O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pregou o resgate da soberania nacional, defendeu a Petrobras e repisou falas em prol da criação de empregos e do combate à fome ao lançar neste sábado (7) sua pré-candidatura à Presidência da República em chapa com Geraldo Alckmin (PSB) de vice.
"O grave momento que o país atravessa, um dos mais graves da nossa história, nos obriga a superar eventuais divergências", disse, diante de uma imagem da bandeira do Brasil. "Queremos unir os democratas de todas as origens e matizes [...] para enfrentar a ameaça totalitária."
O petista buscou se contrapor ao principal adversário na disputa, o presidente Jair Bolsonaro (PL), afirmando que ele é autoritário e ataca a soberania, a democracia e as instituições. Acusou-o de mentir para esconder sua incompetência e de destruir o que foi construído nos anos do PT no governo.
Em aceno ao eleitorado evangélico do rival, disse que o mandatário "não é digno do título o governante incapaz de verter uma única lágrima diante de seres humanos revirando lixo em busca de comida, ou dos mais de 660 mil brasileiros e brasileiras mortos pela Covid. Pode até se dizer cristão, mas não tem amor ao próximo".
Lula afirmou que o atual governo agiu com irresponsabilidade diante da pandemia de Covid-19 e elogiou o trabalho do SUS (Sistema Único de Saúde).
O discurso escolheu temas como inflação e desemprego para fustigar Bolsonaro e, em um momento de disparada dos preços de combustíveis, com discussões sobre a política de preços da Petrobras, defendeu a soberania energética e responsabilizou o atual governo.
"O resultado desse desmonte é que somos autossuficientes em petróleo, mas pagamos por uma das gasolinas mais caras do mundo, cotada em dólar, enquanto os brasileiros recebem os seus salários em real", disse o ex-presidente, que buscou exaltar legados de sua gestão.
"Não esperem de mim ressentimentos, mágoas ou desejo de vingança", afirmou Lula em alusão às condenações que sofreu na Operação Lava Jato, hoje anuladas.
O petista também falou em defesa do ambiente e do combate à crise climática, com a transição para um novo modelo de desenvolvimento sustentável, dos investimentos em educação, da retomada do consumo, do reconhecimento da cultura como setor importante.
"Precisamos de livros em vez de armas", disse, em alfinetada às medidas de Bolsonaro em defesa do armamento da população e à perseguição a artistas.
O ex-presidente fez ainda sinalizações aos povos indígenas, às mulheres e à população LGBTQIA+, parcelas da população em que Bolsonaro tem seus maiores índices de rejeição.
"Nunca foi tão fácil escolher", disse. "Para sair da crise, o Brasil precisa voltar a ser um país normal. A normalidade democrática está consagrada na Constituição. É imperioso que cada um volte a tratar dos assuntos de sua competência", acrescentou, pedindo o fim de chantagens verbais e tensões artificiais.
Disse ainda ser preciso que "o fascismo seja devolvido ao esgoto da história de onde jamais deveria ter saído". Segundo ele, o ato foi um chamado aos democratas que desejam reerguer o país e os apoiadores devem ajudá-lo a organizar "a maior revolução pacífica" da história.
"É proibido ter medo de provocação, de fake news. Nós vamos vencer essa disputa pela democracia distribuindo sorriso, carinho, amor, paz, e criando harmonia."
Líder das pesquisas de intenção de voto para outubro, mas pressionado por aliados nas últimas semanas por tropeços de comunicação e problemas internos na coordenação da campanha, Lula leu o discurso em tom protocolar, em vez de falar de improviso, como vinha fazendo em suas aparições.
Com diagnóstico de Covid-19 recebido nesta sexta-feira (6), Alckmin não compareceu pessoalmente e participou por meio de vídeo, em um telão, do evento realizado no Expo Center Norte, centro de convenções na zona norte da capital paulista.
Na transmissão, Alckmin disse lamentar sua ausência, justificou sua aliança com o ex-adversário, com quem concorreu na eleição presidencial de 2006, e fez piada com seu apelido "picolé de chuchu", já dito sobre ele inclusive por Lula, referindo-se a "uma coisa insossa".
