O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, avalia mudar sua conduta em relação ao presidente Jair Bolsonaro e deve submergir nos próximos dias para sair do foco da crise. Integrantes do Ministério da Saúde consideram que, embora tenha defendido orientações de órgãos internacionais de saúde, o ministro errou ao evidenciar as divergências com o presidente sobre a melhor estratégia de combate ao coronavírus no fim de semana.
O sentimento na pasta, de acordo com seus interlocutores, é de arrependimento após a entrevista concedida ao Fantástico, da TV Globo, que fragilizou o apoio de militares e de seus pares na Esplanada dos Ministérios.
Auxiliares de Bolsonaro, no entanto, veem com descrença o voto de silêncio do ministro. Isto porque, nas últimas semanas, Mandetta seguiu dobrando a aposta ao contrariar o presidente sobre temas como isolamento social e uso da cloroquina em pacientes do coronavírus mesmo após conversas que pretendiam apaziguar a relação.
Neste momento, segundo pessoas com acesso ao gabinete presidencial, a situação de Mandetta segue indefinida. Ou seja, Bolsonaro continua insatisfeito com o ministro, mas ainda calcula a data e conveniência de uma demissão.
Em entrevista ao Estadão Live Talks na manhã desta terça-feira (14) o vice-presidente Hamilton Mourão criticou o ministro da Saúde, dizendo que ele cruzou a linha da bola quando disse na entrevista que a população não sabe se deve acreditar nele ou no presidente. Ele fez uma falta. Merecia um cartão, disse Mourão, afirmando que julga que o presidente não deve mudar o ministro neste momento.
De acordo com interlocutores do Planalto, Bolsonaro tem observando um ambiente mais favorável a ele, enquanto as críticas sobre a atuação de Mandetta começam a surgir com mais ênfase internamente.
Na avaliação de um aliado, o presidente e o ministro, neste momento da crise, trocaram de papéis. Bolsonaro diminui o tom, enquanto Mandetta dobrou a aposta e ficou falando sozinho. Questionado sobre a entrevista ao Fantástico, o chefe do Executivo disse que não assiste à Rede Globo.
Enquanto Bolsonaro defende flexibilizar medidas como fechamento de escolas e do comércio para mitigar os efeitos na economia do País, permitindo que jovens voltem ao trabalho, o ministro tem mantido a orientação da pasta para as pessoas ficarem em casa. A recomendação do titular da Saúde segue o que dizem especialistas e a Organização Mundial de Saúde (OMS), que consideram o isolamento social a forma mais eficaz de se evitar a propagação do vírus.
Ministro e presidente também têm se desentendido sobre o uso da cloroquina em pacientes da covid-19. Bolsonaro é um entusiasta do medicamento indicado para tratar a malária, mas que tem apresentado resultados promissores contra o coronavírus. Mandetta, por sua vez, tem pedido cautela na prescrição do remédio, uma vez que ainda não há pesquisas conclusivas que comprovem sua eficácia contra o vírus.
A participação de Mandetta nas entrevistas coletivas de imprensa, que ocorrem diariamente no Planalto com um balanço sobre o novo coronavírus no País, ainda estão sob suspense e serão decididas dia a dia. O ministro da Saúde aguarda orientações do Ministério da Casa Civil para saber se participará. Nesta terça-feira, a presença dele só foi confirmada minutos antes das declarações aos jornalistas. Na segunda-feira, o ministro foi representado por técnicos. Ele também tem sido orientado por auxiliares a não conceder entrevistas a jornalistas ao longo da semana. A ideia, de acordo com um aliado, é "dar uma mergulhada por enquanto".
Alguns membros do DEM, partido de Mandetta, já vinham alertando o ministro a moderar o tom. Na visão desse grupo, mesmo sendo contrário às medidas defendidas pelo presidente Jair Bolsonaro, é difícil tolerar insubordinação em qualquer esfera.
Na semana passada, Mandetta descumpriu orientação do Planalto de evitar questionamentos da imprensa durante balanço sobre o novo coronavírus. Após o aviso de que perguntas não seriam permitidas, o ministro da Saúde quebrou o protocolo e permitiu que os jornalistas se manifestassem. A primeira questão levantada foi justamente sobre a relação com o presidente após os recentes desentendimentos, assunto que o Planalto queria evitar.
O estopim da nova crise foi a entrevista dada por Mandetta ao Fantástico na noite de domingo. O tom adotado pelo ministro foi considerado por militares do governo e até mesmo por secretários estaduais da Saúde como uma provocação ao presidente.
Na ocasião, Mandetta afirmou que o governo carece de um discurso unificado sobre o enfrentamento à pandemia e dirigiu cobranças a Bolsonaro, que tem ignorado recomendações de isolamento social e defendido o retorno ao trabalho. O presidente e outros integrantes do governo não foram avisados da entrevista e foram pegos de surpresa.
A entrevista à TV Globo foi uma decisão individual de Mandetta. No fim de março, o Planalto resolveu unificar a comunicação sobre a crise do coronavírus. Com isso, as entrevistas de todos os ministros passaram a ser concedidas na sede do Executivo. Na semana passada, diante de rumores de uma demissão e após uma reunião tensa com o presidente, Mandetta também decidiu dar uma entrevista no Ministério da Saúde sem o conhecimento do Planalto.
Na ocasião, admitiu que seus auxiliares na pasta chegaram a limpar suas gavetas. Em um pronunciamento à imprensa, Mandetta pediu paz para trabalhar e reclamou de críticas que, em sua visão, criam dificuldades para o seu trabalho. A interlocutores, o ministro tem confidenciado que gostaria que Bolsonaro o demitisse, mas mantém a posição de não tomar a iniciativa de deixar o governo com receio de ficar com o ônus de ter abandonado o barco no momento de crise e assumir uma nova linha de combate à covid-19.
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