Após os ataques do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao ministro Alexandre de Moraes nesta quinta-feira (30), os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes logo saíram em defesa do colega de STF (Supremo Tribunal Federal). À tarde, na sessão da corte e sem se referir diretamente às declarações do chefe do Executivo, outros ministros do Supremo também fizeram questão de elogiar Moraes.
No julgamento desta quinta, o próprio ministro mandou recados ao Palácio do Planalto. Ao votar em uma discussão sobre as consequências do novo coronavírus, Moraes disse que o Brasil só terá esperança de sair da crise se houver liderança para conduzir o processo.
"E esperança se dá com liderança. Quando nós que exercemos cargos públicos, possamos olhar para a população e afirmar que estamos fazendo o melhor com base em regras técnicas, regras de saúde pública, regras internacionalmente conhecidas. E não com base em achismos, com base em pseudomonopólios de poder por autoridade", disse Moraes.
Moraes também cobrou coordenação do governo federal com prefeitos e governadores no combate à doença."O Brasil já chega quase a 6.000 mortos. Enquanto os entes federativos continuarem brigando, judicialmente ou pela imprensa, a população é que sofre. A população não está muito preocupada com a divisão de competências administrativas ou legislativas, a população quer um norte seguro para que ela tenha saúde", disse.
A Ajufe (Associação dos Juízes Federais) também se manifestou e classificou a atitude de Bolsonaro como "inadmissível".
No início da manhã, em entrevista em frente ao Palácio da Alvorada, Bolsonaro fez duras críticas à decisão de Moraes de suspender a nomeação de Alexandre Ramagem para a direção-geral da Polícia Federal. Bolsonaro afirmou que o despacho foi "político" e quase gerou uma crise institucional.
Horas depois da afirmação do presidente, Barroso enviou uma declaração a jornalistas em que elogia Moraes. "O ministro chegou ao Supremo Tribunal Federal após sólida carreira acadêmica e de haver ocupado cargos públicos relevantes, sempre com competência e integridade. No Supremo, sua atuação tem se marcado pelo conhecimento técnico e pela independência. Sentimo-nos honrados em tê-lo aqui."
Gilmar, por sua vez, usou as redes sociais. "As decisões judiciais podem ser criticadas e são suscetíveis de recurso, enquanto mecanismo de controle. O que não se aceita 'e se revela ilegítima' é a censura personalista aos membros do Judiciário. Ao lado da independência, a Constituição consagra a harmonia entre poderes."
O presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, ressaltou que é testemunha da dedicação de Moraes "ao direito e à causa pública". "Fica aqui meu carinho e meu abraço ao querido colega e amigo ministro Alexandre de Moraes", disse.
Sem citar os ataques de Bolsonaro, os ministros do STF fizeram questão de elogiar Moraes.
A ministra Cármen Lúcia afirmou que o colega "honra a magistratura brasileira" pela sua responsabilidade e pelo "vasto conhecimento que faz com que o Brasil saiba que há, sim, ótimos juízes".
O ministro Luiz Edson Fachin foi na mesma linha e disse que se sente honrado em integrar o STF ao lado de Moraes. "Faço três cumprimentos, em primeiro lugar ao nosso eminente colega Alexandre de Moraes, cuja contribuição intelectual e acadêmica foi realçada da tribuna virtual e espelha aquilo que de real tem em todos os estudante e estudiosos do Brasil".
A Ajufe emitiu nota, mas também não fez referência direta a Bolsonaro. Para a entidade, "é inadmissível que uma autoridade pública não reconheça o princípio basilar ou queira se sobrepor à realidade constitucional" de que o Judiciário é um dos poderes da república.
"O direito à livre manifestação está previsto na nossa CF, e é aceitável que se mostre insatisfação, porém jamais este descontentamento pode gerar agressões e ofensas."
Nos bastidores, outros ministros também criticaram os ataques de Bolsonaro a Moraes, que, um dia antes, suspendeu a nomeação de Ramagem sob o argumento de que o presidente não observou os princípios da impessoalidade, da moralidade e do interesse público.
Em sua decisão, Moraes fez referência às acusações de Sergio Moro, que, ao deixar o Ministério da Justiça e Segurança Pública, disse Bolsonaro queria trocar o diretor da PF para poder interferir no trabalho da corporação.
Ao se despedir da pasta, Moro disse que Bolsonaro queria retirar Maurício Valeixo do comando da corporação para nomear Ramagem, por ter contato pessoal com ele.
Ramagem foi segurança pessoal do chefe do Executivo depois de ter sido eleito presidente em 2018 e é amigo do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente e investigado pela PF por articular disseminação em massa de notícias falsas.
Segundo o ex-juiz da Lava Jato, o chefe do Executivo queria ter acesso a relatórios de inteligência e a detalhes de investigações em curso, o que viola a autonomia da PF.
Em sua decisão, Moraes trata o perfil de Ramagem e sua proximidade com a família Bolsonaro de forma secundária. Ele usa declarações do presidente e de Moro para exemplificar os riscos da nomeação.
"Sempre falei para ele: 'Moro, não tenho informações da Polícia Federal. Eu tenho que todo dia ter um relatório do que aconteceu, em especial nas últimas 24 horas, para poder bem decidir o futuro dessa nação", disse o próprio Bolsonaro em pronunciamento após o pedido de demissão de Moro.
Ainda na quarta-feira, Bolsonaro sustou os efeitos da nomeação, e a AGU (Advocacia-Geral da União), por meio de nota, informou que não iria recorrer. Pouco depois, no entanto, o chefe do Executivo desautorizou a AGU. "Quem manda sou eu e eu quero o Ramagem lá", disse o presidente.
Além disso, na posse do novo ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, o presidente disse que "em breve" Ramagem vai assumir a PF.
Nesta quinta, Bolsonaro voltou a comentar o caso e questionou se Moraes também irá proibir Ramagem de chefiar a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), cargo que exercia até ser indicado para a PF.
Bolsonaro questionou, ainda, a forma como Moraes foi indicado para o STF. "Não justifica a questão da impessoalidade [um dos argumentos usados pelo ministro na sua decisão]. Como o senhor Alexandre de Moraes foi parar o Supremo? Amizade com o senhor Michel Temer, ou não foi?", disse o presidente, em uma referência à indicação de Moraes ao STF pelo então presidente da República.
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