"Nada, nenhuma divergência do presente, nem as disputas de ontem, nem as eventuais discordâncias de hoje ou de amanhã, nada, absolutamente nada, servirá de razão, desculpa ou pretexto para que eu deixe de apoiar ou defender, com toda a minha convicção, a volta de Lula à Presidência do Brasil", afirmou Alckmin.
"Obrigado, presidente Lula, por me dar o privilégio da sua confiança. Mesmo que muitos discordem da sua opinião de que lula é um prato que cai bem com chuchu (o que acredito venha ainda a se tornar um hit da culinária brasileira), quero lhe dizer, perante toda a sociedade brasileira: muito obrigado."
Lula reforçou a brincadeira depois, dizendo que a combinação é extraordinária, "será o prato predileto no ano de 2022 e se tornará o prato da moda no Palácio do Planalto".
A chef de cozinha Bela Gil, que participava do ato como apresentadora e defende a alimentação natural, foi instada a comentar o prato. Ela riu e disse que o petista respeita os direitos do povo, "inclusive na alimentação, que, para além do chuchu, ele agora vai do churrasco de picanha ao churrasco de melancia".
"É com muito orgulho que faço isso", disse Alckmin sobre a aliança, destacando o respaldo de seu novo partido, mas reconhecendo que a dupla tem à frente uma "missão que não é simples nem modesta". Ele falou que será "um parceiro leal" do ex-presidente e defendeu princípios como diversidade e solidariedade.
Lula, que discursou na sequência, disse ter certeza da lealdade do ex-governador, a quem chamou de companheiro, e afirmou que eles não sabiam o teor do discurso um do outro, mas deram provas de que estão afinados. "Nós estamos pensando muito parecido", disse o ex-presidente.
"Números diferentes, quando somados, não diminuem de valor, pelo contrário, elevam a sua grandeza. Essa lógica aplica-se também à política. Disputas fazem parte do processo democrático, mas, acima das disputas, algo mais urgente e relevante se impõe: a defesa da própria democracia", disse Alckmin.
"O desafio é grande, mas não desanimemos diante disso. Vamos nos animar para isso", conclamou, descrevendo as próximas eleições como um perigo à democracia, em referência à eventual vitória de Bolsonaro. "Ele não é a primeira, a segunda ou a terceira via. Lula é a única via da esperança para o Brasil."
Alckmin afirmou ainda que viu no convite de Lula "um gesto de reconciliação e um chamado à razão", antes de emendar críticas a Bolsonaro e discursar em defesa da pacificação. "O que mais importa é aquilo que o Brasil precisa. O Brasil sobrevive hoje ao mais desastroso e cruel governo da sua história."
A aliança com o ex-governador de São Paulo, alinhavada durante meses entre 2021 e 2022, é parte da estratégia de Lula de tentar unir forças políticas da esquerda à direita em nome do que seria uma frente ampla para evitar a reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL) e derrotá-lo no pleito de outubro.
Alckmin, que tomou três doses de vacinas contra a doença, está em isolamento por uma semana, com sintomas leves. Ele já havia aparecido ao lado do petista em outros eventos públicos desde o fim de 2021.
Sem o ex-governador, que deixou o PSDB em dezembro após 33 anos para se filiar ao PSB e fechar o compor com o outrora rival, acabou se frustrando o plano do comando petista de captar a imagem dos dois integrantes da chapa lado a lado, inaugurando a campanha.
Com o mote "vamos juntos pelo Brasil", o PT pretende traduzir a candidatura como um projeto do chamado campo democrático, e não só de Lula. A ideia é passar uma mensagem de unidade em torno da missão de brecar a tentativa de Bolsonaro de obter um segundo mandato e defender a democracia.
O que vem sendo descrito pelo PT como "movimento" reúne até agora sete partidos (PT, PSB, PC do B, Solidariedade, PSOL, PV e Rede Sustentabilidade), além de centrais sindicais e movimentos sociais, como MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e CUT (Central Única dos Trabalhadores).
