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Mais de 11 milhões no Brasil moram em casas superlotadas

Mais de 11 milhões no Brasil moram em casas superlotadas

O número de 2018, da mais recente Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE, demonstra que  que quase 6% da população vive em ambientes abarrotados

Publicado em 28 de março de 2020 às 17:53

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Favela na cidade de São Paulo
Favela na cidade de São Paulo. (Wikimedia Commons)

Na casa de Geovane Gonçalves, 24, vivem ele, sua mãe, seu padrasto, seu irmão, mais duas irmãs, sua filha de cinco anos, seis gatos e um cachorro. São sete pessoas e sete bichos para duas camas de solteiro e um sofá.

Como a conta não bate, o jeito é se espremer durante os longos dias de quarentena. "Nos revezamos. Um vai pra TV, outro fica no celular, mas estamos evitando as notícias pra não ficar em pânico", diz o atendente de loja, morador da favela da Rocinha, na zona sul do Rio.

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Geovane e sua família estão entre os 11,5 milhões de brasileiros que moram em casas superlotadas, ou seja, que abrigam mais de três pessoas por dormitório. O número é de 2018, da mais recente Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE.

Isso significa que quase 6% da população vive em ambientes abarrotados que tornam quase impossível o tal isolamento social, tratado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma das principais ferramentas para conter o novo coronavírus.

Os cômodos cheios são uma realidade mais comum entre os pretos e pardos (7%) e entre as mulheres solteiras com filhos de até 14 anos. Nesse último recorte, há ainda um abismo entre as chefes de família brancas (8%) e negras (12%).

O problema é maior nas capitais, onde a doença está mais concentrada até agora. As três cidades com o maior número de casos confirmados ­""São Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza"" estão entre as com mais habitantes morando em domicílios hiperadensados. A capital paulista acumula um terço dessas pessoas.

Quem ganha em termos proporcionais, porém, é o Norte do país, onde 13% da população vive em locais superocupados. Em Macapá, por exemplo, essa é a condição de nada menos que um quinto dos moradores.

Em Manaus, a autônoma Aldineia Viana, 35, tem passado o dia inteiro com o marido e três filhos dentro de uma quitinete, geminada a outras quatro quitinetes dentro de uma vila. "A moradia piorou 100%. Agora, com esse coronavírus, acabou de vez", diz ela.

Eles viviam em uma casa em uma invasão no extremo norte da cidade, mas há um mês a área foi alvo de uma ação de reintegração de posse que retirou cerca de 2.300 famílias. Agora, o aluguel social pago pelo governo estadual aos desalojados, de R$ 600, é a única renda da família.

Para Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, coordenador do Observatório das Metrópoles (que reúne 400 pesquisadores no país), o problema do adensamento das moradias tende a piorar ainda mais com a crise do coronavírus e, consequentemente, a crise econômica que virá.

"Evidentemente uma estratégia das pessoas vai ser se aglomerar nas casas que já existem, considerando o aumento do desemprego e as pessoas que vivem de rendas que só suprem o hoje", diz ele, que é professor titular do instituto de pesquisa e planejamento urbano da UFRJ.

Ribeiro destaca ainda a dificuldade de se evitar aglomerações na vizinhança. "Além do adensamento das moradias, tivemos o adensamento da ocupação do solo, com os puxadinhos. O quadro habitacional do Brasil se agravou bastante a partir de 2016, com a crise e a paralisação de programas como o Minha Casa Minha Vida", avalia.

Outros números habitacionais dão a dimensão das dificuldades do Brasil em tempos de coronavírus: 6 milhões (3%) não têm banheiro em casa, 31 milhões (15%) não têm abastecimento de água próprio e 42 milhões (20%) não têm acesso à internet no domicílio, pelo computador ou dispositivo móvel, segundo a PNAD de 2018.

Mais um dado que assusta diante da pandemia é o fato de que 1 milhão de pessoas (0,5%) moravam em apenas um cômodo em 2010, ano mais recente do Censo do IBGE. É como a auxiliar de serviços gerais carioca Adriana dos Reis, 50, vive até hoje.

Sua casa na Rocinha é repartida em duas por uma toalhinha. De um lado, dormem ela e o marido; do outro, os dois filhos. A única divisória é um pequeno banheiro, que fica colado num espaço onde se empilham a pia, a máquina de lavar roupa, a geladeira e o microondas.

Para Ribeiro, a situação atual lembra as epidemias de varíola e febre amarela que acometeram principalmente o Rio de Janeiro no início do século 20, impulsionadas pelas condições sanitárias dos cortiços que dominavam o centro da então capital do país.

Na época, uma das soluções levadas a cabo pelo prefeito Pereira Passos foi o chamado "bota-abaixo", que derrubou as moradias e empurrou as camadas mais pobres para os morros e periferias, fazendo surgir a primeira favela brasileira, o Morro da Providência.

"Hoje, uma solução autoritária como essa é mais difícil, porque estamos falando de um terço da população em favelas", reflete Ribeiro. "Mas estou com uma certa esperança de que o coronavírus faça a gente acordar para o fato de que as extremas desigualdades que vivemos são intoleráveis e não atingem só essas pessoas, e sim a sociedade como um todo."

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