Depois de conseguir o adiamento das eleições, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), colocou como uma de suas prioridades a votação do projeto que combate a disseminação de fake news, enquanto bolsonaristas lançam uma ofensiva contra o texto.
Maia, que já foi alvo de notícias falsas divulgadas por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), vem se manifestado publicamente a favor da proposta.
O cerne do texto aprovado no Senado, de responsabilização de plataformas caso não adotem medidas para conter a divulgação de fake news, é uma das bandeiras defendidas pelo presidente da Câmara.
"Eu tenho dito sempre que, com todo respeito e importância que essas principais plataformas têm, elas não querem ter responsabilidade de nada", criticou, em entrevista na semana passada. "Você quer ter uma plataforma onde passam informações de milhões de pessoas por dia, ou bilhões se for mundial, só que ninguém quer ter responsabilidade."
Um dos nomes cotados para relatar o texto é o do deputado Orlando Silva (PC do B-SP), amigo de Maia e que tem recebido relatorias importantes -foi dele o parecer sobre a medida provisória que suspende contratos de trabalho e corta jornadas e salários.
A discussão deve ganhar força na Câmara a partir desta segunda-feira (6). Deputados alinhados a Maia defendem a realização de debates públicos sobre os itens mais controversos e que eventuais mudanças ao texto sejam avaliadas com os senadores -alterações de mérito necessariamente devolvem o texto para o Senado.
O texto, de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e aprovado no Senado em votação apertada (44 votos a favor e 32 contrários), prevê que as plataformas adotem medidas para excluir contas falsas e para impedir a atuação de robôs não identificados. As empresas também devem identificar conteúdos impulsionados e publicitários cuja distribuição foi paga ao provedor das redes sociais.
Se houver denúncia por desrespeito à lei ou indícios da atuação de robôs não identificados, as plataformas poderão pedir a confirmação da identidade do dono do perfil, inclusive a apresentação de documento de identidade válido.
Há ainda a criação de um conselho responsável por elaborar código de conduta de redes sociais e serviços de mensagem privada -apelidado pelas redes bolsonaristas de Ministério da Verdade. As plataformas que descumprirem as regras estarão sujeitas à multa de até 10% do faturamento no Brasil no seu último exercício.
Além do conselho, outros pontos do projeto são considerados sensíveis, como a rastreabilidade nos serviços de mensagem, a identificação de contas e a moderação feita pelas plataformas.
Um dos autores de um projeto na Câmara que versa sobre o mesmo tema do aprovado no Senado, o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES) vê alguns pontos que podem ser melhorados no texto.
Um diz respeito ao devido processo na moderação feita pelas plataformas. O projeto diz que, em caso de denúncia ou de medida aplicada contra conteúdos e contas, o usuário deve ser notificado sobre a fundamentação e o processo de análise, assim como sobre os prazos e procedimentos para contestação.
Rigoni defende a supressão do dispositivo que trata de direito de resposta. "Do jeito que está, ficou vago. Qualquer pessoa que se sentisse ofendida poderia ter direito de resposta da plataforma", diz.
O deputado critica também o artigo que determina a comprovação da identidade do usuário em caso de denúncia. "No caso de indícios de robôs não identificados, de contas falsas ou em caso de ordem judicial, ok. Mas denúncia é um problema. Um político pode denunciar o adversário, por exemplo. É uma coisa desnecessária", afirma.
A própria criação do conselho é vista com ressalva pelo deputado. "A atribuição está vaga. Eu definiria, para que o conselho não fuja de suas atribuições. Se ficar mal escrito, pode ganhar atribuições que não foram dadas pelo legislador", disse.
A rastreabilidade das mensagens precisaria também de uma solução melhor, na avaliação de Rigoni. Pelo texto, é considerado encaminhamento em massa o envio de uma mesma mensagem por mais de cinco usuários, em intervalo de até 15 dias, para grupos e listas de transmissão que tiverem um alcance total superior a mil usuários.
Nesse caso, os aplicativos de mensagens terão que armazenar metadados e a cadeia de encaminhamento. A intenção é conseguir identificar autores de campanhas de difamação e fake news.
"Acho uma solução exagerada. Para saber se atingiu mil pessoas, possivelmente as empresas terão que ter rastreabilidade de um número maior de usuários. Tem que arrumar um gatilho melhor", diz.
Alvo de redes bolsonaristas, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), ex-líder do governo no Congresso, avalia que o projeto aprovado no Senado não enfrenta a raiz da divulgação de notícias falsas.
"Não se trata aqui de uma mentirinha, simplesmente, mas o que precisa haver no Brasil é uma legislação que coíba este vale tudo do crime nas plataformas digitais, nas redes sociais", defende.
Ela vai apresentar emendas ao projeto, incluindo uma sanção para suspender a monetização de canais em plataformas como YouTube por até um ano, a depender da gravidade dos fatos.
"Por que essa gente [blogueiros bolsonaristas] continua divulgando [fake news]? porque eles ganham dinheiro com isso. Para cada clique que se tem no YouTube [para os que têm número de inscritos mínimo para monetização], essa pessoa está ganhando dinheiro. E a plataforma também", critica. "Essas pessoas enriquecem produzindo notícias falsas."
Joice também quer incluir no texto sanções penais, criminalizando o ato de disseminar conteúdo verificadamente falso ou enganoso e usado com a intenção de obter vantagem. A pena seria aumentada se houvesse ganho econômico ou dano coletivo com a fake news, e também com a divulgação em calamidade pública.
A articulação para mudar o texto que veio do Senado esbarra em uma ofensiva de bolsonaristas que querem barrar a votação do projeto.
O deputado federal Filipe Barros (PSL-PR) começou a recolher assinaturas para criar a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Liberdade de Expressão, composta por deputados e senadores contrários à iniciativa. Para conseguir criar a frente, são necessárias 198 assinaturas -um terço dos membros do Legislativo.
"O projeto fere a liberdade de expressão", afirma. "Alguns extrapolam, mas, para esses casos, já existe o remédio para combater, já existem os instrumentos necessários. Não precisa de um projeto de lei genérico, que coloca nas mãos de um Ministério da Verdade o que pode ser dito e o que não pode ser dito", critica.
Segundo ele, a ideia não é alterar o texto do Senado, e sim rejeitar a proposta integralmente. "Tenho falado com inúmeros outros parlamentares. A ideia é que a frente possa atuar na Justiça contra o projeto de lei."
Outros parlamentares também criticam o texto. "Se colocar tudo na balança, o texto aprovado no Senado é ruim. Em defesa da democracia, temos que permitir a liberdade", afirmou o líder do Podemos na Câmara, deputado Léo Moraes (RO).
"É lógico que tem que ter um mecanismo para identificar os multiplicadores de notícias falsas, mas não desse jeito."
Para ele, o debate está sendo feito às pressas. "Decisão no calor do momento de um fato não é justiça, é vingança."
O presidente Jair Bolsonaro já indicou que pode vetar o projeto. Se isso acontecer, na avaliação de alguns líderes, o Senado poderia acompanhar a decisão do governo e manter o veto.
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