Cerca de 60% dos gastos realizados pelo MEC (Ministério da Educação) até o abril deste ano referem-se a compromissos assumidos no ano passado, mas que não haviam sido executados.
O quadro revela acentuada ineficiência de gestão do ministro Abraham Weintraub: boa parte do dinheiro federal previsto para 2019 não chegou de fato às escolas ou políticas públicas.
Os dados são de relatório da execução orçamentária do MEC, elaborado pelo Movimento Todos Pela Educação. O estudo analisa o acumulado até abril, com base nas informações oficiais do governo federal.
A situação mais grave é no FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), órgão do MEC responsável por transferências de dinheiro a escolas e redes de ensino.
De R$ 1,1 bilhão referente a pagamentos discricionários (que excluem salários, por exemplo) feitos até abril, 90% eram de empenhos de 2019 não executados naquele ano.
Empenhos (o primeiro passo para execução do orçamento) não executados e repassados para o ano seguinte são chamados de restos a pagar.
Um alto volume desses recursos indica ineficiência na execução do orçamento disponível e, na prática, que as políticas públicas para as quais as rubricas eram direcionadas não receberam esse financiamento.
O volume de restos a pagar gerado em 2019 foi o maior desde 2015, ano marcado pela turbulência do governo Dilma Rousseff (PT).
Segundo o levantamento do Todos Pela Educação, cerca de 70% do saldo atual de restos a pagar foi gerado em 2019, primeiro ano do governo Jair Bolsonaro (sem partido).
Sob Bolsonaro, o MEC esteve marcado por instabilidades, com troca de ministros e de equipes. Weintraub, praticamente fora do MEC, substituiu Ricardo Vélez Rodríguez em abril de 2019, após disputas entre seguidores do escritor Olavo de Cavalho e militares.
O FNDE, por exemplo, já está em seu quarto presidente desde o ano passado. O órgão agora é dirigido por indicação política do centrão.
Em paralelo a isso, a pasta passou por uma paralisia nas ações, em parte pressionada pelo congelamento de recursos ordenado pela área econômica durante o ano. Mas não só por isso.
Até o meio de 2019, os programas voltados para educação básica estavam praticamente parados, como, por exemplo, repasses de apoio a educação em tempo integral, construção de creches, alfabetização e ensino técnico.
Somente no fim do ano a pasta passou a acelerar empenhos. Mas o dinheiro não chegou na ponta, como fica claro na análise de um programa que transfere dinheiro direito para as escolas (e que não havia sido contingenciado).
Até 20 de dezembro de 2019, havia sido empenhado 52% do orçamento de quase R$ 2 bilhões do PDDE (Programa Dinheiro Direto na Escola), e pagos até aquele momento 49%.
O MEC fechou 2019 com o empenho de praticamente todo orçamento, mas o executado chegou a somente 56,5%, segundo consta do sistema federal de acompanhamento orçamentário.
João Marcelo Borges, diretor de Estratégia Política do Todos pela Educação, ressalta que o volume tão alto de restos a pagar afasta o argumento de que o governo teve de lidar apenas com uma "herança maldita".
Para ele, trocas na gestão e na manutenção de equipe sem experiência na educação reforçam a responsabilidade sobre a ineficiência com os gastos.
"Mas, no fim das contas, é um reflexo do descompromisso com a educação, porque todos os outros elementos só ganham essa magnitude quando não há compromisso com a área", diz ele, que chama a atenção para os indicadores do FNDE.
"Como no FNDE o gasto é federativo, isso significa que a capacidade real do MEC de aportar recursos, e, portanto, serviços para educação básica, foi extremamente limitado."
Além evidenciar má gestão, a execução dos restos a pagar neste ano consome os limites de pagamento impostos pela área econômica para este ano. Dessa forma, reduz o espaço para o financiamento de novas ações.
Levando em conta a administração direta do MEC e o FNDE, os pagamentos feitos neste ano relacionados a compromisso passados consumiram 57% dos limites de pagamento.
Além da dotação atualizada, a execução dos recursos discricionários depende dos limites de empenho (autorização da execução orçamentária) e de pagamento (execução financeira).
Essa situação inviabiliza novos gastos. Tanto é que o governo Bolsonaro não tem até agora uma linha de financiamento para o enfrentamento dos reflexos da Covid-19 na educação básica. Só recursos já previstos, como o PDDE e de merenda, foram pagos às redes.
Até abril, o MEC tinha uma dotação de R$ 615 milhões para o combate à pandemia, mas o foco de execuções tem sido em ações relacionadas aos hospitais universitários.
Para a deputada Tabata Amaral (PDT-SP), os dados orçamentários são importantes para mostrar que, além de posicionamentos ideológicos, nada de relevante tem acontecido no MEC.
Os trabalhos da comissão externa de acompanhamento do MEC na Câmara, diz Tabata, revelam o mesmo cenário.
"O MEC está com capacidade baixa de execução das políticas públicas", diz ela. "E não é só questão de baixa execução orçamentária, mas é algo muito mais amplo, de um ministro que não entende o que é ser ministro e há limites até onde os técnicos podem ir."
Questionado, o MEC não respondeu à reportagem.
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