SÃO PAULO - Para o mercado financeiro, a afirmação do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de que há pressão da Bolsa de Valores em defesa de medidas menos rigorosas de enfrentamento ao coronavírus é uma jogada política e um recado ao governo de Jair Bolsonaro.
Segundo gestores e analistas, Maia é um dos principais potenciais candidatos à Presidência nas eleições de 2022 e estaria se posicionando de acordo com a opinião pública. De acordo com pesquisa do Datafolha divulgada no domingo (22), a quarentena temporária, ou seja, o isolamento forçado em casa, tem apoio de 73% dos brasileiros, ante 24% que a rejeitam e 2% que se dizem indiferentes.
"A fala de Maia é o discurso de todo político que está interessado com sua base de votos, independente se concorde ou não. E ele também tem que manter a popularidade para conseguir coordenar a Câmara. Se parte parte para a linha econômica, ele perde apoio dentro da casa", diz Luis Sales, analista da Guide Investimentos
Já Bolsonaro e grupos de empresários defendem a volta às atividades para minimizar o impacto da Covid-19 na economia.
Na noite de terça (24), Bolsonaro voltou a falar em "histeria" sobre a pandemia. O presidente defendeu que escolas e comércio sejam reabertos e que o isolamento seja imposto apenas a pessoas mais velhas ou que integrem o grupo de risco.
A fala do presidente foi bastante criticada por especialistas, governadores, Judiciário, empresários e líderes do Congresso, como Maia e Davi Alcolumbre (DEM-AP).
"Cada movimento em Brasília é muito bem pensado, essas falas sempre têm um lado político", diz Ilan Arbetman, da Ativa Investimentos. Segundo o analista, demais líderes, como governadores e prefeitos, também aproveitam o momento de crise para alavancar eventuais candidaturas nas próximas eleições.
Na quarta (25), durante o fórum de governadores, que reuniu gestores de 26 estados, Maia voltou a abordar o confinamento.
"Acho que a gente tem que sair desse enfrentamento sobre abrir ou não abrir, sair do isolamento ou não sair, porque isso nada mais é do que a pressão de milhares de pessoas que aplicaram seus recursos na Bolsa, acreditaram no sonho, na prosperidade da Bolsa a 150 mil pontos. Ela está a 70 mil por vários problemas. E a gente não pode deixar de cuidar das pessoas porque as pessoas estão perdendo dinheiro na Bolsa de Valores", disse o deputado.
O Ibovespa, maior índice acionário da Bolsa de Valores, encerrou o pregão desta quinta-feira (26) cotado a 77.709 pontos. No início do ano, antes de o novo coronavírus se alastrar pelo mundo, agentes do mercado previam que ele poderia chegar a 150 mil pontos ao fim de 2020.
"Faria Lima e Leblon adorariam que a rotina voltasse ao normal, mas não ao custo atual. É preferível retardar a volta aos trabalhos que iniciar um processo de retomada sem que os avanços necessários sejam feitos", afirma Arbetman.
"Vejo a fala de Maia como politização e certo desconhecimento. Menos de 1% dos brasileiros investem na Bolsa, quem são essas milhares de pessoas que não querem que a Bolsa caia?", diz Rafael Panonko, analista-chefe da Toro Investimentos.
Segundo o último levantamento da B3, operadora da Bolsa de Valores brasileira, 1,945 milhão de CPFs negociaram ações em fevereiro.
"Sabemos que a única maneira de combater a doença no momento é o confinamento, e isso interfere na economia. O confinamento precisa existir, mas também precisamos de medidas econômicas claras e intensivas, especialmente se a paralisação durar por muito tempo, mas o governo federal não é salvador da pátria, outras esferas precisam agir também", afirma Panonko.
Nas últimas semanas, o Ministério da Economia anunciou medidas para minimizar os efeitos do novo coronavírus, que têm impacto de R$ 147,3 bilhões. A pasta chefiada por Paulo Guedes argumenta que há pouco espaço para ampliar o valor, devido ao déficit fiscal do Brasil.
No encontro de quarta, Maia também pediu aos governadores que elenquem projetos prioritários para análise do Legislativo que tenham impacto econômico de curto prazo no combate à pandemia do coronavírus e sugeriu que os governadores não entrem no debate sobre romper as medidas de isolamento social nos estados.
"A fala do Maia sobre a Bolsa não reflete o que vemos no mercado. Quem pressiona o governo por medidas mais amenas são as pequenas e médias empresas, não grandes investidores e fundos. As empresas estão muito preocupadas com o que vai acontecer. Semana que vem já tem folha de pagamento", diz Ricardo Jacomassi, economista-chefe e sócio da TCP Partners.
Para Álvaro Bandeira, economista-chefe da Modalmais, a pressão do mercado financeiro é por liquidez, ou seja, mais dinheiro à disposição, e flexibilidade junto a governo, BC (Banco Central) e CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que regula o mercado. Em meio à crise, BC e Tesouro Nacional têm agido para ampliar a liquidez e a CVM estendeu e flexibilizou prazos de entrega de documentos.
"Essa visão do Maia é torta, pequena. Primeiro, é preciso cuidar das pessoas, para que elas tenham recursos mínimos para sobreviver, e dar assistência para que empresas não quebrem e o mercado financeiro não fique comprometido com inadimplência. Temos que preservar a vida e as empresas", diz Bandeira.
Para Fabrizio Velloni, chefe da mesa de câmbio e sócio da Frente Corretora, o mercado vê essa politização do combate ao coronavírus com preocupação, "porque coloca em risco a aprovação da reforma tributária e administrativa. Falta articulação dentro do governo e com governadores".
Velloni cita a dissonância do vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB), que defende o isolamento social, com o discurso de Bolsonaro.
"Maia não é ingênuo, foi um recado para o governo. O Guedes está muito escondido e não vejo, no curto prazo, um pacote de estímulo expressivo", diz o economista.
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