O Ministério Público junto ao TCU (Tribunal de Contas da União) quer apurar como a doação de R$ 7,5 milhões feita ao governo federal pela empresa de alimentos Marfrig para a compra de testes rápidos de Covid-19 foi parar no programa beneficente liderado pela primeira-dama, Michelle Bolsonaro, o Pátria Voluntária.
Em documento enviado à presidência do tribunal, o subprocurador-geral Lucas Furtado pede abertura de investigação com base em reportagem do jornal Folha de S.Paulo publicada nesta quinta-feira (1º) revelando o caso.
Segundo o procurador, o tema "reclama a obrigatória atuação do Tribunal de Contas da União", "uma vez que esses fatos indicam afronta aos princípios administrativos da legalidade, da impessoalidade e da moralidade".
Ele também pede que sejam investigados os repasses feitos a instituições missionárias evangélicas, mostrados pelo jornal nesta quarta-feira (30).
Segundo a reportagem, o programa repassou, sem edital de concorrência, dinheiro de doações privadas a instituições missionárias evangélicas aliadas da ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos).
Beneficiada com R$ 240 mil, a Associação de Missões Transculturais Brasileiras (AMTB) foi indicada por Damares para receber os recursos, segundo ata de uma reunião do conselho do programa.
O procurador acrescentou que o direcionamento de recursos a determinadas instituições missionárias religiosas viola o princípio da laicidade do Estado brasileiro, estabelecido pelo artigo 5º da Constituição.
"Ao admitir a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, a Constituição impôs ao Estado a obrigação de garantir, a todos os brasileiros, o exercício dessa liberdade, independentemente de suas próprias convicções", disse.
Segundo o procurador junto ao TCU, a aplicação dos recursos no âmbito do programa deveria ocorrer "segundo critérios objetivos, técnicos e isonômicos, e não de forma a privilegiar determinadas instituições".
Além disso, diz que o recebimento de doações de bens móveis e de serviços pelos órgãos e pelas entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional é regulado pelo decreto 9.764, de 11/4/2019.
"Assim, a apuração da irregularidade denunciada pela Folha de S.Paulo reclama que a doação efetuada pela Marfrig seja examinada à luz do referido decreto, principalmente quanto a eventuais ônus ou encargos de finalidade impostos pela empresa doadora na formalização da doação", disse.
O procurador também escreveu em sua representação que, caso a Marfrig e o governo federal tenham formalizado a específica destinação dos recursos doados e eles tenham sido aplicados em fim diverso do que foi pactuado, "caracterizado restará o desvio de finalidade".
"Daí, a necessidade de se proceder à apuração dos prejuízos e das responsabilidades", disse.
Ainda de acordo com Furtado, a aplicação desses recursos no âmbito do programa Pátria Solidária deveria ocorrer "segundo critérios objetivos, técnicos e isonômicos, e não de forma a privilegiar determinadas instituições".
No dia 23 de março, a Marfrig, um dos maiores frigoríficos de carne bovina do país, anunciou que doaria esse valor de R$ 7,5 milhões ao Ministério da Saúde para a compra de 100 mil testes rápidos do novo coronavírus.
Naquele momento, o Brasil enfrentava as primeiras semanas da pandemia e a falta desse material, enquanto a OMS (Organização Mundial da Saúde) orientava testar a população.
Dois meses depois, no dia 20 de maio, segundo a empresa disse por escrito à Folha de S.Paulo, a Casa Civil da Presidência da República informou que o dinheiro seria usado "com fim específico de aquisição e aplicação de testes de Covid-19".
No dia 1º de julho, no entanto, com o dinheiro já transferido, o governo Bolsonaro consultou a Marfrig sobre a possibilidade de utilizar a verba não mais nos testes, mas em outras ações de combate à pandemia. Os recursos foram então parar no projeto Arrecadação Solidária, vinculado ao Pátria, de Michelle Bolsonaro.
A Casa Civil ainda não se manifestou sobre o remanejamento da doação para o programa. Já a assessoria de Damares justificou o repasse à AMTB afirmando que esta "é uma entidade que reúne mais de 50 instituições com capilaridade em todo o território nacional para apoiar as ações do programa Pátria Voluntária".
"Desta forma, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) entende que o atendimento aos povos indígenas, comunidades quilombolas e ribeirinhas será efetivo e de qualidade com a parceria com entidades com esta finalidade, como ocorre com as Santas Casas de saúde em todo o Brasil", disse.
"O repasse de recursos pela Fundação Banco do Brasil, portanto, deve levar em consideração o critério de efetividade das ações, no espectro mais amplo possível que o Pátria Voluntária se destina, critério este que o MMFDH vem se pautando na indicação das entidades capazes de apoiar e desenvolver os objetivos do programa", completou.
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