BRASÍLIA - O ministro Alexandre de Moraes fixou nesta segunda-feira (27) competência do STF (Supremo Tribunal Federal) para processar e julgar crimes praticados nos atos golpistas do dia 8 de janeiro, independentemente de os investigados serem civis ou militares.
Ele também autorizou a instauração de procedimento investigatório, pela Polícia Federal, de eventuais crimes cometidos por integrantes das Forças Armadas e Polícias Militares relacionados "aos atentados contra a democracia que culminaram com os atos criminosos e terroristas do dia 8 de janeiro de 2023".
Havia dúvidas se, nesses casos, quem julgaria os militares seria o Supremo ou a Justiça Militar. Com a decisão, Moraes define que o STF é o responsável por analisar os casos.
"O Código Penal Militar não tutela a pessoa do militar, mas sim a dignidade da própria instituição das Forças Armadas competência ad institutionem, conforme pacificamente decidido por esta Suprema Corte ao definir que a Justiça Militar não julga 'crimes de militares', mas sim 'crimes militares'", diz o ministro em sua decisão.
Moraes afirmou que, na investigação sobre os atos golpistas do dia 8, não estão presentes "nenhuma das hipóteses" que definem o caso como de responsabilidade da Justiça Militar.
"Inexiste, portanto, competência da Justiça Militar da União para processar e julgar militares das Forças Armadas ou dos Estados pela prática dos crimes ocorridos em 8/1/2023", disse o ministro, citando como suspeitas de terem ocorrido, na ocasião, atos terroristas, ameaça, perseguição, dano, incitação ao crime, incêndio majorado, associação criminosa armada, golpe de Estado e abolição violenta do Estado democrático de Direito.
O ministro determinou a abertura de um procedimento sigiloso para a investigação dos militares.
O pedido de investigação dos militares foi feito a Moraes pela Polícia Federal. Segundo o órgão, policiais militares ouvidos nas investigações da Operação Lesa Pátria "indicaram possível participação/omissão dos militares do Exército Brasileiro, responsáveis pelo Gabinete de Segurança Institucional e pelo Batalhão da Guarda Presidencial".
Ao ministro, a PF defendeu que a apuração de suspeitas de eventual crime cometido por militar das Forças Armadas seja feita pelo órgão e julgada pelo Supremo.
Um oficial da PM do Distrito Federal apontou em depoimento para a Polícia Federal a cúpula do Exército do governo de Jair Bolsonaro (PL) como responsável por impedir a desocupação do acampamento golpista em frente ao quartel-general em Brasília.
Ex-chefe do setor de operações da PM, Jorge Naime narrou em sua oitiva que o DF esteve pronto em diversas ocasiões para retirar os manifestantes do local antes da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas as tentativas foram frustradas pelo comando do Exército.
Os generais citados foram o então comandante do Exército, Marco Antonio Freire Gomes, e o chefe do Comando Militar do Planalto, Gustavo Henrique Dutra.
O general Marco Antonio Freire Gomes foi substituído por Julio Cesar Arruda, que ficou apenas 24 dias no posto, demitido por Lula após os ataques golpistas.
Naime também detalhou em seu depoimento como o Exército barrou a entrada da PM no QG logo após os ataques e impediu a prisão de golpistas. O episódio já tinha sido mencionado.
Assim que chegou no local após os ataques, Naime conta que começou a discutir como seriam realizadas as prisões. Nesse momento, diz ele, um oficial do Exército informou que havia sido montada uma linha de choque inclusive com blindados, para impedir a entrada da PM.
Segundo Naime, o general Dutra chegou no local e passou a discutir com o interventor Ricardo Cappelli. O interventor defendia a entrada, e Dutra negou a permissão.
Dutra foi vitorioso na discussão uma vez que a PM não pode entrar na noite do dia 8 e somente realizou a retirada na manhã da segunda-feira (9 de janeiro), quando vários golpistas já haviam deixado o local.
No governo Lula, havia uma avaliação inicial de que os casos relacionados a membros das Forças Armadas deveriam ficar na Justiça Militar, mas interlocutores da gestão viram resistência de Moraes em adotar essa visão. A posição contrária fez com que o entendimento fosse reavaliado.
Houve um entendimento de bastidores entre representantes dos ministérios da Justiça e da Defesa, além da AGU (Advocacia-Geral da União), segundo o qual as apurações envolvendo fardados deveriam ficar com a Justiça Militar. O tema chegou a ser debatido durante reunião de ministros com o presidente Lula.
Apesar da decisão de Moraes desta segunda (27), ainda existem outras dúvidas a respeito do julgamento dos suspeitos de terem envolvimento com os atos golpistas do dia 8.
Um deles é onde serão julgadas as centenas de ações penais de forma que os trabalhos do Supremo e da Procuradoria-Geral da República não fiquem travados.
Interlocutores de Alexandre de Moraes afirmam que a sua intenção inicial era manter os processos sob a tutela do tribunal, o que evita que eles fiquem parados e sem julgamento ou que haja decisões divergentes entre os juízes caso sejam enviados para a primeira instância.
Porém não há uma equipe no Supremo que tenha condição de tocar a fase de instrução das ações, após o recebimento das denúncias. Nessa parte dos processos, são apresentadas as provas materiais, como documentos, e ouvidas as testemunhas. A partir daí, o juiz forma a convicção se irá condenar ou absolver o réu.
Uma possibilidade que tem sido cogitada é a criação de uma força-tarefa, com convocação de juízes, para tocar essa fase dos processos.
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