória do petista entre eleitores que votam em cadeias do país.
Um vídeo com detentos supostamente cantando um jingle do ex-presidente foi compartilhado em redes sociais. Uma das postagens no Facebook teve mais de 6.000 compartilhamentos. Checagem da agência AFP revelou que o vídeo é de 2016 e que o áudio foi alterado. No original, não havia a música petista.
Em 11 de outubro, a narrativa de que Lula foi o candidato preferido de bandidos chegou ao horário eleitoral. A propaganda do presidente na TV divulgou dados de sites regionais e relatórios de urnas de presídios, entre os quais o de Tremembé (SP), para dizer que o petista foi o mais votado entre detentos do país. Não foi apresentado, porém, um levantamento consolidado dos votos de todas as cadeias do Brasil.
"Sabe onde Lula teve mais votos no primeiro turno das eleições? Nas cadeias e nos presídios", afirma a apresentadora na peça. A Constituição Federal prevê o direito ao voto para o preso sem sentença final. Somente a condenação criminal definitiva suspende os seus direitos políticos.
Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 220 locais de votação foram instalados em unidades prisionais, com mais de 12 mil votantes registrados em 2022. Nem todos eleitores, porém, são presos. Mesários e funcionários de estabelecimentos penais também estão registrados para votar nesses locais. Não há, então, como afirmar com precisão que candidato teve mais votos de detentos.
Ao tentar reforçar a ligação de Lula com "bandidos", a propaganda bolsonarista diz que o adversário defendeu criminosos e atribui os supostos resultados das votações nos presídios a declarações do petista.
A peça resgatou críticas à violência policial, feitas em 2019. "Não posso ver mais jovem de 14, 15 anos, assaltando e sendo violentado, assassinado pela polícia, às vezes inocente, ou às vezes porque roubou um celular", disse o ex-presidente.
A resposta de simpatizantes petistas veio nas redes sociais dias depois, com a publicação de um vídeo com o título "os maiores assassinos do Brasil apoiam Bolsonaro". Nele, aparecem o goleiro Bruno, o ator Guilherme de Pádua e a cantora e ex-deputada federal Flordelis, apontados como eleitores do presidente.
O conteúdo não foi postado nas plataformas oficiais de Lula, mas a campanha petista avalia se o fará nos próximos dias na internet, no rádio e na televisão. Não seria o primeiro caso de migração de temas viralizados nas redes sociais para o horário eleitoral do PT. No segundo turno, a campanha usou tática semelhante à do adversário para atingir o presidente em temas caros a ele, como a pauta de costumes.
Nos ataques mais agressivos até agora, levaram à TV falas antigas de Bolsonaro sobre ter discutido com ex-esposa o aborto de um dos filhos e outra em que relatou quase ter comido carne humana.
"Eu queria ver o índio sendo cozinhado. Daí o cara falou: 'Se for, tem que comer'. Eu falei: 'Eu como!'. [Mas] como a comitiva não quis ir, porque tinha que comer o índio, não queriam me levar sozinho lá", afirmou o então deputado federal, em 2016, numa entrevista ao jornal americano The New York Times.
O assunto viralizou nas redes sociais a partir de 4 de outubro. Buscas no Google para o termo "Bolsonaro canibal" atingiram o topo em 5 de outubro. Dois dias depois, na sexta-feira (7), na estreia da propaganda eleitoral do segundo turno, o PT exibiu uma peça com o vídeo na televisão.
Para o sociólogo Marco Aurélio Ruediger, diretor de Análise de Políticas Públicas da FGV, a linguagem das redes sociais, mais emocional, tomou conta das campanhas. "Um certo esgoto das redes acabou migrando para a TV", afirma. "O que vale é o emocional, não há muito espaço para o debate de ideias."
O ponto de inflexão, para ele, foi a eleição de 2018, quando Bolsonaro, com tempo escasso de televisão no primeiro turno --seis segundos por dia--, venceu o pleito, com estratégia agressiva na internet.
Profissionais das campanhas dos candidatos em 2022 defendem que os ataques que tiverem maior engajamento nas redes sociais precisam chegar à televisão, mídia de maior penetração no Brasil.
Apesar da evolução exponencial do acesso à internet, o país ainda tem apagões. Segundo o IBGE, em 2019 os desconectados eram quase 40 milhões. Dados mais recentes, do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, apontaram 35 milhões sem acesso.
É nessa franja de eleitores, de classes C, D e E, que a televisão ainda reina. Cerca de 70% do público que assistiu às emissoras abertas em 2021 estão nessas classes sociais, segundo o Ibope Kantar Media.
Nas campanhas, há a ideia de que a veiculação na TV também reforça o assunto em públicos que já haviam sido atingidos pelo conteúdo em outras mídias, como WhatsApp e outras redes sociais.
A propaganda política nos veículos de comunicação é financiada com dinheiro público, por meio de verbas do Fundo Eleitoral. Além disso, as emissoras recebem compensações fiscais como ressarcimento pelo espaço cedido. Em 2022, a Receita prevê ressarcimento de R$ 737 milhões às empresas de rádio e TV.
A veiculação da propaganda é responsabilidade do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que julga pedidos de direito de resposta e retirada de conteúdos. A corte não faz análise prévia das peças veiculadas.
Na última semana, o tribunal retirou do ar o vídeo da campanha petista em que foi exibida fala editada de Bolsonaro sobre quase ter comido carne humana. Na decisão liminar, foi aceita a acusação de que houve alteração sensível do sentido original da entrevista.
Do outro lado, petistas também conseguiram retirar propagandas do presidente depois de elas entrarem no ar. "A velocidade da campanha é muito intensa. A Justiça está sempre atrás ao atuar", afirma o advogado José Paes Neto, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político.
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