Após receber críticas pela falta de assinaturas e de referência a especialistas no documento que amplia o uso da cloroquina, o Ministério da Saúde divulgou nesta quinta-feira (21) uma nova versão do documento com o nome de todos os secretários da pasta.
O texto é assinado por sete secretários do ministério, sendo que quatro são substitutos.
Também houve mudanças nas dosagens indicadas, maior detalhamento em trecho que citava sinais de gravidade pela Covid-19 e reforço nas orientações para acompanhamento com eletrocardiograma.
As novas orientações para uso de cloroquina foram divulgadas nesta quarta-feira (20), após exigência do presidente Jair Bolsonaro, que vinha pressionando pela ampliação da oferta do medicamento, na contramão das evidências científicas atuais.
O documento prevê o uso de cloroquina ou hidroxicloroquina associado a azitromicina para pacientes em todos os estágios da Covid-19, incluindo casos leves. Até então, o ministério previa uso apenas em pacientes graves ou críticos, monitorados em hospitais.
O próprio texto, porém, reconhece que não há evidências suficientes de eficácia, e o termo de consentimento do paciente cita risco de agravamento da condição clínica.
Versão inicial do documento divulgado na quarta-feira também não trazia assinaturas.
A medida ia na contramão de outros documentos da pasta, como as diretrizes anteriores de tratamento --a qual trazia, além da assinatura de secretários, uma lista de especialistas consultados e que ajudaram na elaboração.
Agora, o nome dos secretários foi incluído.
Houve ainda outras mudanças, como a dosagem indicada para casos leves (que passou de 450 mg de cloroquina para 500 mg de difosfato de cloroquina) e reforço para eletrocardiograma.
Antes, o documento orientava apenas "realizar monitoramento eletrocardiográfico". Agora, passa a citar a necessidade de exames no primeiro, no terceiro e no quinto dia do uso do medicamento.
A pasta também retirou a referência ao termo "tratamento" no título do documento, que passou a ser nominado "Orientações para manuseio medicamentoso precoce de paciente com diagnóstico de Covid-19".
Em nota, o Ministério afirma que o documento vinha sendo discutido no âmbito do ministério pela equipe técnica.
"Para deixar clara a participação e o envolvimento de todas as secretarias, os titulares das pastas assinaram o documento ainda na quarta-feira (20)", informou. Embora traga a assinatura de secretários, a ampliação da oferta do medicamento enfrentou resistência dentro do ministério.
Secretário de ciência e tecnologia, o médico e biofísico Antônio Carlos de Carvalho descartou participar da elaboração das novas orientações e pediu demissão na segunda-feira (18). O documento traz a assinatura de Vania Santos, que ficou como substituta.
Em entrevista à Folha, Carvalho confirma que a pressão para mudança no protocolo colaborou para a saída. Para ele, a medida foi precipitada e pode trazer riscos graves à saúde. "Se induzir arritmia em um paciente propenso, isso pode levar inclusive a óbito."
A ordem das assinaturas também chama a atenção. Áreas que seriam consideradas mais próximas do tema, como a secretaria de ciência e tecnologia, aparecem depois de outras mais afastadas dessa decisão, como saúde indígena.
A secretária de gestão do trabalho e educação na Saúde, Mayra Pinheiro, responsável na pasta por ações de capacitação de profissionais, foi uma das coordenadoras do novo documento.
Em coletiva nesta quarta-feira (20), ela justificou a mudança a um "clamor da sociedade".
Pinheiro confirmou que a nova orientação não foi analisada pela Conitec, comissão que analisa a incorporação de medicamentos no SUS.
Ela justificou a falta de avaliação pelo fato de que os remédios já são usados para outras doenças. Em geral, porém, o comitê costuma ser consultado também para mudanças de indicações de uso.
"Estamos falando de disponibilizar uma orientação. Essas medicações já passaram pela Conitec em outras fases. Estamos falando de uma guerra onde precisamos disponibilizar o direito que é clamado por brasileiros", disse.
Pinheiro também negou que o documento seja um protocolo, mas apenas orientações. A oferta, assim, ficará a critério médico.
"O protocolo precisa ser algo cartorial, e normalmente com obrigação de 'cumpra-se'. O que estamos fazendo é uma orientação, a partir da liberação do Conselho Federal de Medicina, de que médicos brasileiros possam ter livre-arbítrio para prescrever", afirmou.
Estudos recentes internacionais, publicados em revistas científicas de prestígio, no entanto, não mostraram benefícios do uso da cloroquina em reduzir internações e mortes e apontaram riscos cardíacos.
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