Representantes das siglas e organizações foram ao ato, assim como artistas e personalidades.
Também compareceu a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que sofreu impeachment em 2016 e foi recebida de pé e com aplausos. Lula cumprimentou a correligionária, frisando o fato de ter sido a primeira mulher no cargo, e reafirmou ter "relação de companheirismo" com ela.
Aliados de partidos que não estão coligados com o PT, como os senadores Otto Alencar (PSD-BA) e Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), participaram do evento.
O evento deste sábado foi planejado no detalhe para evitar erros. Só Lula e Alckmin discursaram. O músico Paulo Miklos e a chef Bela Gil foram apresentadores. A sambista Teresa Cristina cantou o hino nacional.
O palco possuía tons de vermelho, a tradicional cor do PT, mas também verde e amarelo, com a bandeira do Brasil --incorporada nos últimos anos à estética bolsonarista. Fotos dos integrantes da chapa foram espalhadas pelo salão, onde 4.000 pessoas, segundo a organização, se reuniram.
Parte do público usou roupas e adereços vermelhos, e a maioria dispensou a máscara de proteção contra a Covid-19, que não é mais obrigatória em espaços fechados na capital paulista. Lula e Alckmin vestiram figurinos parecidos --terno escuro e camisa branca, sem gravata.
Participantes agitaram bandeiras de partidos e organizações. Também cantaram jingles de campanhas anteriores, como o verso "olê, olê, olá, Lula, Lula". O ex-presidente entrou no palco ao som da melodia, tocada por um trompetista, de mãos dadas com a noiva, a socióloga Rosângela da Silva, a Janja.
O PT orientou os militantes a transformarem a ocasião em um momento festivo, reforçando uma mensagem de esperança.
O lançamento da candidatura ocorre em meio a crises na pré-campanha desencadeadas por falas desastradas e recuos de Lula, que desagradaram a parte dos aliados nas últimas semanas, com repercussão negativa em redes sociais e críticas de oposicionistas.
Entre os ruídos, a afirmação de que o aborto deveria ser um "direito de todo mundo" e a declaração, à revista americana Time, de que o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, é tão culpado quanto Vladimir Putin pela invasão de seu país pela Rússia.
Avaliações negativas sobre o trabalho e disputas de poder internas também levaram a uma troca no comando da comunicação, com a substituição do ex-ministro Franklin Martins pelo deputado federal Rui Falcão (SP) e pelo prefeito de Araraquara, Edinho Silva, na coordenação da área.
A mudança incluirá também a saída do marqueteiro Augusto Fonseca e a chegada para seu lugar de Sidônio Palmeira, que já participou da organização do ato deste sábado.
A partir da oficialização da candidatura, o ex-presidente e o ex-governador devem intensificar a agenda de viagens pelo país e encontros com apoiadores.
Nos dois meses iniciais, eles devem circular juntos, mas depois devem assumir agendas individuais. A ideia é, num primeiro momento, reforçar a unidade da dupla para apresentá-la ao público e difundir a retórica de que decidiram se aliar diante da excepcionalidade do momento do país.
A previsão é que o ex-tucano Alckmin dê atenção especial a eventos em regiões onde o petista sofre maior resistência. Ele também deverá ser escalado para dialogar com setores refratários ao partido de Lula, como agronegócio, empresariado, segurança pública e instituições religiosas.
A composição com Alckmin evoca a aliança de Lula com o empresário José Alencar (1931-2011), que foi o vice de Lula na primeira candidatura vitoriosa do petista, em 2002, e na disputa da reeleição, em 2006. O petista busca agora um terceiro mandato.
Lula está à frente das pesquisas de intenção de voto, mas, segundo o mais recente levantamento do Datafolha, de março, Bolsonaro recuperou fôlego na corrida para o Palácio do Planalto e chegou a 26% de intenções de voto na disputa, que é liderada por Lula, com 43%.
O petista também se mantém na dianteira das simulações de segundo turno, mas o atual presidente encurtou as distâncias. No levantamento anterior do instituto, feito em dezembro de 2021, Lula vencia Bolsonaro por 59% a 30%. A diferença caiu para 55% a 34% em março.
Sexta candidatura Lula volta a disputar uma eleição presidencial (esta deverá ser sua sexta candidatura) depois de ter sido alvo de investigações na Operação Lava Jato e, em razão das condenações que resultaram dos processos e o levaram à prisão, ter tido seu registro barrado pela Justiça Eleitoral em 2018.
Com o impedimento, ele foi substituído na chapa do PT pelo ex-ministro da Educação e ex-prefeito da capital Fernando Haddad, hoje pré-candidato do partido ao Governo de São Paulo e líder das pesquisas --alcançou 29% em um dos cenários da pesquisa Datafolha de abril.
Lula permaneceu 580 dias preso na Polícia Federal em Curitiba pela condenação no caso referente ao tríplex de Guarujá, sentenciada pelo ex-juiz Sergio Moro (hoje filiado ao partido União Brasil), e deixou o cárcere em 2019.
Lula foi solto no início de novembro de 2019, beneficiado por um novo entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) segundo o qual a prisão de condenados somente deve ocorrer após o fim de todos os recursos.
O ex-presidente foi mantido em uma cela especial da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba. O local tinha 15 metros quadrados, com banheiro, e ficava isolado no último andar do prédio. Ele não teve contato com outros presos, que ficavam na carceragem, no primeiro andar.
Galeria A história do PT em 40 imagens Relembre a formação no sindicato, os 14 anos no poder, o impeachment de Dilma, a prisão de Lula https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/1657528228431124-a-historia-do-pt-em-x-imagens *** Em 2021, o ministro Edson Fachin anulou as condenações do ex-presidente na Lava Jato, devolvendo os direitos políticos ao petista e mudando completamente o xadrez da eleição presidencial de 2022.
Desde então, Lula acumulou vitórias nos tribunais, sendo a mais significativa a ocorrida logo depois, com o julgamento da corte que declarou que o ex-juiz Moro foi parcial ao conduzir procedimentos em Curitiba.
Com a declaração de parcialidade, foram anuladas também as ações dos casos do sítio de Atibaia e Instituto Lula, também resultantes da Lava Jato.
Diferentes pontos levantados pela defesa do petista levaram à declaração de parcialidade, como condução coercitiva sem prévia intimação para oitiva, interceptações telefônicas do ex-presidente, familiares e advogados antes de adotadas outras medidas investigativas e divulgação de grampos.
Moro abandonou a magistratura em 2018 para assumir o Ministério da Justiça do governo Bolsonaro, com quem depois se desentendeu --isso motivou seu pedido de demissão, em abril de 2020. O ex-magistrado migrou para a política e tentou construir uma candidatura à Presidência em 2022, sem sucesso.
A ida para uma cadeira no ministério de Bolsonaro também pesou contra Moro, assim como os diálogos entre integrantes da Lava Jato obtidos pelo site The Intercept Brasil e publicados por outros veículos de imprensa, como a Folha, que expuseram a proximidade entre o juiz e os procuradores do Ministério Público Federal.
Outro marco simbólico para a batalha judicial do petista ocorreu neste ano, quando o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, suspendeu a única ação penal ainda ativa contra o ex-presidente, que tramitava em Brasília, da Operação Zelotes.
Com o arquivamento de acusações e a declaração de prescrição de casos, hoje é improvável que Lula volte a ser condenado criminalmente na Lava Jato e operações relacionadas.
No mês passado, o Comitê de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) concluiu que os procuradores da Lava Jato e Moro foram parciais em relação aos casos investigados contra o ex-presidente.
O órgão divulgou um relatório afirmando que a investigação e o processo penal "violaram seu direito a ser julgado por um tribunal imparcial, seu direito à privacidade e seus direitos políticos".
A manifestação, em resposta a um pedido apresentado pelos advogados de Lula, não tem nenhum efeito jurídico, mas tem peso político para fortalecer o discurso de ter sido vítima de perseguição política, às vésperas da disputa eleitoral na qual lidera as pesquisas de intenção de voto.
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